quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

RUI EDUARDO SANTANA BRITO





RUI 1944-2017


"Eu experimentei uma singular impressão, durante os momentos em estive ao seu lado. Não foi um sentimento de piedade que me sobreveio, ao assistir à morte dum homem que me era caro, porque ele, Equécrates, parecia-me uma pessoa feliz na sua maneira de proceder e nas suas palavras (...) Por isso não se apoderou de mim nenhum sentimento de compaixão, como pareceria natural, ao assistir a um espectáculo doloroso, nem tão-pouco de prazer, como sucedia nas nossas conversações filosóficas habituais (...) Foi um sentimento estranho, uma mistura singular de prazer e de dor o que nessa ocasião senti em mim, considerando que ele, em breve, partiria desta vida".  Platão "Fédon"


Partiria ? Não tenho sobre isso qualquer certeza, nem quero ter. Sei que nunca partirá da minha vida e da vida de muitos outros que o conheceram e amaram. A generosidade com que dispôs da sua vida e a partilhou com os outros; a ironia com que olhava para a vida - umas vezes de fino recorte, outras de pesado sarcasmo - sua e alheia; a capacidade única de reconhecer instantaneamente o ridículo e o fátuo e de zurzir o pomposo, de se distanciar das pequenas ou grandes ambições, de procurar e reconhecer o Belo, de procurar e reconhecer o Bem. E procurava-os e reconhecia-os naqueles de quem gostava e também nos livros, filmes e discos que amou com paixão; e ainda nas cidades e nos lugares de que se apropriava e tornava seus como se os habitasse permanentemente.
Foi um construtor, um disseminador de conhecimentos e paixões, alguém que via nos outros o melhor que eles tinham para dar e os estimulava a dá-lo, que se entregava com a confiança própria das naturezas sensíveis e sublimes, fazendo dos outros pessoas melhores do que tinham sido, justamente porque acreditava nelas e nelas investia tudo: a amizade, o amor, a cumplicidade, a esperança.
Partiste ? Haveremos de voltar a ver-nos.

MFA





Como se sabe, o MFA, Movimento das Forças Armadas, fez o 25 de Abril de 74, foi parte integrante do período pós-revolucionário, e um elemento fundamental durante o PREC (processo revolucionário em curso).
Lembrei-me dele no passado dia 21 de Janeiro, porque estando em Boston, testemunhei uma de muitas manifestações populares em território americano. Uma imensa manifestação chamada Marcha das Mulheres, que além das mulheres tinha em igual percentagem, homens e crianças, a um nível como há décadas não acontecia por aquelas paragens.
Desde manhã cedo, dirigiram-se ao parque central da cidade, Boston Common, ostentando na grande maioria e transversalmente a sexo ou idade, barretes rosa convictamente enfiados cabeça abaixo.
A manifestação fez-se. A Marcha das Mulheres também. Com homens e crianças. E mulheres. A uma delas ainda ouvi dizer que não tinha queimado o soutien "para isto". Com o "isto", referia-se à tomada de posse de Trump no dia anterior. Não sei se o terá comprado só para o queimar, como forma de mostrar uma posição, o que é estúpido, se para se libertar de algo que a aprisionava, o que já é compreensível.

E lembrei-me do MFA, porque com a cidade em pleno estado de levantamento, acabei por dar por mim no MFA de Boston, que nada tendo a ver com forças armadas, tem contudo a ver com revolução de concepções e mentalidades, e os testemunhos que essas mudanças foram deixando pela História e na humanidade.
O Museum of Fine Arts de Boston, congrega no espaço de um grande edifício, os elementos culturais que testemunham a evolução de diversas civilizações que apareceram, algumas desapareceram e outras ainda, subsistem na casa de todos nós, este planeta que habitamos.

É na variedade cultural que se pode ver a verdadeira riqueza humana. A História palpitante nos objectos expostos das mais variadas áreas, remetem para lições que se não forem aprendidas ou deixadas esquecidas, tenderão a repetir-se.

E aqui voltamos à manifestação que decorria a um par de quilómetros de distância dali, não podendo eu deixar de fazer a analogia entre a década anterior à Segunda Guerra Mundial e a actualidade, pensando como terá sido possível que nos anos trinta do século passado, tivesse havido um ser que com o seu carisma conseguiu unir toda uma nação em torno de um projecto holocáustico, depois de com os seus discursos populisticamente inflamados, trazer à flor da pele de um povo tudo o que de mais negativo poderia espremer.
O resultado nefasto, saldou-se em milhões de inocentes mortos e cicatrizes que perduram até aos nossos dias e continuam a fazer vítimas.

O que possa estar a acontecer neste momento nos Estados Unidos, é algo verdadeiramente assustador.

Um fanfarrão alarve com a delicadeza de um marialva exibicionista emborrachado,  tem a chave do Portão do Inferno.

