terça-feira, 14 de julho de 2009

O CINEMA ENQUANTO ELEMENTO CULTURAL

(NAZARÉ, PRAIA DE PESCADORES)
Os anos 20 corriam sem que o cinema fosse considerado sequer um factor cultural. No entanto os indícios de uma cultura cinematográfica começavam a fazer-se sentir em várias frentes. Roberto Nobre, pintor e homem de cultura, rodava no Algarve um ensaio de cinefilia, CHARLOTIM E CLARINHA (1925); António Ferro publica em 1917 a sua conferência “As Grandes Trágicas do Silêncio” evidenciando a importância do cinema enquanto nova forma de expressão artística; Mário Gonçalves Viana escreve em 1921 um notável ensaio intitulado: “Da Sugestão do Animatógrafo, Um Estudo Psicológico, Social e Crítico”; surgem várias publicações de crítica de cinema onde se lançam nomes como Alberto Pereira, Alves Costa, Fernando de Barros, Fernando de Pamplona, etc.
Em 1920, o Diário do Governo publica um projecto sobre cinema patriótico e instrutivo. Falta-lhe a independência criadora que ultrapasse o espectáculo sem regras próprias, regras unicamente concebidas para o êxito fácil e popular.
De uma forma geral, todos os movimentos artísticos do princípio do séc. XX, dos Modernistas aos Futuristas e Surrealistas vêm no cinema a “Síntese Suprema”. Lenine proclama-o a “arte revolucionária”. De uma forma geral, serão os países de regimes políticos totalitários (Alemanha, Itália, Rússia) a dar ao cinema um fôlego até aí inexistente, fruto das suas ambições de propaganda. Em Portugal, esquerda e direita, puros e comprometidos, todos estão de acordo em criar um cinema português. A partir da revolução de 28 de Maio de 1926, criada a ideia de um sistema de integração da juventude e indo ao encontro das teses do Futurismo, o amadurecimento do conceito de consciência cinematográfica ganha forma.
Apercebendo-se das suas múltiplas capacidades e da utilidade da nova arte na propaganda, a ditadura vai não só investir como criar as condições para que uma indústria cinematográfica digna desse nome tenha lugar. A ditadura consegue assim alcançar um objectivo falhado pela democracia liberal – a construção de um cinema português.

Os sinais de um individualismo inglório e inconsequente dão os seus últimos suspiros. Na ilha da Madeira, através da Empresa Cinegráfica Atlântica no Funchal, Luís Vieira produz CALÚNIA (26), FAUNO DAS MONTANHAS (29) e INDIGESTÃO. Nos estúdios da Invicta no Porto, Reinaldo Ferreira roda vários títulos da Repórter X Film. Destes destacamos O TAXI 9297 (27), centrado em torno do assassinato da famosa actriz Maria Alves pelo seu amante e empresário.
Da nova tendência emergente e cada vez mais robusta assinalam-se dois grandes momentos de cinema. NAZARÉ, PRAIA DE PESCADORES de Leitão de Barros (27) ( com assistência de António Lopes Ribeiro e fotografia de Artur Costa de Macedo) e LISBOA, CRÓNICA ANEDÓTICA (29) de Leitão de Barros.

Ao aproximar-se o fim da década de 20, o cinema ganhava espaço para mais uma nova polémica. O advento do sonoro iria colocar um pouco por todo o mundo duas facções que se iriam digladiar durante algum tempo.

