quarta-feira, 31 de outubro de 2012

SAMHAIN


 

   Hoje é dia de manifestação contra o governo, noite de Halloween ( se não tiver doces em casa os putos pintam-me a porta), o acordo ortográfico continua em vigor, o orçamento que finalmente nos vai enterrar a todos vai ser aprovado, um zombie continua morto no palácio de Belém, o meu clube anda pelo fim da tabela, em suma, os demónios andam à solta, as bruxas dominam a rua, o inferno desceu à terra mais uma vez. É o caos total, o princípio do fim, o fim de um regime, o fim da democracia como a conhecemos e, se não nos revoltarmos rapidamente, o fim da nossa existência. Mergulhados numa tina de inferno e de absurdo. Mais negro que isto só uma invasão normanda sobre uma aldeia celta no noroeste da França. Ao amanhecer esperam ansiosos à entrada da floresta, ouvindo através do nevoeiro, os urros dos selvagens muito superiores em numero e em ferocidade. Trememos não percebendo se é do frio se é do medo. Conseguimos mandar as mulheres e as crianças para lugar seguro ainda a tempo. Hoje, festa do Samhain, os mortos regressam para ajudar os seus descendentes a sair da terra. As cerimónias estão feitas, os rituais cumpridos. Resta-nos aguentar o nosso destino. De repente as guerras liberais em 1820, as convulsões sociais europeias cem anos depois. Correria, bombas, mortos, confrontos, o diabo à solta pelas ruas e não há nada que possa ser feito, nenhuma frase, nenhum livro, nenhum poema que acalme esta ofensiva vinda do norte que nos pretende esmagar, saquear, queimar as nossas casas, violar as nossas mulheres. O inferno à solta como uma máquina de lavar connosco lá dentro, uma máquina de lavar como uma onda há muitos anos na Praia Grande, um dia cinzento sem Sol e a superfície que nunca mais chegava. Aproveita para encomendar a alma ao Criador, para celebrar os teus rituais, está quase a chegar a tua vez. A centrifugação dos ventos da História na minha cabeça, a centrifugação que nunca mais acaba, a entrada do bosque, os urros mecânicos da máquina que vão chegando através da neblina. E de vez em quando um livro, um filme, a tua mão que me resgata lá de dentro, breves balões de oxigénio, forças que me conseguem segurar o medo. Almas que fogem ao longo dos tempos, sempre a correr, a resistir, companheiros de uma corrida sem fim mergulhados numa onda na Praia Grande, a tentar cheirar através do nevoeiro o momento em que finalmente o inimigo terá um rosto. Cátaros incendiados em frente a Notre Dame, a maldição de Jacques de Molay, índios massacrados pelos conquistadores do novo mundo, corrompidos com bugigangas e garrafas de álcool, libertários da Catalunha perseguidos e assassinados por fascistas, estalinistas, todos os inimigos da liberdade, judeus a resistir no gueto de Varsóvia, Primo Levy que responde a um rabi: “Senão agora, então quando?” Lágrimas e sofrimento dentro deste infinito absurdo que ninguém percebe “para quê” nem “porquê”. E no horizonte uma frase, umas palavras, um livro, uma imagem, a tua mão que aparece de repente e me resgata de dentro da água, a tua mão que me concede momentos de breve eternidade. A correria imensa e eterna como um comboio desgovernado pela noite fora a rasgar o escuro com o grito da sua sirene, uma canção de rock’n roll a embalar-nos a consciência, a estabelecer contacto, a trazer-nos outra vez os mortos que nos recebem com um sorriso antes de morrermos. Um concerto com as guitarras eléctricas hipnotizadas, a bateria a alimentar-nos o coração, a nossa oração, a nossa religião, o universo a entrar pela porta da frente, a celebração do absoluto da existência. Foi bom irmãos, foi bom ter-vos conhecido, quem chegar lá primeiro manda vir as cervejas. Em batida de rock’n roll, anjos celtas agarrados a guitarras eléctricas hipnotizadas. Rostos familiares, rostos reencontrados que nos garantem “aqui não há máquinas de lavar”. Viagem entre o inferno e o absurdo a pretexto de não se sabe “para quê” nem “porquê”, sofrimentos em mares de lágrimas, ondas que não terminam, a resistência até ao fim porque sim, porque não nascemos para ser pisados, humilhados, massacrados por anões que se julgam donos desta merda. Não nascemos para ser escravos de uma ordem tirana, nem agora nem nunca em tempo nenhum por mais reencarnações que possamos ter, para que outros aprendam essa consciência. Às vezes a sabedoria de um livro, o preenchimento de um filme, a tua mão, um ritual em concertos, as nossas mãos no ar, as palavras a dançar, as imagens alinhadas em harmonias perfeitas. O inferno é a ausência de razão, o absurdo, a ausência de sentido. E nenhuma delas me esmagará sem luta, nenhuma delas tomará conta da minha aldeia sem que eu lhe pegue fogo primeiro, nenhuma delas se conseguirá rir quando finalmente se conseguir sentar em cima da minha cabeça. Nenhuma delas me deitará abaixo definitivamente porque voltarei em noite de Samhain e infernizarei os seus sonhos. A luta nunca termina, muda várias de vezes de comboio na mesma direcção.

