segunda-feira, 5 de outubro de 2020

FELIZMENTE, O MAR


 

 

Chego de manhã quando ainda não se vê ninguém na praia. Olho lá para o fundo e avalio a agitação, ouço o seu ronco e tento interpretar a respiração. Começo-me a vestir na traseira do carro, pego na prancha e vamos a isto. Quinze minutos, meia hora sem palavras, pensamento a zeros, limpeza geral de depressões, ansiedades, questões filosóficas. Subir e descer, sentir a cabeça a latejar dentro da água fria e agitada, ensaiar equilíbrios…Quando não tenho respostas tenho o Mar, quando o pensar me cansa, quando as respostas se escondem, quando tudo é uma sombra permanente sem luz à vista. No mar não se pensa nem se sofre. No mar é-se simplesmente. Um com o todo oceânico, movimento complementar de nós próprios onde o erro se paga no imediato sem contemplações. Os instantes só nascem uma vez e é preciso sintonia total para não os perder de vista, a onda ideal, a pausa para progredir, todas as decisões são momentos únicos, instintivos. No mar sou um Eu muito maior do que peso, muito maior do que meço, sou tudo aquilo que sobra em mim e que não me dói por falta de espaço. Sou qualquer coisa, um significado qualquer que faz sentido, uma justificação que o universo me atribui…ou faz relembrar. Não tenho que pensar nem elaborar construções complicadas para justificar os dias. Sou a parte desse universo que tem o seu lugar, a sua função, a sua razão de ser. E respiro, e movimento-me e Sou com ele sendo ele a um tempo. E a onda que me avisa que da sua aproximação, a preparação rápida, o equilíbrio breve, a flutuação mínima que parece uma eternidade e o mergulho final nos braços de espuma onde se celebram todos os nascimentos, todas as mortes.   Depois o peso dos braços e a respiração da antiguidade vão aumentando obrigando-me a flutuar no movimento de saída. Regresso ao mesmo mundo que deixei há pouco tempo. Tudo na mesma, nada muda nem nada vai mudar nunca. Só eu estou diferente como uma peça de roupa que esteve naquela gigantesca máquina de lavar num programa de lavagem de onde saiu quase como nova. Numa sequência de enxaguamento, detergente e centrifugação que a tornou à saída como quase nova por estrear. Depois o ar e o Sol encarregar-se-ão de lhe devolver a idade e o tempo que continuará a descontar até deixar de ter utilidade e desaparecer do verbo utilizar. Quando nada faz sentido, quando me canso de pensar, quando não tenho respostas…tenho o mar.

 

Artur

 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

CONFINAMENTO EQUÍDEO





 

                                                                  Sofia