ARTUR

segunda-feira, 13 de julho de 2009

REFLECTINDO

Há já alguns dias que esta informação circula na internet. Não deixa de ser objecto de reflexão e análise.
PANDEMIA DE LUCRO
Que interesses económicos se movem por detrás da gripe porcina???
No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vitimas da Malária que sepodia prevenir com um simples mosquiteiro.
No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarreia que se poderiaevitar com um simples soro que custa 25 centimos.
Sarampo, pneumonia e enfermidades curáveis com vacinas baratas, provocam amorte de 10 milhões de pessoas a cada ano.
Os noticiários disto não falam mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves...os noticiários mundiais inundaram-se de noticias...
Uma epidemia, a mais perigosa de todas...Uma Pandemia!
Só se falava da terrífica enfermidade das aves.
Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10anos...25 mortos por ano.
A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhãocontra 25.
Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripedas aves?
Porque atrás desses frangos havia um "galo", um galo de crista grande: a farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú vendeu milhões de doses aos países asiáticos. Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população.Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro.
Antes com os frangos e agora com os porcos.Sim, agora começou a psicose da gripe porcina. E todos os noticiários domundo só falam disso...
-Já não se fala da crise económica. Só a gripe dos porcos...
A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. Oprincipal accionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro, Donald Rumsfeld, secretario da defesa de George Bush.
Os accionistas das farmacêuticas Roche e Relenza estão muito felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso Tamiflú.
A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde.
Não nego as necessárias medidas de precaução que estão a ser tomadas um pouco por todo o mundo. Mas se a gripe dos porcos é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios de comunicação e se a Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta doença, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza ofabrico de medicamentos genéricos para combatê-la?
Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos gratuitos a todos os países, ou aos mais pobres, seria a a melhor solução.Que interesses económicos se movem por detrás da gripe porcina???
No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vitimas da Malária que sepodia prevenir com um simples mosquiteiro.
No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarreia que se poderiaevitar com um simples soro que custa 25 centimos.
Sarampo, pneumonia e enfermidades curáveis com vacinas baratas, provocam amorte de 10 milhões de pessoas a cada ano.
Os noticiários disto não falam mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves...os noticiários mundiais inundaram-se de noticias...
Uma epidemia, a mais perigosa de todas...Uma Pandemia!
Só se falava da terrífica enfermidade das aves.
Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10anos...25 mortos por ano.
A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhãocontra 25.
Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripedas aves?
Porque atrás desses frangos havia um "galo", um galo de crista grande: a farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú vendeu milhões de doses aos países asiáticos. Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população.Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro.
Antes com os frangos e agora com os porcos.Sim, agora começou a psicose da gripe porcina. E todos os noticiários domundo só falam disso...
-Já não se fala da crise económica. Só a gripe dos porcos...
A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. Oprincipal accionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro, Donald Rumsfeld, secretario da defesa de George Bush.
Os accionistas das farmacêuticas Roche e Relenza estão muito felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso Tamiflú.
A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde.
Não nego as necessárias medidas de precaução que estão a ser tomadas um pouco por todo o mundo. Mas se a gripe dos porcos é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios de comunicação e se a Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta doença, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza ofabrico de medicamentos genéricos para combatê-la?
Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos gratuitos a todos os países, ou aos mais pobres, seria a a melhor solução.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

FADO

À volta do adro
duas ou três casas
uns bancos vermelhos
ao meio uma cruz
ali um café
ao lado da igreja
uns homens parados
e uma linda luz
Sim estou convencido
qu'isto é mesmo assim
que nunca se conta
bem o que se vê
e levo comigo
já sem aprender
o que os olhos vêem
e eu já não sei
Com a voz que me resta
eu não vou poder cantar
as coisas do mundo
não sei descrever
estou longe
são portas fechadas
segredos por revelar
são coisas do mundo
só se podem ver
ao longe

AMÁLIA RODRIGUES, HERÓIS DO MAR, RESISTÊNCIA

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A VIOLÊNCIA NA OBRA DE KUBRICK II