 

 

Artur

MURAL

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
  B. Brecht




REFUNDA A TUA MÃE, PÁ !!!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

UM LOUCO NO SEU GABINETE, COM UMA FOLHA DE EXCEL

"Considerai o seguinte, vós, orgulhosos homens de acção: não passais de instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que no seu humilde sossego com frequência traçam os vossos planos de acção mais completos"  Heinrich Heine

O aviso que Heine deixa aos homens de acção do seu tempo, referindo-se ao rescaldo da Revolução Francesa e do Império napoleónico, foi objecto de uma magnífica paráfrase de Isaiah Berlin que, em 1958, se lia assim:

"´Há mais de cem anos, Heine, o poeta alemão, aconselhou os franceses a não substimarem o poder das ideias : os conceitos filosóficos, criados no sossego de um gabinete de professor, poderiam destruir uma civilização" (Two Concepts of Liberty, 1958)

Se Heine tinha em mente a influência dos filósofos das Luzes nos transcendentes acontecimentos ocorridos entre 1789 e 1793, prolongados por Napoleão Bonaparte até 1814, Berlin quer chamar a atenção para a importância da história intelectual e do "poder das ideias" sobre os acontecimentos políticos e sociais de cada época. Esta influência tem uma génese e uma história e um dos fenómenos intelectuais que considero mais importantes é o da busca universal por parte dos filósofos de certezas absolutas, de respostas que não fosse possível pôr em causa, de uma segurança intelectual total. Esta busca - quase se diria faústica - constitui uma assombrosa etapa da história das ideias e um dos fundamentos das reflexões de Heine e de Berlin, como adiante procurarei demonstrar. Começo por Karl Marx e o modo como o estudo dos seus conceitos conduz à investigação dos seus predecessores e, particularmente dos filósofos franceses setecentistas - adversários letais do dogmatismo, do tradicionalismo, da religião, da superstição, da igonrância e, de uma forma geral, de todas as formas de opressão do homem. É assim que passamos a admirar a ciclópica tarefa que os autores da "Encylopédie" levaram a cabo e o objectivo supremo que para si mesmos fixaram: libertar os homens das trevas - clericais, metafísicas, políticas e outras. Com algum distanciamento crítico, compreendi que as consequências, tanto de ordem lógica como social desse esforço, desembocaram no dogmatismo marxista e dos seguidores de Marx. Entre filósofos do Iluminismo e marxistas, o traço de união pode ser definido deste modo: pensavam sinceramente terem encontrado a vida que levava à solução de todos os problemas que, desde o começo, haviam atormentado e degradado a Humanidade; uma vez conjugadas todas as respostas certas às questões morais, sociais e políticas mais profundas que ocupam (ou deveriam ocupar os homens), o resultado constituiria a solução final de todos os problemas da existência. No entanto, os seres humanos podem ser demasiado estúpidos, de tal modo infelizes, tão enormemente oprimidos e pauperizados que não logrem alcançar as respostas. Ou, ainda, que essas respostas sejam demasiado difíceis, os meios insuficientes, a descoberta das técnicas demasiado complicada. Da ideia inicial - encontrados os modelos, as soluções viriam natural ou penosamente a serem encontradas - ao Terror revolucionário vai apenas um pequeno passo, embora a ameaça de destruição da civilização se mostre excessiva. É melhor o excesso revolucionário, mesmo com tudo o que comporta de trágico, de sanguinário e de totalitário, que as meias-tintas da interpretação estética e moral da vida.

Hoje, os filósofos no sossego humilde dos seus gabinetes foram substituídos por uma prole larvar de tecnocratas, burocratas, eurocratas e afins, constituíndo uma nova casta de sacerdotes, de ungidos, de alucinados místicos, capazes de separarem as ovelhas meritórias dos bodes indignos de serem salvos. A estes moralistas redentores e messiânicos - a quem em tempos chamei "devotos do onanismo" - nos seus gabinetes estofados a bons couros e ar condicionado, basta-lhes uma folha Excel para destruírem civilizações, modos de vida, estruturas sociais. Por isso, se tornam cada vez mais prementes velhas questões que não obtêm resposta: "Até que ponto sou controlado por esta gente ?" ("Quem me controla ?") "Quem controla aqueles que me controlam ?", "Quem determina as minhas acções,a minha vida ?" "Sou eu que as determino, livremente, seja qual for a minha escolha ?" "Ou estou sob controlo de outra fonte de controlo ?" "Estou submetido à disciplina de um sistema jurídico, da ordem capitalista, de um proprietário de escravos, do governo (democrático, autoritário, oligárquico ), da seita dos loucos-fanáticos nos seus gabinetes manipulando modelos econométricos ? Em que sentido sou senhor do meu destino ? Quem são os que ocupam o meu lugar em vez de mim, que poder detêm ?"
Mesmo depois do último 15 de Setembro, esta gente persiste no esforço de nos fazer engolir pela goela abaixo a tese de que a verdadeira liberdade (a minha liberdade enquanto indíviduo e a liberdade da sociedade enquanto grupo) consiste na obediência sem reservas a essas autoridades, aos sábios, aos que conhecem a verdade, à elite dos esclarecidos, ou ainda, a minha obediência é ilimitadamente devida  aos que compreendem as forças que forjam e determinam os destinos do homem.

Mas, se perguntar "o que significa o futuro ?", saberão eles dar a resposta ?

