segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O que é um monstro ?

A palavra "monstro" deriva do verbo latino "monstrare" e aplicava-se a todos aqueles que mostravam, exibiam as suas deformidades ou deficiências físicas, provocando a piedade, a comiseração  e a compaixão da comunidade a que pertenciam. Não é assim o monstro na nossa triste contemporaneidade : o monstro moderno exibe-se perante o país numa pretensa "mensagem de Natal", que mais não é do que uma manobra da mais vil e abjecta propaganda, que se arrasta por infindável meia-hora de mau português,  mentiras, fraudes, servidas por um discurso vazio, ôco, redondo e, repito, infindável. Não é por se apresentar bem penteadinho, com um fato de bom corte, a voz bem colocada e a serenidade estampada no rosto que o monstro deixa de o ser. Não exibe, antes esconde o aleijão moral de que enferma, a profunda ausência de ética e de pensamento que fica camuflada e soterrada sob essas toneladas de imbecilidades que pontuam o discurso. No fundo, qual é a mensagem (se é que há alguma ) ? Poderia resumi-la assim:

"É verdade que o preço que pagaram foi pesado e continuará a sê-lo. A vida que vos peço que levais parecerá inumana, calamitosa, indigna. Mas mudai um momento de perspectiva. Deixai esse ponto de vista estritamente pessoal, egoísta, piegas, limitado e considerai o do mundo mirabolante que vos prometo à chegada. Abandonai o vosso ponto de vista e aceitai o desta grande utopia que eu vos proponho e em nome da qual vos peço que aceitais o arbítrio, a devastação, as humilhações e as indignidades. Vereis então que tudo isso faz parte de um plano de conjunto. Compreendereis então que esta devastação, esta carnificina, talvez participem de uma ordem superior. Parecia-vos cruel, insensato ? Pois bem, não é ! Isso possuía um sentido, estava inscrito na ordem das coisas. Eu, que estou aqui para vos guiar, há muito o compreendi e compreendi porque sou persistente onde vocês são preguiçosos e lamechas; racional e superiormente culto, onde vós sois ignorantes e emotivos. Descartes no disse: "a distribuição dos males e dos bens parece-vos inequitável ? Mudai antes de desejos, em vez de quererdes mudar a ordem do mundo"; "adoptai uma visão sinóptica sobre a desigual distribuição dos bens e dos males " (Platão); "adoptai o ponto de vista da Substância, do necessário desenrolar dos seus modos" (Espinosa); "adoptai o ponto de vista de Deus, mónada suprema e entendimento perfeito, geometral, de todas as perspectivas" (Leibniz). Em suma, mudai de perspectiva, mais uma vez, e logo vereis como toda essa poeira de pequenos sofrimentos, todos esses males, todas essas desordens, eram apenas o outro aspecto, a outra face, ou o caminho mais longo, mas o mais seguro, para a chegada do Espírito Santo (não, o do banco, o outro). "Quando se escreverá finalmente alguma coisa do ponto de vista de uma piada superior, isto é, segundo a visão do Bom Deus, lá em cima", perguntava Flaubert, de modo zombeteiro. Pois bem, aqui está, sou eu que o digo, eu passos coelho, que me tornei o dissipador das nuvens negras e anuncio o céu azul e as águas límpidas para todos aqueles que acreditam em mim. " Foi esta a mensagem de Natal e foi o monstro que a disse. E disse mais: é assim que, inspirando-se nos meus protocolos, se escreverão em breve as grandes páginas da sujeição - até, e inclusive, as máquinas totalitárias, no alto da escala do despotismo e, em baixo, impossível de serem confundidos com elas, mas partilhando contudo este traço, essas máquinas ultraliberais que, afinal de contas também ordenam: mudai de perspectiva ! aderi ao ponto de vista da inevitável globalização ! aceitai o da harmonização espontânea efectuada pela mão invisível do mercado mundial ! e vereis como a vossa vida desfeita, humilhada, perdida, participa também num plano cuja fórmula secreta está nas mãos desses novos hegelianos que são os senhores de Wall Street, os fundos de pensões californianos, a Merkel, os mercados, os credores, os meus senhores e donos e eu, passos coelho, a sua voz, o mensageiro enviado para vos trazer a Boa Nova. Acreditai, arrependei-vos e sereis salvos por mim.