A BRUTALIDADE E O VAZIO 

O que é que mais nos incomoda em LARANJA MECÂNICA? Serão as cenas de violência propriamente ditas, será a súbita inversão de papéis de Alex ( de carrasco a vítima impotente), ou muito simplesmente a ausência total de razão, motivo e justificação para a histérica exploração da brutalidade? A estreia do filme provocou acesa polémica por todo o mundo. Da provocação ao ultraje, passando pela censura e pela admiração incondicional, ninguém lhe conseguiu ficar indiferente. Sobre este filme Kubrick comentou: “ Os altos padrões de moralidade só podem ser alcançados pelo exemplo de pessoas bem pensantes e bem intencionadas, e nunca pelo efeito coercivo das leis. Uma das críticas ouvidas centrava-se no facto de Alex e dos seus companheiros atingirem uma certa felicidade através da dor causada sobre as suas vítimas. Se um herói de “western” matasse todos os seus inimigos na cena final, ninguém se escandalizaria. É preciso vender o doce, não para convencer as pessoas que o doce é de boa qualidade, mas para as libertar da culpa de o comer… No filme de Kubrick as coisas passam-se de um modo diferente, na medida em que nos sentimos culpados, quase cúmplices do bando de Alex. A improbabilidade do universo violento de LARANJA MECÂNCA é uma linha tão frágil como frágil é a barreira que nos separa da loucura. E foi essa breve viagem à possibilidade do nosso inconsciente que incomodou tanta gente.” A sociedade de Alex é uma sociedade massificada, despersonalizada, suburbana, sem brilho nem individualidade. Como ficção futurista trata-se da antevisão de um mundo onde já estamos a viver. Kubrick limita-se a revelar as consequências possíveis desse mundo na sua fase mais extrema. Um mundo que se defende com soluções peregrinas como a da lavagem ao cérebro. Sem admitir o erro nem a prisão que os homens foram construindo, prendendo-se a si próprios. Extirpando o seu próprio mal na convicção de extirpar o mal exterior. Dando um lugar à violência feito de banalidades inevitáveis e de indiferença. Numa palavra, o esmagamento civilizacional, esmagando o próprio indivíduo, desenvolvendo as suas piores capacidades destrutivas. Um paradoxo sem saída que justifica o próprio distanciamento de Kubrick. Distanciamento de impotência para mudar, ou sequer explicar o fenómeno na sua plenitude. Por isso Alex, Barry Lindon e Jack Torrence (SHINING) não são integralmente culpados nas parábolas dos seus mundos, das suas civilizações. CONCLUINDO 

A obra de Kubrick está longe de se apresentar como ilustração de uma tese. Ela aparece na sua diversidade e complexidade como uma criação visionária e pessimista de rara intensidade poética, épica e existencial. Nada do que é objecto do temor na natureza humana lhe é estranho: a ordem, a tecnologia, o Estado, a ambição, a intuição e o amor encontram uma raiz comum na mesma função destrutiva. Da fuga assassina dos soldados em FEAR AND DESIRE à loucura homicida de SHINING, passando pela violência ambígua de FULL METAL JACKET, o indivíduo carrega sobre si o peso da cruz que várias civilizações ajudaram a criar. Sobre si próprio é duplamente crucificado: pela ordem e pelo exemplo. Stanley Kubrick, inventor de formas, artesão de imagens, coreógrafo do espaço e dos nossos medos mais enterrados trazidos à luz do dia, teve a particularidade de fazer mover o eixo do “épico” no cinema. Através do terror e do esplendor alcançou uma nova fase na representação dos nossos erros e ambições. Sem nada ensinar, não nos deixou fechar completamente o olhar… 