UM ADEUS AO VERÃO II

 
 
Por Sofia P. Coelho

terça-feira, 23 de outubro de 2012

MAIS UMA CRÓNICA DO BAIRRO



  Tive a sorte de crescer num bairro fantástico e de ter conhecido os melhores amigos do mundo, os mesmos que continuo a ter. Os nossos avós tinham sido jovens no tempo da República, contemporâneos da geração do Fernando Pessoa, dos surrealistas, anarquistas, sufocados no auge da existência por um manto negro de proibições, prisões, fome e “padrecas”. Eram republicanos, aristocratas falidos, operários especializados. Derrotados pelos ventos da História, nunca se renderam nem dobraram as costas à ditadura. Falavam de coisas que não se viam na televisão, encaravam as vicissitudes da vida com um olhar fixo, as velhas diziam palavrões quando se irritavam, os velhos não tinham pejo nenhum em andar ao soco. Os nossos pais eram mais amedrontados, nunca tinham vivido em liberdade mas também não se resignavam. Resistiam, falavam de política, ouviam o Rock’ n Roll que chegava em discos de vinil com dois anos de atraso, foram presos políticos, fizeram a guerra, desertaram, foram pioneiros em relação ao amor livre, às drogas, à nova postura sussurrada pelos ventos do Woodstock e do Maio de 68. Éramos crianças livres debaixo de um manto repressivo. Com o 25 de Abril, pouco tempo depois da “FESTA”, as coisas voltaram à normalização. Mas no bairro, não. Fomos adolescentes, ouvíamos “Punk Rock” e “New Wave”, e desdenhávamos dos parolos que se iam inscrevendo nas juventudes partidárias. Os que agora se chamam “jotinhas” e fazem questão de acabar com o que resta deste país. Experimentámos a vida para além de todos os limites, abrindo uma guerra na qual muitos não sobreviveram. Acidentes de carro, Sida e drogas cruzaram-se no nosso caminho e eliminaram mais de metade de uma geração. Continuámos a viver livres sob um manto negro de facções partidárias apostadas em controlar todas as dimensões da vida.

E, ao longo de todas estas fases urbanas de crescimento, além de um amor quase obcecado pela liberdade, existiu sempre um espírito comunitário de solidariedade e respeito entre todos. Um espírito herdado das anteriores gerações. Era comum cumprimentarmo-nos na rua, mesmo não conhecendo formalmente o outro. Era comum acompanhar os velhos que viviam sozinhos, desenrascar o vizinho, emprestar isto ou aquilo, passear o cão que não era nosso, ficar com os filhos dos outros à noite.

No fantástico bairro de Campo de Ourique, as árvores cresceram abanadas pelos ventos da Liberdade, regadas pelas lágrimas das vítimas da tirania, as ruas foram rasgadas pela firmeza da resistência ao infortúnio, decoradas pela teimosia de viver e pela ganância de roubar à vida tudo o que pudesse ser roubado, compensando o muito que ela nos rouba desde o primeiro dia. Uma geração após outra assumia pagar o preço de ser livre, deixando nas memórias, nas pequenas histórias urbanas, o legado de quem não se resigna, de quem não se vende nem se rende. E não trocava esta experiência de vida, esta existência privilegiada, por todo o poder do mundo…

 

Artur

domingo, 21 de outubro de 2012

O ADEUS DO MESTRE

Ás vezes o silêncio entristece, outras consegue transformar-se no melhor companheiro que podemos ter. Li com atenção a última crónica de António Lobo Antunes publicada na VISÃO desta semana, intitulada “Adeus”. Desde os treze anos, desde que me chegou às mãos “Os Cus De Judas” que nunca mais perdi uma palavra deste que considero o Mestre por muitas razões. Nesta crónica ele despede-se enquanto autor, deixando no ar a publicação de mais um ou dois títulos antes de fechar a loja. A obra fica aí para quem quiser aproveitar, sussurrada por uma voz indefinida, não pela mão de quem escreve. Mais do que o amor, a solidão e o riso, Lobo Antunes foi um elemento chave na análise do “Inconsciente Colectivo” das ultimas décadas do século XX. Ele e Herman José. Se este foi a fotografia, a caricatura do colectivo, António Lobo Antunes foi o psiquiatra, aquele que mais fundo penetrou na intimidade desse “Inconsciente” e tentou trazer para a superfície pedaços para análise, rostos, pensamentos, comportamentos. Razões, não. Nesta área não se trabalha com razões mas com emoções, com causas e efeitos, com culpas, faltas, remorsos, dores e um sem fim de ferramentas. Ao fim de muito tempo imerso neste gigantesco tanque sem sentido, acaba por, ele próprio perder o sentido, fica surdo (literalmente), autista do mundo (como a Clara Ferreira Alves escreveu uma vez), escrevendo documentos autistas onde os personagens falam e se interrompem, trocam de voz, de cenário, com uma enorme dificuldade para o leitor conseguir descortinar o que está a ler. Mas, tal como Joyce, Lobo Antunes sabe perfeitamente o que está a escrever, embora num limbo de percepção difícil de definir entre as margens finais do texto literário e as comportas escancaradas do inconsciente. A meio da obra, já não é literário o seu texto, já não é coisa nenhuma, por ausência de definição do seu trabalho. Uma ausência que só os futuros investigadores da língua conseguirão definir. As emoções empilham-se num amontoado aparente de desorganização que será tudo menos desorganizado. Compreender Lobo Antunes é tentar antes de mais nada conseguir penetrar no seu universo, saber traduzir a sua voz, como quem tenta reunir um molho de lenha numa praia para fazer uma fogueira para a noite. Parecendo uma tarefa impossível de realizar à partida, o certo é que com esforço e dedicação acaba-se sempre por conseguir.