P.S. - Graças a Deus, não sou católico :


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

UMA CEIA DE FANTASMAS



Uma noite de Natal pode ter mil e uma aplicações, desde uma simples mudança no estado de espírito até servir de espaço para um romance inteiro. A noite de Natal é sempre essa mistura de recordações e de personagens que fomos e somos e ainda a tímida chama de um futuro que se deseja de esperança. No tempo que vivemos assemelha-se a uma ceia de fantasmas ou de formas que desaparecem um pouco todos os dias. A mesa encolhe do lado da realidade viva e alarga-se na parte das memórias, do grupo dos que já marcharam. Tudo isso faz sentido, sempre fez. Chama-se “a ordem natural das coisas” e rapidamente percebemos isso a partir da primeira morte. O que não faz sentido nenhum é o desaparecer da sala de jantar, da casa, da caixa de memórias, o que não faz sentido é desaparecer a dinâmica da renovação, pura e simplesmente ver extinta essa “ordem natural das coisas”. O que não faz sentido é ver morrer Portugal. Viver num lugar onde os velhos escolhem todos os dias se hão-de comer ou comprar remédios, os jovens são obrigados a partir para fora se quiserem ter direito a uma vida, e em todos é construído um sentimento de culpa por simplesmente querer viver, como num sofisticado campo de concentração, numa reserva sem recursos. Viver num lugar sem identidade, sem memória e sem língua materna é viver em lugar nenhum, é não ter nenhum canto a que se possa chamar seu. Por isso esta noite é maior o espaço para os fantasmas se sentarem à mesa do que o da realidade viva. Em breve toda a mesa será ocupada na exclusividade por fantasmas. Em nome das razões mais estúpidas, mais mentecaptas e mais esquizofrénicas que podemos imaginar anula-se uma cultura, extermina-se um povo, encerra-se um país. Em nome da “competitividade” funda-se uma colónia de escravos, em nome do “crescimento” extermina-se um terço da população, em nome dos “orçamentos equilibrados” coloca-se uma pedra em cima de uma nação. Quando toda a mesa estiver ocupada por fantasmas espero não estar cá para ver. Custa-me muito fazer parte do ultimo capítulo da longa história da realidade onde nasci. E custa-me ainda mais por saber que o meu esforço foi inútil, incompleto, não serviu para nada.
Um bando de psicopatas continua a decidir o destino de milhões. Umas vezes transformando esse destino em destino nenhum, outras dando a escolher em que árvore é que o enforcado quer a corda.
Mas quem não se defende, quem não reage, quem nada faz a não ser ter medo não merece o chão que pisa nem o ar que respira. A extinção é o seu destino. Assim se cumpre a “ordem natural das coisas”. Tenham um Feliz Natal.


Artur

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

BOAS FESTAS



                                       Este blog deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ALTAMONT - PROVAVELMENTE O MELHOR SITE DE MUSICA DE TODOS OS TEMPOS

Os melhores discos de 2014

Por

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Mais um ano chega ao fim e cá estamos, uma vez mais, para vos dar a nossa lista dos 25 melhores de 2014.
Não tendo sido um ano tão forte em nomes como sucedeu no ano transacto onde parece que todas as bandas fortes da actualidade resolveram lançar discos, caso dos Arcade Fire, The National, The Strokes, Arctic Monkeys, Devendra Banhart, Vampire Weekend, entre outros, foi, igualmente, um ano rico em lançamentos, sobretudo a nível nacional que teve em 2014 o momento mais forte desde os anos 80, tal foi a quantidade (e qualidade) de lançamentos de discos e concertos de bandas lusas.
Este ano temos três discos nacionais no nosso Top25 e todos muito bem colocados. É um orgulho ver que a música nacional está outra vez a dar cartas e que há muita qualidade pronta para aparecer. É só terem tempo de antena.
Tal como no ano passado, para este Top25 tivemos o seguinte critério: Cada um dos elementos do Altamont votou no seu Top10 individual sendo que as pontuações seguiam a lógica da Formula 1. O primeiro classificado tem 25 pontos, o segundo 18, tendo o terceiro 15 e assim sucessivamente, premiando, desta forma, os discos mais importantes a nível pessoal.
Dos mais de 100 discos votados, estes são os nossos 25 melhores:
25. Tv On The Radio – Seeds

Ao quinto disco os TV On The Radio souberam encontrar perfeitamente o seu espaço no meio de tantas bandas que se vão perdendo no tom ao longo do caminho. Seeds não fica atrás dos melhores momentos da banda, como Dear Science (2008) ou Return to Cookie Mountain (2006). E se o disco de 2011, Nine Types of Light, passou razoavelmente despercebido este Seeds é representativo daquilo que os TV On The Radio são capazes de fazer.As mudanças de registo entre os loops e o electrónico para um registo mais rock introduzem alguma inconsistência mas não retiram valor ao disco. Não é de estranhar, devido à recente morte do baixista Geral Smith, que o álbum acabe por ser um tributo, mais expresso em «Ride» mas sobretudo em «Trouble». A fechar, «Seeds» dá um tom mais alegre, quase de renovação, deixando no ar uma sensação boa, de um disco completo e positivo – se não soubéssemos as circunstâncias não o adivinharíamos.
24. Sharon Van Etten – Are We There

