terça-feira, 18 de julho de 2017

A DIFICULDADE EM USAR OS CONCEITOS E O TOTALITARISMO





“Biológica e culturalmente sou um rafeiro e orgulho-me de ser o produto intelectual e físico de todas as classes, raças e nações, orgulho-me de não pertencer a uma “raça pura” nem a uma “classe pura”…
    
      Wilhelm Reich



Quanto mais tempo perdemos em nos dividir e subdividir até à exaustão, quanto mais tempo gastamos a julgar ou a compararmo-nos com o “outro”, mais perdemos enquanto espécie, enquanto organização social e, em última análise, em enfraquecimento do espírito. Qualificar uma etnia como marginal é repetir comportamentos do passado que terminaram em tragédias colossais. Não pode ser uma etnia inteira culpada do mesmo comportamento mas vários cidadãos que a compõem no que à sociedade e à lei diz respeito. A homossexualidade não é uma anomalia da espécie humana mas apenas uma escolha de prática sexual. A grande anomalia é a própria espécie humana que em milhares de séculos neste planeta não conseguiu evoluir alem da destruição do meio ambiente onde vive, resolver problemas básicos como a fome, o controle demográfico e a própria organização social para uma dimensão mais justa e equilibrada onde todos os seus membros pudessem viver em paz. Uma espécie que venera deuses que nunca viu mas não hesita em destruir a Natureza onde caminha todos os dias e que lhe permite e faculta o simples fenómeno da vida. Uma espécie muito mais concentrada na guerra e na destruição do “outro” do que na evolução natural da existência. Uma espécie alimentada a intolerância, ganância e iniquidade, selvagem e perigosa para as outras espécies com que divide o espaço onde habita.
Não, não é uma etnia que é toda ela marginal e fora da lei, serão elementos dessa etnia como de todas as outras. Porque a cidadania é isso mesmo, o compromisso entre o HOMEM individualizado e a sociedade, os seus pares. Em termos de infracção das leis só existe um conceito material, o de CIDADÃO. Tal como o racismo não é argumento para a estupidez, a acção ilegal ou a incapacidade. Por isso o “politicamente correcto” atingiu dimensões fatais de afastamento e incompreensão que de nada servem a não ser para continuar a dividir, continuar a separar. Portanto haverá marginais de todas as cores e religiões como haverá cidadãos dignos e responsáveis de todas as cores e religiões. A República e a Democracia foram inventadas para precisamente unificar a espécie no seu denominador comum. Iguais perante a lei e os seus pares. Seres humanos. Que um engenheiro troque estes dois conceitos, não sendo tolerável não é extraordinariamente grave. Agora que um Professor de Direito o faça, das duas, uma. Ou é um completo ignorante que se doutorou por baixo da mesa ou, mais grave ainda, é alguém que intelectualmente despreza estes princípios básicos da Democracia e da República e que se situa ao nível da ideologia totalitária.
Que um venerando médico com uma vida académica e científica prestigiada qualifique a homossexualidade como uma anomalia, que dizer então? Que guardou na gaveta todo o seu capital humanista, que se limitou a ajuizar através dos seus princípios culturais, que resolveu chamar a atenção? Francamente não sei. O que sei é que não são as práticas homossexuais que provocam doenças ou tenham sequer algum risco epidémico que coloque a Humanidade em risco. Deixo para a diferença de tempos e de valores culturais a frase infeliz.
O que assusta é que quando se começa a perseguir os outros por isto e por aquilo, em pouco tempo cairemos no tempo de uma só voz, um só conceito, uma só verdade. E a História está cheia de episódios semelhantes que terminaram da pior maneira para milhares e milhares de vítimas. O nosso problema não é a diferença do outro. O nosso problema é como enfraquecer e exterminar esta condição de escravos de que meia dúzia de espertos consegue alimentar-se há séculos. O nosso problema é ser roubados todos os dias, passar fome e frio, morrer em guerras que não são nossas e continuar a apontar o dedo ao outro, ao “diferente”. O nosso problema é não conseguir viver num ambiente limpo e saudável porque a economia tem que crescer, a produtividade tem que aumentar. Mas aumentar para chegar aonde? À nossa melhoria de vida? Depois dos computadores trabalhamos menos, produzimos menos, somos menos escravos? Não. E o que é que insistimos em fazer? Apontar o dedo ao “outro”, matar o outro porque adora um deus diferente do nosso.
Enquanto os grupos políticos e os grupos de interesse através das suas máquinas de propaganda, vulgo grupos de comunicação, dançam um fandango colorido acerca de responsabilidades, chafurdice na tragédia e outros tantos comportamentos inúteis e repetitivos que nos adormecem num sono alienado, enquanto os fogos ardem e as pessoas morrem sem necessidade, por outro lado há outro país que se mobiliza e arranca para os lugares fustigados e transporta consigo comida, roupa e utensílios de todo o género. Há uma vaga de solidariedade espontânea que se ergueu sem que ninguém lhe pedisse. E são estes comportamentos que nos interessam, são estas atitudes que valem. As vedetas que continuem a dançar no aquário e a cantar a cantiga que lhes foi encomendada. Há muito mais vida do outro lado da vida. E pouco nos interessam as cores, as religiões ou o politicamente correcto de uma tragédia. O que nos interessa é sobreviver como um só, contra quem nos quer exterminar, contra quem nos quer a dormir, contra quem nos engana com divisões. Uma espécie num planeta…é o que nós somos. E estamos a ser cada vez mais.

Artur





quarta-feira, 12 de julho de 2017

SUMMER THOUGHTS




                                Triste de quem é feliz

                                Vive porque a vida dura

                                 Nada na alma lhe diz

                                Mais que a lição da raiz

                                Ter por vida a sepultura


                                                              Fernando Pessoa in "Quinto Império"