segunda-feira, 12 de novembro de 2007

ANTERO REVISITADO



" No fim de contas, aqueles que vêem a literatura portuguesa como de amadores e sonhadores esquecem muito facilmente o realismo dela e quanto foi escrita por um povo duro e aventureiro que, mesmo quando confundiu Deus com o dinheiro, como sempre todos os povos imperiais fizeram, nunca todavia confundiu este mundo com o outro. Se grandes poetas, e Antero entre eles, foram sonhadores, foram-no de uma muito especial qualidade: a dos que sonham de olhos abertos e recusam todas as consolações fáceis, mesmo a de acreditarem que a poesia pode substituir a vida, se não fôr a vida ela própria.
... a expressão de um povo que vive como suicidas adiados, ou como sobreviventes do suicídio dos outros, por saber demasiado bem que raça danada é a humanidade e em que mundo canalha e sangrento nós vivemos. Os poetas portugueses não foram e não são, como sucedeu em outros povos, gente perdida numa nação de lojistas. Mas, como poucos, são parte de um dos povos mais cínicos acerca das realidades da vida, que tem havido no mundo.
Antero matou-se depois de haver atingido, de um modo ou de outro, uma ambígua paz transcendental. Poderá dizer-se que assim procedeu, por sentir que o seu papel de poeta e de condutor espiritual chegara a final termo, e que não havia sentido algum em sobreviver-se a si mesmo, saboreando o gosto amargo da glória póstuma. O seu fim não foi o acto obsessivo de um homem desesperado, mas a decisão consciente de um grande espírito que escolheu retirar-se de um mundo que não tinha sido consultado para visitar.
...se Deus existira e lhe dera a vida, e depois se recusava a conversar com ele intelectualmente (o Deus que sempre se recusou a fazer, apesar de quanta teologia já podia ter aprendido pelos séculos adiante), Antero restituía a esse Deus silencioso aquele seu espírito que sentia demasiado para consolar-se na filosofia, e pensava demais para aceitar como felicidade até o facto de ter escrito magníficos sonetos. Digamos que a poesia e a morte de Antero são a extrema honestidade de um estóico que, como todos os estóicos, se deixou acreditar demasiadamente no poder das ideias (não das ideologias) para moverem o mundo ou criarem o próprio Deus."
JORGE DE SENA, in Ensaios de Literatura Portuguesa - I, Edições 70, 1982

3 comentários:

redjan disse...

E porque deitaste o homem ???

Artur Guilherme Carvalho disse...

Estava em construção. Agora já está pronto.
ARTUR

redjan disse...

E pronto ficou .... mais uma peça de pura soma. De interese! De vida ! De saber ! De letras ! De ti Art ...