Ao Mestre só tenho a agradecer os inúmeros momentos de bem estar e tranquilidade que os seus livros me deram, as gargalhadas e as lágrimas. Principalmente agradecer-lhe ter-me ensinado a escrever. A ajudar-me a entender os pássaros, a empurrar um baloiço vazio no Jardim zoológico a meio da noite, a passear uma tia mongolóide numa feira em Monsaraz com um feirante a querer comprar-ma, a jogar à bisca lambida com o Camões em cima do caixão do pai dele num barco a caminho de Lisboa em plena descolonização. E tantas, tantas outras imagens que, além de me sinalizarem enquanto marcos da existência, serviram para me estruturar melhor a minha personalidade. Se esta é a sua despedida então adeus, Mestre. Se depender de mim, nunca partirás para fora da tua relevância.



Artur

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

MANUEL ANTÓNIO PINA

1943 - 2012
"É então isto um livro,

este, como dizer?, murmúrio,

este rosto virado para dentro de

alguma coisa escura que ainda não existe

que, se uma mão subitamente

inocente a toca,

se abre desamparadamente

como uma boca

falando com a nossa voz?

É isto um livro,

esta espécie de coração (o nosso coração)

dizendo "eu"entre nós e nós?"

VANILLLA SKIES


Por Sofia P. Coelho

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DESILUSÃO

Declaro que estou muito desiludido com a Academia Sueca. Não só desiludido, como ofendido e humilhado: esperava que o Prémio Nobel da Economia de 2012 fosse atribuído ao Prof. Dr. Herr Viktor Gaspar e, colossal balde de água fria, foi entregue a dois obscuros economistas norte-americanos, a léguas da genialidade estratosférica do nosso Professor Doktor. Não conhecendo eu os estudos dos dois laureados senão nas linhas gerais que foram transmitidas na comunicação social, não me parece que se equiparem ao monumental estudo do Doktor Gaspar, intitulado sinteticamente: "Como Destruir Um País Através da Aplicação Prática da Estupidez e da Incompetência, Falhando Todas as Previsões, Errando Todas as Contas e Abrindo a Boca de Espanto Quando a Realidade Se Encarrega de Desmentir as Folhas Excel, Adquirindo Mesmo Assim Uma Quantidade Colossal de Credibilidade". Além disso, penso que o Professor Dr. Gaspar deveria ter ganho o Prémio Nobel da Física pela elevada e colossal qualidade da experimentação que consiste em cometter sempre o mesmo erro, esperando que o resultado seja diferente (por exemplo, deixar cair duas vezes um copo ao chão e, verificando que ele se parte, ter fé que à terceira vez fique inteiro). A estes dois prémios, deveria juntar-se o da Literatura, premiando o brilho, a magnificência e a erudição da sua oratória. Em vez disso, foi entregue a um chinês gorducho, que escreve pantominices semi-pornográficas. Aos chineses não bastava serem donos da EDP, da REN e do Professor Doutor Catroga, ainda tinham que abichar o Nobel da Literatura. Tenho para mim que isto foi mais uma desconsideração e uma ofensa dos nórdicos à Lusa Pátria; quando conseguirmos endireitar a bandeira logo verão com quantos paus se faz uma canoa : nem mais um Volvo a circular nas estradas, a Ericksson que vá vender telefones para Cantão e o Ikea  deserto, sem um único comprador luso

P.S.: Declarou o Professor Doutor Vítor Gaspar que só estava no Governo para retribuir ao País o colossal investimento feito na sua educação. O País, lamentando tanto dinheiro tão mal gasto, declina a retribuição e pede-lhe que não pense mais nisso.

domingo, 14 de outubro de 2012

AS ÁRVORES MORREM DE PÉ


Há dois dias atrás o Cardeal Patriarca veio a público afirmar que as manifestações não servem para nada, que a Democracia não funciona ao ser pressionada da rua para os centros de decisão, que isto até está a andar bem e que a solução para a crise terá que ser encontrada dentro do sistema existente, o mesmo sistema que a criou. E em breves frases conseguiu dizer tudo, conseguiu resumir uma ideologia, um método e um objectivo único. Tentando não deixar para trás nenhum aspecto relevante, começarei por abordar o problema das manifestações. As da rua não resolvem nada, não servem para nada. Mas, em compensação as da igreja católica, cada vez que ocorrem conseguem trazer sempre um valor acrescentado aos problemas da Humanidade. É por isso que continuam a acontecer ao longo de séculos e a civilização não pára de obter benefícios, a começar nas perseguições e execuções da inquisição, no genocídio de povos inteiros e nas infinitas guerras em nome de deus. Aliás não há aqui nada que não se aplique às religiões de uma forma geral. Todas são donas da verdade, todas estigmatizam e tentam exterminar quem não concorde com elas, e, por fim, todas acham que têm carta branca para estabelecer as guerras que quiserem e matar em nome do seu deus. Primeiro dividem a Humanidade, depois dizem-lhe como é que deve viver, que comida comer, que pensamentos ter, como se reproduzir, como obedecer, e por fim, mandam odiar o “outro”, o “diferente”, o que adora outro deus em nome de uma salvação pronta a atribuir ao virar da esquina. As coisas começam a complicar-se para esta gente quando o pensamento abre mais que uma possibilidade, quando se questiona, quando percebe que há outra realidade para além daquela que querem que viva. Chama-se “defesa da dignidade humana” quando as pessoas protestam. A Democracia é feita pelas e para as pessoas e, se as pessoas entendem que devem pressionar aqueles que elegeram de forma legítima acerca de temas que estão a prejudicar as suas existências e a pôr em causa a sua dignidade, então isso é a DEMOCRACIA a funcionar.