Hélder


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

ZERO ABSOLUTO

Estamos próximos do 
ZERO ABSOLUTO!
Estranhamente no mês de Janeiro em Portugal, as temperaturas aproximam-se do zero, o que não deixa de ser esquisito porque há dois dias tive a oportunidade de comprovar que no Recife, estado do Pernambuco, Brasil, estavam uns insuportáveis 30°C, e lá também é Janeiro deste ano.

 E o
ZERO ABSOLUTO
Também pode ser configurado por pagar:
- livros escolares todos os anos, quando nos outros países da Europa são gratuitos e providenciados pelo Estado;
- portagens numa viagem de autoestrada, no valor do que os alemães ou os suíços pagam por ano em percursos ilimitados;
- os custos da electricidade que não permitem que muitas famílias se aqueçam;
- uma justiça ineficaz, fragilizada pela mediocridade que a tomou;
- uma informação noticiosa que é manipulada por quem nela manda;
- um serviço nacional de saúde incoerente e ineficaz, que não respeita os utentes;
- bancos privados, com dinheiros públicos;
E já agora, lá por fora, ocorre-me um arauto do Armagedeon que está prestes a ter as chaves do portão do inferno.
Isto sim, é frio.
Muito frio.
E no entanto, andamos há tantos anos a patinar.

Hélder 

sábado, 14 de janeiro de 2017




Em silêncio como naqueles instantes que antecedem a alvorada. Em silêncio sem ouvir o que o padre diz antes dos diligentes funcionários da funerária começarem os preparativos em torno da urna e a carregarem para dentro da carrinha. Saímos discretamente cá para fora, tiramos o maço dos cigarros, e em silencio damos lume uns aos outros. Levanta-se a cabeça a cheirar a chuva, adivinham-se as artroses e as mazelas em geral, os filmes e as cenas de cada um sem ser necessário falar. Há uma vida inteira para trás onde se leu e aprendeu essa extensa biografia que somos nós. Antes de entrar no cemitério mais um cigarro, revista em redor, contabilidade de figuras e figurões presentes, cumprimentos atrasados aos familiares que ainda não tínhamos visto e caminhada fora até à campa. Passos rendilhados sobre a gravilha, tosses isoladas, pássaros ao longe a voar entre ciprestes. Mais umas breves palavras do padre que ninguém ouve, caixão à cova, flores e pedaços de terra simbólicos que o seguem em silêncio. Alguém abre a boca e entoa o grito de guerra. Paralisados de solenidade cumprimos o ritual em berrata organizada totalmente alheia ao resto das pessoas. Os pássaros calam-se e voam assustados para outras paragens. Segue-se um silêncio solene, vibrante, absoluto. Últimos olhares sobre a campa que é agora coberta pelos coveiros. Ultima despedida calada  e retomamos o passo rendilhado até ao lado de fora, até ao portão tentando adivinhar quem será o próximo, avaliando as trombas e os corpos um dos outros. Mais um cigarro antes da partida final, cumprimentos e abraços que tudo resumem sem ter que recorrer às palavras. Anos de vida desde miúdos a jogar uns com os outros no recreio, no campo de futebol, no balneário, nos jantares de confraternização, nas depressões, na morte. Um todo indivisível feito de respeito e solidariedade onde cada um é o ser único que sempre foi. Conhecemos tão bem a vida como conhecemos a morte. Sem delírios, sem surpresas…sem medo. Porque nos aprendemos a organizar e a proteger uns aos outros como a matilha muito novos. Fizeram de nós guerreiros ensinando-nos a lutar. E nós lutámos. Iniciaram-nos na ordem antiga onde ninguém morre, apenas muda de habitação no cosmos. E nós ocupamos as cadeiras que nos foram destinadas e respeitámos os que partiram e ensinámos os mais novos.  Porque lutar não é sempre vencer mas não lutar é  perder sempre. E nós não desistimos…de lutar e de nos proteger. Andamos mais devagar, dizemos as mesmas coisas várias vezes, perdemos mais tempo a aturar os médicos e a tomar comprimidos, estamos cada vez mais surdos para ouvir o mundo e o que nele se passa. Sem dúvida. Mas isso não quer dizer que deixámos de pensar, de acordar todos os dias, de esquecer quem somos, quem seremos depois da morte. Por isso não são precisas frases a circular entre nós. Chega uma expressão de cara, um olhar, um gesto seco. Os outros vêm depois, os outros continuarão a obra. Não há fracassos nem desilusões nem vitórias absolutas. Apenas tempos diferentes que exigem comportamentos diferentes. Ninguém caminhará sozinho, ninguém morrerá sozinho.   A solidão nunca se apresentará como filha única porque sobre ela estaremos sempre NÓS.