O novo trabalho de Sharon Van Etten é para ouvir com atenção. Dedicar-lhe uma hora, sem distracções, saborear o piano e a voz sussurrada e grave. Are We There, o quarto disco da norte-americana que nos últimos anos se afirmou como uma das mais acarinhadas vozes do folk alternativo, é o que nos traz uma maior produção. É cheio, completo, apaixonado e imensamente triste.
Sharon Van Etten mantém neste disco o seu estilo confessional, mas sem perder contacto com as influências mais alternativas do seu estilo. Alguns dos instrumentos usados, aliás, são os mesmos que foram tocados por Patti Smith ou John Lennon. No entanto letras e voz sobrepõem-se a quase tudo o resto. É por isso que este Are We There tem de ser ouvido com cuidado, com atenção. Uma audição mais superficial torna o disco demasiado melancólico e a roçar o aborrecido, o que é um destino menos digno para o trabalho que Van Etten aqui nos deixa.
23. Tinariwen – Emmar

Emmaar é rock do deserto e blues misterioso. Mas isto não é blues clássico, porque quem afirmar não sentir a aura africana dos Tinariwen estará a mentir – das palavras proferidas em Tamasheq (a linguagem utilizada pelos Tinariwen) até à percussão que, envolvida nas guitarras, nos faz sonhar num território longínquo, não-ocidental, imenso como o deserto do Sahara.
Entre momentos mais contidos e nostálgicos, e outros mais afirmativos e pujantes, estes Tinariwen oferecem-nos em Emmaar uma música que, por mais que falemos em blues, soa absolutamente única e inovadora. Rock do deserto, pois claro.
22. St. Vincent – St. Vincent

A rodela de policarbonato de St. Vincent intitulada St. Vincent entrou na gaveta mágica e começou a tocar. De início, tudo na mesma.«Digital Witness» e «Birth In Reverse» são, indiscutivelmente, boas canções. E como são boas, acabam por fermentar, tornando-se, aos poucos, melhores ainda. Isso foi importante para um desconfiado. Fomos também encontrando, ao longo do disco, aquilo que parecem ser ecos (distantes, é certo) de Kate Bush, por exemplo. Outra coisa que nos pareceu óbvia é que este disco soa a um produto mais acabado, mais polido, o que sempre ajuda a cimentar a qualidade do material, sem que no entanto se descambe num cenário mais popular, o que a acontecer seria trágico. Por outras palavras, parece-nos que St. Vincent deixou de lado uma ideia que pode ser irritante (e no caso vertente era, seguramente), que é a de fazer música espertinha, para entendidos, para os intelectualmente pós modernos, se é que nos fazemos entender.
21. The Growlers – The Growlers

Os Growlers são uma banda diferente. Não procuram estrelato nem grandes alaridos. Pelo contrário, preferem arrastar-se entre as garrafas cheias e vazias de álcool, solução que encontram para tantos dos seus problemas mas talvez mais que isso, por opção própria, de quem gosta de fugir às responsabilidades. Talvez seja por isso que estejam já há bastante tempo em digressão, longe de casa. A banda liderada por Brooks Nielsen e Matt Taylor não parece ser obcecada pela perfeição, pelos arranjos excessivos em que nada é deixado ao acaso. Os Growlers, pelo menos, neste disco mais maduro e polido, continuam a ser aquela banda do «tá-se bem», que apenas está ali a tocar a sua cena. É um álbum no qual podemos ouvir umas pequenas incursões pelo reggae como em «Going Gets Tough» mas onde o sempre falado e presente psych impera.
20. BadBadNotGood – III

Uma sonoridade soturna, que vem de qualquer sítio onde está sempre chuva e está sempre nublado e os candeeiros da rua iluminam um caminho de alcatrão. É qualquer coisa como isto que se vê quando fechamos os olhos e ouvimos BadBadNotGood. Este trio canadiano lançou o seu primeiro álbum de originais, III, este ano que agora acaba, depois de uma série de EP’s e singles que foram vendo a luz do dia. Fala-se de uma sonoridade profundamente jazzística onde não falta percussão, sopro (fantástica intervenção em «Confessions») e cordas, mas que não descura uma contemporaneidade gritante: tudo isto é ligado à corrente por uns laivos electrónicos que deixam a água na boca. Excelente estreia esta, onde podemos afirmar que se existisse definição de chill num dicionário ou enciclopédia de música, este álbum era a foto da entrada, da capa e da contracapa.
19. Aphex Twin – Syro