O discurso religioso, a fragmentação partidária e a divisão de opiniões de uma forma geral são todas faces do mesmo poliedro que nos orienta e controla desde sempre. Dividindo se controla a totalidade, estigmatizando se manobra o rebanho em qualquer direcção pretendida. E a História ensina-nos que as crises vêm sempre numa sequência repetida. Fome, desequilíbrio social, ódio, estigmatização, guerra. No fim, milhões de mortos de todos os lados, milhões de lucros do mesmo lado. As instituições políticas e religiosas em geral acabam por atravessar todas as crises e todas as tragédias com as mãos nos bolsos e a assobiar para o ar. Ensaiam os ódios que o povo terá que interpretar, fazem as apostas que o povo terá que pagar. E estou a falar de TUDO duma maneira geral.

Para grande azar deste governo, há duas coisas que começam a correr muito mal. Em primeiro lugar a direita democrática afasta-se e faz questão de tornar público o seu descontentamento para com a aplicação desta agenda neo-liberal, e para com este “autismo” governativo em ouvir e tentar perceber o povo. Em segundo lugar as permanentes manifestações colectivas de rua contra a política que nos governa têm decorrido na maior das tranquilidades sem actos violentos dignos de registo. Assim é difícil, o governo não consegue incendiar a mata e justificar a sua acção repressiva em nome da reposição da ordem. Por outro lado, tanto as Forças Armadas como as forças de segurança têm mostrado até aqui uma dignidade e um elevado sentido patriótico, dignos de registo. O único personagem que se está a portar mal é apenas e só este governo, que, deve sair já! Soluções há várias, e não me venham com inevitabilidades. Senão querem o quê? Assistir ao aniquilamento do país e o extermínio da população porque o governo deve terminar o mandato até ao fim?A Democracia funciona quando é verificado o equilíbrio entre representantes e representados, quando o “contrato social” se estabelece por consenso e pleno cumprimento de todas as partes. A Democracia funciona quando a Humanidade se começa a erguer como um todo e a questionar séculos e séculos de roubo, tirania, mentiras e crises cuja factura recai sempre para o mesmo lado.

E é este jogo viciado que parece que está a chegar ao fim. Os partidos e os sindicatos se quiserem que se integrem ao TODO que protesta, não ao contrário, como até aqui costumava acontecer. As divisões ideológicas e religiosas não servem para nada a não ser alimentar a besta que nos domina há séculos. A LIBERDADE começa a passar por aqui. Por isso há aqueles que tremem com o chão a fugir-lhes debaixo dos pés.

Estamos em guerra? Claro que sim. Mas numa guerra em que a Humanidade rebenta com as grilhetas da tirania e protesta pelo direito a caminhar livre sobre o planeta, pelo direito a existir. Uma guerra em que cada vez mais pessoas preferem morrer de pé do que a viver resignadas ao seu extermínio. Livres e de PÉ…De PÉ como as árvores!!!



Artur

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

POST-SCRIPTUM A "CAPITALISMO E ESQUIZOANÁLISE"

A mentira da imagem é a verdade do nosso mundo

CAPITALISMO E ESQUIZOANÁLISE

O propósito inicial deste texto consistia em dizer duas ou três coisas sobre o filme "Cosmopolis", de David Cronenberg, sobre ele debitando duas ou três verdades, de preferência sábias e originais. Mantendo embora essa intenção original, aconteceu lembrar-me de um livro que, desde há muitos anos, se constituiu para mim como uma das grandes referências do pensamento do século XX; refiro-me a "O Anti-Édipo : Capitalismo e Esquizofrenia", de Gilles Deleuze e Félix Guattari, uma obra que considero o mais fecundo e complexo contributo para a reflexão ética e política na pós-modernidade. Para além da análise da relação do desejo com a realidade e com a sociedade capitalista em particular, o livro aborda uma impressionate quantidade de questões relativas à psicologia humana, economia, sociedade, história, etc. Interessa-me sobretudo um dos problemas abordados por Deleuze e Guattari e que se revela um dos problemas fundamentais da filosofia política : o fenómeno contraditório através do qual um indíviduo ou grupo vem a desejar a sua própria opressão. A fim de tratarem esta questão, os autores examinam as relações entre a organização social, o poder e o desejo, particularmente no que concerne ao complexo de Édipo freudiano e os seus mecanismos familiares de subjetivação, constituindo-se a família como produtora de indivíduos dóceis, adaptáveis e prontos a serem oprimidos socialmente. A sociedade capitalista utiliza esse poderoso mecanismo para controlar os indíviduos e grupos, assegurando o completo controlo da sociedade por parte das classes dominantes. Ou seja, Deleuze e Guattari descobriram que é num movimento único que a família repressiva é substituída pela produção social repressiva, e que esse movimento produz o fenómeno do desejo por isso mesmo que nos explora e domina. Era assim que se pensava nos anos 70. Alguma coisa mudou entretanto: recentemente, José Gil - ele próprio discípulo de Gilles Deleuze - asseverou que a crise é anti-erótica. Outras coisas (fundamentais) não mudaram. Veja-se, por exemplo, o modo como Louis Althusser re-escreve a análise de Karl Marx da história dos modos sociais de produção; da fase "primitiva" à "despótica" e desta à "capitalista", detalhando as diversas organizações de produção "inscrição" (que corresponde em Marx à "distribuição" e "troca") e consumo ("Re-lire Marx").
Na extraordinária leitura que Michel Foucault faz do "Anti-Édipo" respingam-se alguns preceitos para a vida quotidiana que nos poderão guiar nos dias de hoje : não amar o poder; libertar a acção política de todas as formas de paranóia utilitária e totalizante; não exigir da política que ela restabeleça os direitos do indivíduo tal como a Filosofia os definiu - o indíviduo é o produto do poder -; o que é necessário é "desindividualizar" pela multiplicação  e deslocamento dos diversos agenciamentos; o grupo não deve ser o laço orgânico que une os indíviduos hierarquizados, mas uma constante geradora de "desindividualização", etc.