Artur

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O JORNALISMO, O DESCRÉDITO, O MEXILHÃO E O SONHO

No 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses, manifestou-se a preocupação com a descredibilização da actividade.
Têm razão. É um assunto assaz relevante.

Depois de uma semana e mais alguns dias, primeiro a ser avisado para a violência das imagens da agressão a um jovem, a seguir, gratuitamente e sem o ser.
Há anos a encaixar a forma como são dadas as notícias sobre bancos privados e injecções de dinheiros públicos para os salvar, agora até a CGD, mais um comissionista chamado Sérgio Monteiro que não se vislumbra bem nem como nem porquê, continua com a missão destruidora que lhe foi confiada no anterior desgoverno, sem nada de relevante que não seja o fracasso na solução do Novo Banco. Herança pesada deixada por um quase ilibado 'tonelágico' Salgado, a quem vão pedir contas à Avenida da Liberdade, quando com uma pesquisa simples, se encontra a casa dele em Cascais.
A omissão acerca dos condenados e foragidos à justiça, como Armando Vara, a dever 5 anos de prisão efectiva aos calabouços, Dias Loureiro e Hélder Bataglia, a monte... continuem vocês com outros nomes e outras situações, de certeza lembrar-se-ão respectivamente de outros e outras...
Querem fazer crer que a Coragem e determinação de um punhado de Homens num dia de Abril de há umas décadas, mudaram um país e a dignidade de um povo, quando continuo a ver que os princípios de Democracia e Igualdade, que os inspiraram, tornaram-se apenas em nobres palavras arrastadas pela lama da pouca vergonha e do descaramento.
Um país onde o analfabetismo deu lugar à iliteracia. Juntam-se as letras, lêem-se as palavras mas não se compreende o que está escrito. Muito menos se conhecem os grandes escritores, poetas e artistas, da História portuguesa e universal, recente ou mais longínqua. Pessoa é mais estimado e conhecido no Brasil, por uma elite que consegue ter acesso ao ensino superior, que no país onde nasceu.
Em Portugal é a mediocridade que se instala e se consolida, graças à ineficácia de uma justiça bacoca, cujas leis são feitas pelos medíocres  a beneficiar os medíocres.
Houve até um deles, que sem qualquer respeito pela Vida, alarvemente culpou a "peste grisalha" pelo estado a que chegou o país do qual se vai servindo e do qual vai sorvendo. Um 'grisalho' indignado, tornou pública a sua indignação pela enorme falta de respeito e esta justiça, a justiça de um 'estado de direito', dizem, condenou-o a reparar tamanha desfaçatez indemnizando o monstro com €3.000,00.
É este o país de Abril? O país da democracia e igualdade?
Não será antes o país cuja casa do povo, a Assembleia da República, foi tomada pelos grandes escritórios de advogados, independentemente do partido mais votado, servindo quem lhes paga, os verdadeiros donos do dinheiro, que afinal sempre o foram desde há séculos?
Quando há pouco mais de um ano contactei todos os meios de comunicação social que me lembrei para denunciar o atraso numa operação bancária que demorou mais de duas semanas, e por lei não podia ter levado mais de três dias, sem obter qualquer resposta, dúvidas tivesse eu sobre opções editoriais, teriam essas ficado desvanecidas. Já não as tinha, e as certezas confirmaram-se.
Um indivíduo, sozinho contra um banco, ou contra uma grande empresa, não tem hipótese nenhuma de sucesso.
O que me leva ao mais profundo descrédito sobre justiça, igualdade e até democracia, que afinal se revelam proporcionais ao recheio da própria carteira e da posição e colocação de 'amigos'.

E todo este texto porquê?
Porque ontem o senhor carteiro deixou-me uma carta das Finanças, cujo interior me trazia uma multa de €25,00, porque me atrasei 5 dias a pagar o IUC no valor de €52,00 de um carro com 7 anos, há quase 2 anos.
Pior foi o caso de uma pessoa conhecida que na noite do último dia do prazo se lembrou que tinha de pagar os €5,00 dessa taxa, foi no dia seguinte ao balcão das Finanças e disseram-lhe que não podia pagar ali, tinha de ser no Multibanco, e ainda tinha de aguardar pela multa.

Tudo isto nada mais é que um alerta, para que todos os que tiveram a pachorra de ler isto até ao fim, não se esqueçam de pagar o IUC dentro do prazo.
Este democrático estado de direito, precisa de todos os nossos cêntimos para resgatar bancos, por exemplo, ou perdoar dívidas fiscais a grandes empresas. A GALP, por exemplo.

Resgatai-vos a vós mesmos e esquecei a proporcionalidade do castigo.
O mexilhão não pensa nisso.
Só leva com o peso da onda.
Repetidamente.
Mas há mexilhões que sonham.

Hélder