sexta-feira, 29 de maio de 2009

NO PRINCÍPIO…ERA O CINEMA


Em Dezembro de 1895 Lumiére apresentava no “Grand Café” do Boulevard des Italiens em Paris, uma das mais assombrosas invenções daquele tempo: o animatógrafo ou a fotografia animada projectada em tela branca. Em Junho do ano seguinte um jornal lisboeta, o “Diário Ilustrado” anunciava um “estranho e novo espectáculo”. “Vamos admirar dentro de poucos dias a novidade mais prodigiosa e mais recente, que tem sido o assombro de Londres, Paris e Madrid. Trata-se do Animatógrafo, apresentado pelo electricista húngaro Mr. Rousby".
Associado ao dono do Coliseu, comendador António Santos, o pioneiro do cinema instala-se em Lisboa até 15 de Julho, aproveitando a estadia para executar várias projecções. Pagando cem reis por entrada, o público lisboeta rendeu-se ao Animatógrafo. Embalado por este clima de euforia, Rousby parte para o Porto, fazendo as suas exibições no velho Príncipe Real, hoje Teatro Sá da Bandeira. Rezam as crónicas que apesar de conquistada a imprensa a reacção do público não foi tão entusiasmada como a dos seus congéneres lisboetas. Houve um espectador, no entanto, que não perdeu uma única sessão depois de assistir à estreia. Tratava-se de Aurélio da Paz dos Reis.


O PRIMEIRO

Aurélio da Paz dos Reis era um jovem comerciante de flores e sementes com 34 anos, que nas horas vagas se dedicava à fotografia. Cinco anos antes, no 31 de Janeiro de 1891, tinha sido um dos republicanos que na Câmara Municipal do Porto havia proclamado o novo regime. Preso, julgado e absolvido, nunca mais abandonou os seus ideais se bem que a sua acção política tivesse decrescido consideravelmente.
Em Agosto de 1896 parte para Paris, donde regressa com um aparelho de captação e reprodução de imagens que lhe vai permitir ser o primeiro cineasta português. No Porto contacta com dois amigos, António da Silva Cunha, proprietário da Camisaria Confiança, e o fotógrafo profissional Francisco Bastos Júnior, organizando um espectáculo de cinema intitulado “Kinetographo Português”. De todo esse programa, o primeiro filme a ser rodado foi SAÍDA DO PESSOAL OPERÁRIO DA FÁBRICA CONFIANÇA (imagem no alto do post) , na senda do primeiro filme de Lumiére, SORTIE DES USINES.
De uma forma geral os seus filmes revelavam uma preferência pela captação da realidade de forma variada e documental. Seguem-se CHEGADA DE UM COMBOIO AMERICANO A CADOUÇOS (título também inspirado em Lumiére), AZENHAS DO RIO AVE, JOGO DO PAU, FEIRA DE S.BENTO, FEIRA DE GADO NA CORUJEIRA, RIO DOURO, MERCADO DO PORTO, A CANINHA VERDE, SENHOR DE MATOSINHOS, COSTUMES DA ALDEIA. A sua carreira fê-lo rumar a Lisboa para filmar aspectos da capital, provavelmente tendo como intenção um futuro espectáculo lisboeta. Assim, rodou MARINHA NO TEJO, SAÍDA DE DOIS VAPORES, TORRE DE BELÉM e AVENIDA DA LIBERDADE.
Quatro meses após o espectáculo de Edwin Rousby no Porto, Paz dos Reis exibia na tela do Príncipe Real os primeiros filmes nacionais. Atraída pela familiaridade das imagens a plateia portuense reagiu de uma forma muito mais calorosa e entusiástica do que na exibição do colega húngaro. Desde então o Cinema e a cidade do Porto desenvolveram uma intensa e frutuosa relação que se foi desenvolvendo até aos dias de hoje. Passando por Braga embora nunca tenha chegado a exibir os seus filmes em Lisboa, Paz dos Reis faz a sua última exibição em território nacional (de novo no Porto) em Dezembro. Voltará a aparecer a 15 de Janeiro de 1897 no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro. Por razões pouco esclarecidas no entanto, a digressão brasileira redunda num fracasso (deficiências técnicas é uma das hipóteses mais fortes). Para alguns investigadores a exploração do espectáculo no Brasil era o objectivo principal da empresa. Uma vez falhado este propósito Paz dos Reis regressa uma semana depois, cessando definitivamente toda a actividade cinematográfica. De regresso ao Porto, o primeiro cineasta português dedica-se ao seu trabalho na “Flora Portuense” bem como às suas fotografias de amador. Nesta actividade é ainda reconhecido o seu mérito, sendo-lhe atribuída a autoria de centenas de fotos estereoscópicas (imagens em relevo).
Nos anos que se seguiram, nem nas comemorações do 31 de Janeiro, nem nas festas do comércio portuense, nem nas efemérides do cinema constou o nome de Aurélio da Paz dos Reis, o homem que foi pioneiro na feitura de imagens em movimento muito antes de Itália, Dinamarca, Rússia ou Espanha. Morrerá em Setembro de 1931 ficando todos os seus filmes apenas na memória daqueles que os conseguiram ver. Há não muitos anos conseguiu-se recuperar a SAÌDA DO PESSOAL OPERÁRIO DA FÁBRICA CONFIANÇA. Terá que servir como testemunho material da grandeza artística deste extraordinário portuense.