Quanto a "Cosmopolis", que dizer senão que é o retrato justo, alucinado e abismado do capitalismo em vias de se desmoronar ? Um mundo reduzido ao estatuto de Ideia, já que o dinheiro, tendo perdido a função de indexar a realidade, se tornou o índice de si próprio. Cronenberg está aqui no seu terreno de eleição: essa Ideia só tem existência nas superfícies que a refletem (computadores, televisões, LCD que anunciam permanentemente os movimentos bolsistas); o corpo humano desposando tristemente essas superfícies, símbolo das suas núpcias funestas com a Máquina e com a Tecnologia cega e auto-destrutiva; a Velocidade que submerge os seres e as coisas na sua destruição, já que o "hoje" é literalmente devorado pelo futuro; anulação da interioridade e da humanidade pela voragem da velocidade suicidária; violenta precipitação do desastre psíquico, suicídio e alucinação permanente. O protagonista, um capitalista hiper-lúcido, deseja furiosamente e, no delírio hermenêutico que é o corolário da fúria especulativa da Ideia, antecipa a sua morte, deseja-a secretamente, procura-a : será ela que o libertará do totalitarismo do conceito. Ele é o derradeiro símbolo da psicose esquizofrénica e suicidária do capitalismo.

Entre "O Anti-Édipo : Capitalismo e Esquizofrenia" de Gilles Deleuze e Félix Guattari e "Cosmopolis" de David Cronenberg existe uma relação que poderá não parecer evidente, mas que se revela muito forte: ambos são formas artísticas (sim, também a Filosofia é uma arte, no sentido em que se fala, por exemplo, de uma "arte erótica" e quem tiver dúvidas leia ou releia "O Banquete" de Platão), apoiadas em noções aparentemente abastractas de multiplicidades, fluxos e dispositivos que servem para analisar a relação do desejo com a realidade e com a "máquina capitalista". Nesse mesmo sentido, Foucault (outra vez...) estabeleceu um paralelo entre a "ars erotica", a "ars theoretica" e a "ars politica" que sublinha e sintetiza as analogias que, em vão, aqui tentei estabelecer.

Ossa et Cineres (#9)

Sê cada texto como fulguração única, deflagração de sentido, é certo, mas também de sua toada, ora scherzo ora requiem e, por vezes, sinfónico. Ainda um cosmo todo seu, expansivo e jovem, circular-fechado, em tom de negrume ou como fror e perfumado; um estado d'espírito, grito, fúria, melancolia. Talvez s'entreveja vertigem e abismo, circum-navegando-se: labirinto; fragmentado, na sua pequenez, cifra especular...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ossa et Cineres (#8)

A obsessão desse lugar secreto de subsistência vital: respirar, prover ao sustento do corpo e natural repouso. Respirar no tão -só existir num plano singelo sem ocupação alguma que não seja agitar o pulmão e tal também com o naco que de parco e são tonifique de simplicidade o espírito assim como sustém a carcassa que quando s'abandona ao sono sabe que se liberta de tod'angústia que um cônscio liame ao negócio do século, ao afã das gentes, inevitável e funesta porta consigo. Adivinho já o que ireis dizer: esse é o destino do sábio que apesar da raras vezes cumprido ganhou fama comum. Opto por contrapor incerto-tíbio talvez pois s'em tal houver sabedoria é apenas na constatação de que não sendo, nós e outros, mais do que um sôpro para que perder esse lapso em mais do que na plena exalação? Não pensar nem querer pensar, deixar o desejo e a renúncia, ser & ser em abandono de quanto constrangimento e sujeição jamais inventou a perfídia dos homens.

E DEPOIS?


É tarde, muito tarde. Na noite que avança, na existência cansada, no limite da paciência, é tarde de uma maneira geral. Todos os cantos deste quarto anónimo no cu do mundo destilam um cheiro a fim. Não há garrafa de whisky que chegue nem comprimidos que tranquilizem, que tornem este vazio imenso numa sensação mais agradável, mais fácil de suportar. Não há culpas escondidas em lado nenhum com o nome de ninguém, apenas cansaço. Um enorme, um insuportável cansaço de tudo em geral. Um virar de página em forma de vertigem, um sinal partilhado pela mente e pelo corpo que dizem que foram atingidos os limites. Daqui para a frente será outra coisa, nascerá um caminho sem rumo, uma existência fora da existência, uma coisa qualquer que poderá ser o nada. E depois?

É tarde, muito tarde para conseguir chorar, para arrependimentos, rancores, ódios de estimação, exibições desnecessárias. É o tempo das paisagens desérticas onde nada existe, onde nada faz sentido porque se perdeu o fio que segurava a minha fotografia na galeria da esperança. Quebrou-se a moldura onde me encontrava comigo. O esquecimento da consciência do Ser por afogamento na rotina dos dias todos iguais em direcção a lado nenhum. O cansaço do vazio, a impossibilidade de escrever o nosso nome até ao fim, a impossibilidade de reconhecer aqueles que nos importam, que nos importaram…Nada, apenas cansaço enrolado em torno de anéis de fumo que se dissipam tão rápidos como se formam, tal e qual as recordações, emoções, os tropeções e os estremecimentos do Ser, supostamente lições para ensinar qualquer coisa que já não apetece aprender.

