quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Às Partes do Todo: Um Problema Nuclear

Sendo eu, do todo uma parte, convivo inconformado com meu destino. Eis que o tormento começou quando me autonomizei o suficiente, a exacta rigorosa mesura, para me ver, a mim, como parte deste todo. Como a parte de um todo no espelho da minha consciência.

Não adiantou o argumento, de resto falaz, de que, se me vejo cônscio de mim próprio, já constituo um todo, porque detentor dessa parcela de autonomia que, precisamente, se revela em tal consciência. E que, ademais, não serei - como não sou - substância unitária pelo que, eu mesmo, contenho partes, partes de um todo que sou eu, não obstante sendo eu parte de um todo, maior que as partes que me formam, e como todo, afinal, mais íntegro do que seria se apenas fosse mera parte de um todo. Assim, embora seja parte de um todo, poderei ainda ser, como se viu já, numa determinada perspectiva, todo em relação às partes que me dão corpo e que, por serem partes de uma parte seriam sempre partes de um todo, quer esse todo seja eu, quer o todo seja o todo de que eu, como parte, participo.

Parece complicado, mas tudo não passaria de uma questão de escala... Nem garantido está que as partes que me dão substância não sejam, elas próprias, capazes de lograr consciência de si, o que lhes daria, por sua vez, um carácter totalitário. Nem sequer, pensando um pouco melhor, que essas putativas partes de partes, envidassem pelo meu problemático caminho, tortuoso e angustiado, prosseguindo dess’arte até ao infinito, ou quanto muito, até à última subdivisão da matéria, átomo próprio, primordial, que, enfim, se pudesse arrogar do estatuto de parte originária, o que seria outra forma de dizer de um todo, pois que só então seria, sem rebuço, uma unidade, mónada em si, indivisível e completa.

E digo mais: ninguém me conseguiu asseverar de que o todo de que me sei parte não seja, ele também, parte de um todo maior e que eu, parte de um todo então intermédio, não conseguiria vislumbrar. Por essa razão, também neste caso, quem sabe qual todo poderia descansar na certeza de ser o maior todo de todos os todos, o corpo final e vero englobante, porquanto nele estariam todos os todos e todas as respectivas partes.

Vejam então, que perdido nesta vertigem me sinto, não sabendo se sendo parte sou igualmente um todo, se as partes que me compõem se sentem partes de um todo que sou eu e que, por sua vez, são compostas de partes conscientes de si e, por conseguinte, também, à sua maneira, um todo e, finalmente, se o todo de que me sei parte é parte de um todo ainda maior, sentindo-nos todos infelizes e confusos, excepto, como vimos, a mais pequena parte das partes e o maior todo de todos os todos.

4 comentários:

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado pela sua colaboração, J.P.Matos e e pela forma tão eloquente como expôs a toponímia etimológica do título deste blog. De facto a ideia é mesmo a de um perpétuo movimento, seja nas artes, seja na crónica seja no que se quiser. Entre partes e todo, a questão nunca fica saldada... Tal e qual como na existência humana. Um abraço para si
ARTUR

Carlos Lopes disse...

Porra, até fiquei tonto!!!
Vou-me deitar;-)

José Ceitil disse...

Artur, este Matos será da família do Arnaldo...o tal que era educador do povo e caçador de "social-fascistas!?"

ARNALDO MESQUITA disse...

Muito bem, João. A tua reflexão, expressa na forma poética que te é habitual, constitui uma imensa interrogação que não se esgota em nenhuma resposta, por mais elaborada ou construída. Pensar a totalidade, os átomos que constituem essa totalidade e, sobretudo, a relação entre partes e todo e entre todos e parte é uma tarefa que nunca enfrentaremos de ânimo leve e sem a permanente angústia do beco-se-saída. Um abraço