Ornamenta #043


segunda-feira, 25 de maio de 2009

ALEMANHA vs. GRÉCIA



Naquele dia os filósofos disputaram uma importante partida de futebol. Alemanha e Grécia defrontam-se nas meias finais. O árbitro era Confúcio, auxiliado pelos fiscais de linha S. Agostinho e S.Tomás de Aquino. Um acontecimento empolgante.

Ornamenta #040


sábado, 23 de maio de 2009

FUMO E PACHECO PEREIRA


Em 1995 Wayne Wang realizou SMOKE, com o argumento baseado na primeira história de Paul Auster, premiado no New York Times, que lhe abriu as portas para uma carreira de sucesso. Fazendo um filme de amigos e para amigos, a história arrastou-se tanto que acabaram por fazer segundo filme no mesmo ano (BLUE IN THE FACE) com o que tinha sobrado do primeiro. Numa tabacaria de Brooklyn o tempo vai passando ao sabor das visitas e das conversas dos que por ali aparecem numa base regular. A amizade com Auggie (Harvey Keitel), o gerente da loja, acaba por se tornar inevitável. Para marcar o tempo, Auggie tem um passatempo que consiste em fazer uma fotografia todas as manhã antes de abrir a loja. No mesmo ângulo, sobre o mesmo enquadramento, invariavelmente todos os dias. Auggie colecciona vários álbuns dessa sua tarefa diária. Um dia mostra-os a um amigo que o interroga acerca da utilidade desse passatempo tão esquisito. Afinal, qual é a piada de fazer todos os dias a mesma fotografia. É então que Auggie lhe faz abrir a capacidade de observação. Não havia duas fotografias iguais. Mais ou menos escuro significava a diferença entre dias de Sol ou dias de nuvens. As roupas dos transeuntes diziam se era um dia frio de Inverno ou de Verão. O envelhecimento também podia ser visto se calhasse repetir duas vezes a mesma pessoa em imagens separadas no tempo. Ou seja, o registo fotográfico e solitário de Auggie desenhava a realidade, uma parte dela, sempre na mesma posição. O que parecia que nunca se mexia, afinal tinha vida própria, evolução.
Vem tudo isto a propósito de Pacheco Pereira. Sendo assíduo frequentador do seu blog (ABRUPTO), não consegui deixar de reparar, para além das toneladas de informação útil, que PP se dedica, embora não numa base diária, a fotografar um recanto do jardim de S. Amaro em Lisboa, o mesmo espaço, vezes sem fim. Abaixo da imagem coloca uma legenda: “A passagem do tempo num banco do jardim de S. Amaro”. Umas vezes há lá pessoas sentadas outras o banco está vazio. Uns dias há mais Sol outros a imagem é mais escura. Ora este hábito idêntico ao gerente de uma tabacaria de Brooklyn é sintomático. Se por um lado se revela numa manifestação típica de solidão, por outro é demonstrativa de amor pelo espaço vivido (provavelmente o jardim fica próximo da sua casa).
Politicamente estou nos antípodas de PP o que me deixa completamente à vontade para elogiar a sua obra enquanto pensador e historiador. As suas fotografias do espaço vazio funcionam enquanto pequenas metáforas de um homem isolado entre os seus pares. Já tive ocasião de ler alguns trabalhos seus de interesse histórico que constituem elementos imprescindíveis para compreender a realidade do século passado. Afastado das correntes da moda, nos jornais e nas faculdades, PP resiste. Um dos seus mais conhecidos trabalhos, a biografia de Álvaro Cunhal, é um exemplo paradigmático. Ao se propor relatar a biografia de um homem, PP evita entrar na sua intimidade mais recôndita (e cientificamente menos interessante) para relatar a história do Partido Comunista Português (que de certa forma se confunde com a própria existência de Cunhal). Com rigor científico, o investigador consegue ilustrar de uma forma elegante o percurso de uma personalidade marcante da vida política do séc. XX sem se deixar influenciar pelo mito, pela propaganda ou pela admiração.