Cansaço, um enorme cansaço vestido com as roupas da indiferença e da neutralidade de quem observa de fora, de quem vê de longe mas que já não estica o braço para agarrar.

Tudo termina e há momentos de fim que são aguardados com expectativa, como se já não houvesse espaço para esperar mais nada.

Nunca percebi grande coisa sobre a vida e, o pouco que consegui perceber, chegou sempre numa altura em que esse conhecimento já não me servia para nada. Tudo é ausente de explicação, de racionalidade, tudo tem uma função inexpugnável ao entendimento.

Um bafo metálico sopra-me canções de arrepiar aos pelos da nuca, demora-se, explica-me que veio ao meu encontro porque o chamei. Porque achei que o meu massacre também deveria acabar. Não podemos ser exterminados pela dor em modo infinito.

Tudo termina, tudo tem que ter um fim. E ainda bem…



Artur

domingo, 7 de outubro de 2012

Ossa et Cineres (#7)

O todo da inquietação, o fragmentado da incerteza. Um tempo sem esp'rança, o porvir d'incerto improviso: contas, a penas, negrume & cansaço. Será o artista como Cassandra: o ar imoto quando carece de eco pois fala e ninguém responde; aponta, por ventura, uma senda-de-verdade e não há quem o acompanhe no caminho. É certo que assim s'erra e desespera e quase s'amaldiçoa o momento em que a consabida e bem-dita e daimónica voz primeiro se manifestou ainda que seja ela farol & azimute, companheira na hora-má, privilegiada ouvinte do eco que em ti produziu; a confidente que, pacientemente, escuta o lamento sobre o ominoso silêncio das gentes quando sobre ti derramam o fel da indiferença.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Ossa et Cineres (#6 - pelo 5 de Outubro)

Já não visão em angústia pois que a palavra que tira a vida às cousas seja também exorcismo e revolta. Um nóvel, catártico cosmo onde toda a fulgent'e'hialina luz - essa por ti parida - vive sem empalidecer para sempre & ainda.

OS IDOS DE OUTUBRO


 

  Há enganos que trazem consequências terríveis para o futuro. Há coincidências que não acontecem a não ser no momento exacto em que têm que acontecer. Há momentos simbólicos que permanecem imutáveis na consciência, como sinais de alerta que gritam na brisa do vento palavras de alarme, prenúncios de catástrofes anunciadas. Embora indiferente para muitos, a consciência republicana representa um marco, um símbolo importantíssimo no trajecto da Humanidade, um nível superior evolutivo na escala civilizacional. O eterno propósito de combater a injustiça, de tornar tanto quanto possível a vida dos homens num espaço mais equilibrado, mais justo e que fizesse mais sentido no absurdo da sua condição de existência conheceu com os ideais republicanos uma possibilidade, uma esperança de que é possível fazer mais para alem de aceitar a exploração e esperar por melhores dias. Os excessos, as barbaridades e as injustiças que acompanham qualquer processo revolucionário são a factura de uma mudança rápida de regime político pela força das armas, mas, e acima de tudo, pela vontade (ou desespero) de um povo cansado de ser manso, cansado de ser vítima.

Em 5 de Outubro de 1910, o regime monárquico caía pela força das armas dando resposta a um sistema político esgotado de soluções, ao fim de um ciclo, a uma tremenda ausência de rumo. Seguem-se 16 anos turbulentos, repletos de ruas agitadas, lutas de classes, egoísmos e compadrios partidários, insegurança, instabilidade. Mas também se seguem anos de grande transformação, de políticas educativas, de  planos nacionais de saúde, aprofundamento e desenvolvimento das relações de trabalho, vanguardas culturais e científicas que mudaram e, em grande parte para melhor, as condições de vida das populações. Uma balança de pagamentos em permanente plano inclinado, uma participação na I Guerra Mundial que dividiu ao meio a sociedade e uma enorme inércia do sistema político para encontrar soluções estáveis e duradouras, acabam por precipitar o novo regime na ditadura do Estado Novo.

Hoje, a Bandeira Nacional hasteada de pernas para o ar na varanda dos Passos do Concelho em Lisboa (o lugar simbólico onde em 1910 foi proclamada a República), a cerimónia celebrada em espaço fechado e subordinada a convites, a ausência pela primeira vez no dia 5 de Outubro do Chefe do Governo, se já isoladamente são acontecimentos simbólica e formalmente graves, em conjunto prenunciam tempos incertos mas seguramente turbulentos. Por toda a parte existe um sentimento de “fim” em tudo o que acontece. Fim de regime político quando a classe política se refugia em cerimónias privadas e é constantemente vaiada e insultada pelo povo seja em que lugar for. Fim de sintonia entre governantes e governados perante um Governo que governa como se estivesse sozinho no país, surdo aos apelos dos seus concidadãos, empenhado unicamente em cumprir uma agenda ditada do exterior que nos faz retroceder anos e anos, sem qualquer consideração pela soberania nacional e pelo regime democrático, e que nos vai transformando numa população de servos da gleba. Fim de um sistema quando simbolicamente a Bandeira Nacional se resolve hastear ao contrário como quem, enviando um sinal de alerta, executa um pedido desesperado de ajuda à República. Fim de um modelo de governo, quando um Primeiro Ministro, além de cortar a direito símbolos e feriados em nome de uma produtividade de intenções duvidosas, decide desprezar formalmente as cerimónias da implantação do regime republicano, por acaso aquele em que vive, por acaso aquele que o elegeu, por acaso aquele que lhe permite tomar as várias medidas que o fazem implodir lentamente. Cuidado…Muito cuidado com os idos de Outubro…