Treze anos após drukQs*, Aphex Twin vem por fim à seca de que a música electrónica tem vindo a padecer nos últimos anos, trazendo consigo não só o novo Syro, como também muito mais material que acumulou nestes anos de paragem. Syro não é portanto mais um oásis, mas sim, espera-se, o início de um processo de «des-desertificação». Em Syro perpetuam-se algumas características de trabalhos anteriores e abandonam-se outras. Numa análise mais imediata, parece haver uma ligeira inclinação para o seu som mais ambiente, embora sem nunca largar aqueles beats ácidos que tão bem emprega, sendo talvez a música «CIRCLONT14 [152.97]» o melhor exemplo disto. Este equilíbrio (ambienttechno) ligeiramente desequilibrado faz com que, ao ouvir Syro, tanto sejamos transportados para uma rave cheia de putos a dançar com ecstasy no sangue a fazer de combustível, como para um passeio ao luar, por ruas vazias numa noite fria. É após uma hipnotizadora hora da melhor música electrónica dos últimos tempos que nos apercebemos dessa verdadeira beleza interior de Syro. E que maravilhosa descoberta é essa…

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PRAIA DAS MAÇÃS NO INVERNO




                                                Imagem retirada de colares.sapo.blogs.pt

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

COMPREENDO



                        “Há quem diga que eu não vi…há quem pense que eu fugi”

                                    Tara Perdida






Antes de mais nada quero-te dizer que compreendo. Antes que seja tarde e quando já não me conseguires ouvir. Compreendo que não queiras jogar mais cartas para cima da mesa, não porque já não as tenhas mas porque se te acabou a vontade de jogar. Compreendo que todos temos um limite de ser espancados pela realidade, todos temos uma linha a partir da qual existe o direito de escolher. Acabar, pôr uma pedra em cima de tudo, esgotar todos os sentidos, fechar todas as portas e largar a casa a caminho de casa. Tempos houve em que não consegui compreender. Entramos num jogo de resistência sem saber as regras, enchemos um cenário de loucura desconhecendo o filme, sofremos um pouco todos os dias sem nunca perceber para que é que serve o sofrimento. O Miguel pendurado de uma seringa dentro de um carro embaciado em frente ao rio, o Luís a engatar magalas desenfreado nas casas de banho das estações de metro. A expressão serena de um e o brilho cada vez mais pequeno nos olhos do outro. Não compreendi que desligaram, que acharam o absurdo maior do que a sua capacidade de resistência, o “porquê” de manter um cenário que lhes trazia mais sofrimento do que outra coisa. Não compreendi e sofri a sua passagem para as outras terras, para aquelas paragens onde todos acabaremos por nos encontrar. Fizesse eu o que fizesse, nada resultaria que os desviasse de uma escolha previamente elaborada. Quiseram assim. E não compreendi na altura que éramos e somos todos reflexos uns dos outros, que se sofremos a vertigem do fim é apenas porque perdemos partes do Ser que é apenas um. É preciso crescer, viver, envelhecer. É preciso percorrer um longo caminho até atingir uma relação equilibrada com a frustração, o desapontamento e a dor. Hoje, passados todos estes anos vejo em ti o sorriso do Miguel e o brilho dos olhos vivos do Luís. Vejo em ti a minha cara e o meu sorriso numa tarde de Sol. Estamos todos lá. Não posso correr atrás de ti, não posso fazer nada a não ser deixar-te ir, respeitar a tua escolha. Amo muito a tua presença e a tua mão na minha mas não me posso esquecer do teu sofrimento que além de extremamente pesado te mortifica ao longo do caminho. Podia ser eu e de certa maneira sou. E faria exactamente como tu uma vez atingidos os meus limites. E sei que respeitarias a minha escolha. Por isso te compreendo, por isso respeito a tua atitude de ir desligando os botões um a seguir ao outro. Desta vez já não vou sofrer. Desta vez ficarei apenas brevemente triste de te ver partir…mas compreendo. As partes da mesma unidade não partem todas ao mesmo tempo. No entanto acabam sempre por se encontrar do outro lado. Acabam sempre por formar a unidade. És linda e sempre o foste tal como te amo e sempre te amei. Antes que deixes de me ouvir quero que saibas tudo isto. Quero-te dizer que compreendo.  

   Artur
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