Outro trabalho importante de PP consistiu numa crónica publicada no Público aquando dos funerais da irmã Lúcia e de Álvaro Cunhal. Para mim foi como se tivesse sido feito um TAC ao Inconsciente Colectivo” do povo português. Como eu o invejei naquele dia...
PP é intelectualmente honesto e politicamente faccioso. E depois?? O seu grande azar é ter nascido inteligente num país que se orgulha de ser ignorante, revelar sinais aristocráticos de conduta séria num partido de saloios, ter a obsessão do rigor científico num quotidiano onde são as meias frases e as meias verdades a sentenciar as coisas. Mas também não se pode queixar. Tem um espaço semanal em televisão, outro em revista e ainda outro no “Público”. Alguém há-de ouvir as suas ideias, de uma forma ou de outra. A sua solidão intelectual e política é que não o abandona. Nem isso, nem a sua devoção pelo espaço onde vive, o país onde nasceu. Daí as suas fotografias a um banco de jardim, tiradas quase diariamente.

ARTUR

Ornamenta #038


sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ornamenta #037


IN MEMORIAM - JOÃO BÉNARD DA COSTA (1935-2009)

"O meu amor é o meu peso; arrasta-me para onde quer que eu vá"

S. Agostinho "Confissões"











A uma dada altura do romance "Moby Dick", de Herman Melville, o Capitão Ahab diz a Pepe Doido que ele é "fiel como uma circunferência é fiel ao seu centro". Sem o saber, Melville tinha encontrado a definição total de fidelidade: por mais voltas que a circunferência execute, ela nunca perde de vista o seu centro e regressa sempre a ele. Sem centro somos como um rasto de espuma à superfície do mar, como diz Shakespeare em "A Tempestade". Foi assim que viveu Bénard da Costa; sempre fiel a esse centro que foram as suas paixões, as suas crenças e convicções. Nunca se deixou arrastar por modas e modismos de circunstância, nem por aquilo que é modernaço, só porque caiu no agrado dos dita-costumes do momento. A sua capacidade de sedução advinha de um tremendo poder encantatório, numa prática que Georges Steiner chamava "convidar para o significado", ou seja, o convite permanente para tudo aquilo que está para lá do óbvio e do evidente. Nesse sentido, ele foi um Mestre e um Educador (mesmo assim, com maiúsculas e com todas as letras, sem vergonha nenhuma), alguém que viu muitas coisas, antes de muita gente e que, na sua imensa generosidade, sentia o dever de comunicar, de partilhar com todos aquilo mesmo que via e compreendia. Tive a honra de o conhecer e de trabalhar com ele durante 22 anos, dando o meu modesto contributo para a Cinemateca que ele projectou para um elevado prestígio nacional e para a instituição de referência que hoje é, no panorama nacional e internacional. Marcou-me indelevelmente como pensador e como homem. Nada será como foi (nunca nada é como foi) mas a sua obra continua e, tal como é dito no obituário emitido pela Cinemateca:

"A Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema e os seus funcionários orgulham-se do seu legado e zelarão pela sua memória"

Arnaldo Mesquita

quinta-feira, 21 de maio de 2009

AMIGOS

Assim somos, perto uns dos outros, resistindo melhor às investidas dos coices da vida. Assim somos, irmãos em armas ou em culto, amparados pela crença de não acreditar em tudo o que parece evidente. Assim nos encontramos, menos vezes do que desejaríamos, para celebrar a vida connosco lá dentro. Acendemos a fogueira e tocamos os tambores antes de dançarmos entregues ao ritmo e ao espírito da comunhão. Acendemos o cachimbo milagroso e espantamos para longe os demónios do medo e da incerteza. Somos nós aqui desde o bibe até ao uniforme e à gravata, das canelas raspadas aos novos seres que se acolhem no nosso braço e que crescem até nos abraçar a nós num abraço mais forte. Somos nós, companheiros de estrada, cúmplices de caminhada que se entreolharam e se entre ajudaram numa forma superior de se entreamar.
Assim somos, aqui fomos os restos de uma consciência sem nenhum desejo a não ser o de viver procurando os poucos recantos de paz e tranquilidade escondidos neste campo de batalha sem sentido. Assim somos, mais parecidos com coisa diferente, não pertencente a este mundo. Coisa alheia que nunca nos esquecemos de ser. AMIGOS

CARRO ELÉCTRICO




Fotos de Sofia P. Coelho

Ornamenta #036


quinta-feira, 14 de maio de 2009

RECANTOS



Fotos de Sofia P. Coelho

Recantos. Espaços escondidos, passos perdidos de caminhadas sem nome. Sussurram-se gemidos na esquina anónima de um bairro que respira no escuro. Trinados de guitarras que se perdem na noite acompanhadas de vozes roucas e sentidas, palavras sofridas que desaparecem nos céus.
Recantos. Restos de segredos, traições e degredos, amores e putedos empurrados pela paixão, tropeçados em desejo.
Descansos merecidos, breves sonhos adormecidos na pausa dos dias sem sentido.
Recantos. Santuários silenciosos de vida marginal, conforto final da intimidade anónima de uma cidade que vive para sempre…

ARTUR

Ornamenta #031

terça-feira, 12 de maio de 2009

Cubic #03


LIFE'S A LAUGH AND DEATH'S A JOKE



Se fôsse vivo, o meu amigo Zé Murteira fazia hoje 47 anos. Foi o primeiro grande amigo que perdi para um choque frontal na EN 125 a caminho de Portimão. Tinha 29 anos. A melhor maneira de homenagear os que partem antes de nós é escarnecer da própria morte, contando anedotas e não levando muito a sério o paradigma da existência. Porquê? Porque ele também nunca nos levou a sério e faz das nossas vidas piadas de mau gosto. Zé: Grande abraço. A gente um dia vê-se.
ARTUR

sábado, 9 de maio de 2009

IKIRU (VIVER)