 

Artur  

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ossa et Cineres (#5)

Escreve como em murmúrio; faz das micro-percepções, do acontecer-instante, um orbe de luz, fúria e furor, em que o quase-nada tem o esplendor da onda rebrilhante como imóvel e espelhando o zénite do Sol.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ESCRITO NO VENTO


Ossa et Cineres (#4)

Ah, o cansaço da ciência-errante, desse mundo-de-sonho onde a vida irrompe e se ri - riso claro & honesto - de toda a entropia. E como desconhece a morte e ruína não entende que o sonhador esteja, de perene, confrontado com essas e, por isso, deixe d'entender o sonho. E quer o sonhador sonhar mas não encontra no sonho seu lar e por isso deambula no mundo perdido & urrante.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

1984






"Estamos perante uma combinação fatal de poder e ignorância" - M.M. Carrilho


Já não vivemos em democracia; vivemos em merdocracia. Esta orientação política resulta de uma combinação fatal entre os resquícios de estalinismo, a agitação de alguns que se aproveitam para rapinar ao Estado e ao povo o pouco que resta da sua actividade de décadas a fazerem negócios chorudos para eles e ruinosos para o povo e uma generalizada e genuína estupidez (relembrando a definição de estupidez elaborada por Roland Barthes "A estupidez é a euforia do lugar"). Em relação ao primeiro elementos (resquícios de estalinismo) basta que nos lembremos da requintada teoria do "engenheiro das almas" e de Zinoviev : o Partido Comunista da URRS constituía a vanguarda revolucionária, portadora do verdadeiro pensamento marxista e intérprete fiel das ideias de Lenine; os planos quinquenais eram fabulosos e, se não resultavam, era porque o povo era estúpido, ignorante e não-colaborante. Para os Professores Doutores Passos Coelho, Relvas, Gaspar, Moedas e Borges, o povo, os empresários, os economistas, os sindicalistas, a oposição e, de um modo geral, a Humanidade, não só é estúpida, ignorante e não-colaborante como, mal dos males, não os merece. A novilíngua (George Orwell "1984") dos merdocratas enaltece o "empreendedorismo", a "inovação", o "mérito" e outras baboseiras e parvoíces do género, não se revelando o povo português capaz de compreender o brilhantismo destes fabulosos técnicos, destes seres de eleição, destes faróis da Humanidade e muito menos de lhes prestar o serviço de ser resignado, cabisbaixo e colaborante, à imagem do condenado à forca que enfia no seu próprio pescoço a corda que o há-de estrangular. Tal como Estaline, os merdocratas de agora precisavam do "homem novo", um ser puro e desenhado a régua e esquadro, capaz de corporizar as folhas Excel do Professor Doutor Vítor Gaspar, as teorias económicas do Professor Doutor Moedas, as lições académicas do Professor Doutor António Borges e a meritocracia do Professor Doutor Miguel Relvas. Estes infelizes Professores Doutores tiveram a infelicidade de cair na "piolheira" mais desbragada e incompetente, restando-lhes lamentarem-se diariamente de tão triste sina e de dizerem "sottovoce" "Como Portugal seria maravilhoso sem os portugueses...". Quanto ao elemento "rapina" deste merdocracia, ele é tão evidente que passa sem comentário. Aliás, convirá apenas acrescentar uma pequena nota marginal: estes Professores Doutores perceberam que em democracia não se pode governar desmantelando o Estado Social, desvalorizando e retirando dignidade ao trabalho e atirando os direitos sociais e políticos para uma espécie de caixote do lixo da História. Perante tal impossibilidade, restava-lhes, como é óbvio, transformar a democracia em merdocracia.
Ao genial Professor Doutor Pedro Passos Coelho deu-lhe agora para citar Camões (podia ser pior, e começar a citar frases da obra "A Fenomenologia do Ser", obra de Jean-Paul Sartre que assevera ter lido na juventude, com o pequeno senão de Sartre nunca ter escrito tal obra...), apesar de Camões, que se saiba, nunca lhe ter feito mal nenhum e ignorar olimpicamente a existência deste e dos outros Professores Doutores.Pois bem, dizia eu o Prof. Dr. PPC resolveu atirar-nos com a citação do Canto V "Sopram ventos favoráveis", etc. chamando o vate ao enaltecimento das suas fabulosas políticas, coisa que o poeta vomitaria se soubesse que os seus versos são tão abusiva e estupidamente utilizados. Um dia, quando estiver a gozar a sua reforma dourada num cargo de CEO de uma grande empresa, talvez o Prof. Dr. possar dar uma olhada num texto fundamental de Walter Benjamin que comenta o quadro de Paul Klee que se pode observar lá em cima. Esse quadro chama-se "Angelus Novus" e foi oferecido por Paul Klee a Benjamin que, a partir desse quadro, constrói uma imagem da História, caracterizada do seguinte modo (cito de memória) : Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e a dispersa aos nossos pés. Ele (o anjo) gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se nas suas asas com tanta força que ele não pode fechá-las. Essa tempestade impele-o irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce. Serão estes os "ventos favoráveis" que o Professor Doutor Passos Coelhos vislumbra ?

Ossa et Cineres (#3)

... dess'arte, faz irromper nesse jardim a insuportável mutilação do que perverte o que há de belo, de puro, de bom.