Akira Kurosawa

Japão, 1952

Não vou entrar em discussões estéreis sobre se estamos perante a obra-prima do grande Mestre Samurai, nem tentar perceber porque é que um especialista em filmes sobre samurais e a época feudal do Japão se deslocou para a contemporaneidade e o “cinzentismo” de um país burocrático a emergir das cinzas da derrota da Segunda Guerra Mundial. Basta perceber que a esmagadora maioria dos seus filmes se consegue inscrever sem dificuldade nenhuma na categoria da Escrita Universal para afastar noções de Tempo e de Espaço e erguer o bloco da Humanidade em tudo (e para tudo) aquilo que fez.
Dado o seu carácter intimista e existencial, IKIRU é considerado um dos filmes mais admirados da obra de Kurosawa, quer pela originalidade formal, quer pela simplicidade narrativa. De facto, ao acompanhar o trajecto de um funcionário público que de repente se vê confrontado com o diagnóstico de uma doença terminal, o que se tenta é responder a uma das mais antigas questões que assolam a Humanidade pensante: Qual é afinal o significado da vida? Questão mil vezes colocada e outras mil deixada por responder. No filme a questão que mais nos assalta é: Se soubesses que a tua vida iria terminar amanhã ou daqui a uma semana, o que é que mudarias?
Kanji Watanabi (Takashi Shimura) é um burocrata municipal que um dia se apercebe que tem um cancro no estômago e apenas mais alguns meses de vida. A situação provoca nele uma sensação de despertar, contrariando trinta anos de escritório, papéis e carimbos. Uma existência repetitiva, sem cor nem brilho nenhum. Uma opção que lhe garantiu protecção e sobrevivência mas que em troca lhe cobrou a própria vida.
Apostado em recuperar o tempo perdido, Kanji decide faltar ao trabalho e gastar as suas economias em bares e clubes nocturnos. A ausência de relacionamento com o filho egoísta ganha alguma compensação ao encontrar uma sua antiga subordinada, Toyo (Miki Odagini) que havia deixado a sua agência por se sentir num beco sem saída. Agora dedicava-se a fabricar bonecas numa fábrica de brinquedos. Estava feliz porque sentia que o seu trabalho seria motivo de alegria para muitas crianças. Kenji pede-lhe que o ensine a viver. Quando lhe relata a sua situação clínica, ela fica aterrorizada e foge. Pelo caminho deixa-lhe um recado: “ Constrói alguma coisa”.
Kenji regressa ao trabalho determinado em deixar alguma marca da sua passagem pela terra. Lembra-se então de construir um parque infantil onde sucessivas gerações de crianças se poderão divertir. A partir daí alcança a serenidade perdida. Já na fase final da doença, com o parque quase terminado, Kenji senta-se num baloiço do parque. Apesar da queda dos flocos de neve o seu rosto está pacificamente em paz.
Ao ser avisado para a morte, Kenji decidiu procurar a vida, inventá-la, dar-lhe significado. Ao se aproximar do fim conseguiu finalmente a serenidade que lhe faltava.
IKIRU, apesar de ir já com mais de meio século de existência, continua presente e comovente. Dar um sentido à vida é uma tarefa muito mais árdua do que à partida poderemos imaginar. Perante a finitude da nossa existência, o significado só faz sentido se fizermos algo que os outros possam transportar depois de partirmos. Algo para eles.
Fantástica a cena final do parque à noite, em que, estando tudo tranquilo, há um baloiço que se move sozinho. Confortado com o facto de ter dado algum sentido à sua existência, Kenji, voltou uma última vez para dizer adeus à sua obra.

Artur Guilherme Carvalho

Ornamenta #028


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ornamenta #026

TELHADOS




Fotos de Sofia P. Coelho

Os sonhos que pareciam ter força para subir ao céu ficaram suspensos a pairar sobre os telhados da minha cidade. Não atingiram o fim da longa viagem mas sentaram-se sobre as telhas na preguiça de quem observa de cima, a vida a correr lá em baixo nas ruas. Cumprimentam o voo dos pardais ou a sesta felina de gatos pachorrentos.
Sobre os telhados aprendi a escutar o sussurro segredado das gotas da chuva e a ler as serpentinas transparentes que o calor desenha nas tardes de Verão.
Ao amanhecer, com vista privilegiada sobre as artérias e o passo dos transeuntes, um copo esquecido na mão e um corpo de mulher abraçado na intimidade de uma noite louca de amor dizem-me que sou Rei por uns instantes e que a vida me pertence.
A espreitar um céu azul onde podia ter chegado, a cidade respira aos meus pés como dádiva de felicidade. O céu pode esperar… A cidade cabe no meu horizonte.

ARTUR