 ARTUR

A VIOLÊNCIA NA OBRA DE KUBRICK

Na obra de Stanley Kubrick, a violência é um dos seus elementos principais. De uma forma mais ou menos evidente, poderíamos dizer que todos os seus filmes encontram no fenómeno violento o pretexto, a razão e o desenrolar dos seus códigos expressivos. Como se para falar da espécie humana fosse impossível ignorar a sua dimensão animalesca omnipresente, escamoteada ou evidente no transcrever das emoções e dos comportamentos. Desde o início que se percebe, ou antevê na obra deste cineasta uma força criadora gigantesca, requintadamente elaborada e surpreendente. O universo cerrado dos argumentos e a luz quase expressionista das primeiras longas-metragens apresentam um jovem herdeiro da tradição do “filme negro”, continuador de Fritz Lang ou Samuel Fuller. Ao longo do tempo nunca faltarão exemplos marcados por uma violência expressionista um pouco barroca, de uma certa teatralidade da morte. Veja-se o exemplo do assassínio de Quilty (Peter Sellers) em LOLITA, e os crimes de LARANJA MECÂNICA, onde esta teatralidade da morte se manifesta influenciada por uma certa expressão hebraica da Europa Central que acabou por marcar o cinema americano dos anos 30. GUERRA Sendo o exemplo mais acabado da estupidez humana, a guerra foi utilizada por todas as formas de arte permitindo-lhes alguns dos melhores momentos de expressão e identificação de muitos dos lados sombrios e escondidos no nosso subconsciente. Na obra de Kubrick a guerra ocupa um papel importante que se divide por alguns dos seus melhores momentos cinematográficos. Vamos encontrar o primeiro exemplo no ano de 1953 em FEAR AND DESIRE, episódio a um tempo sangrento e lúdico de uma guerra imaginária. Segue-se PATHS OF GLORY (1957), um dos mais surpreendentes, mais completos e mais brilhantes manifestos anti-guerra alguma vez conseguidos em cinema. A guerra volta a ser o tema escolhido no seu penúltimo trabalho em FULL METAL JACKET (1987), uma versão muito particular do conflito mais cinéfilo de que há memória, o do Vietname. Um filme muito estranho e ambíguo, ainda hoje difícil de entender. São três situações onde a guerra em sentido estrito ocupa toda a narrativa. Noutros casos continuaremos a encontrar a guerra, quer sob a forma de ausência, quer através da sátira (DR. STRANGELOVE, 1963), ou em breve passagem (BARRY LINDON, 1975). PATHS OF GLORY move-se no cenário das trincheiras da I Guerra Mundial, espaço de algumas das mais famosas manifestações de deserção num teatro de guerra, e amplia o absurdo imediato na leitura da situação, um absurdo ainda maior acerca do destino de três soldados do exército francês. Após a tentativa fracassada de alcançar um objectivo nas linhas alemãs, um general tem a brilhante ideia de tirar três nomes à sorte para serem fuzilados, servindo esse gesto de incentivo à melhoria da prestação dos seus camaradas. Absurdo é a palavra que acompanha o filme desde o início até à sua conclusão. Três homens são mortos, não pelo inimigo, mas por ordem e vontade do homem que os comanda. Ausência de qualquer tipo de racionalidade e a permanente proposta de ultraje desconcertante sobre o espectador combinam o distanciamento que Kubrick começa a ensaiar para mais tarde chegar a FULL METAL JACKET. Neste caso o cineasta desafia o espectador a experimentar certas variedades de desconforto, como se sentisse uma enorme incapacidade de transmitir o sentir absoluto do espírito de uma guerra. Como se a linguagem cinematográfica só por si fosse insuficiente, Kubrick subverte as regras do filme típico sobre a guerra. Afasta-se. Exibe os homens enquanto seres arrancados a si próprios e transformados em máquinas durante a recruta durante toda a primeira parte do filme. Imita o papel do sargento instrutor enquanto anula lentamente todos os requisitos civilizacionais. Qualquer discurso convencional, qualquer argumentação racional, qualquer noção de bom senso fica feita em tiras na presença dos episódios traumatizantes que compõem uma guerra. Kubrick age com uma regular ausência de piedade, situação crescente ao longo da sua obra. Em PATHS OF GLORY constrói uma esperança para os três homens condenados ao pelotão de fuzilamento. Uma esperança que nunca chega a concretizar-se. Em BARRY LINDON a racionalidade brilhante do séc. XVIII é despojada das suas roupagens civilizacionais com a marcha dos soldados de infantaria para a barreira de fogo do inimigo. Comandante e subordinados perdem a ligação entre si nestes filmes. O inimigo convencional é um ser ausente, sem rosto, que se vai subvertendo aos poucos no interior de cada homem. O Homem é o seu próprio carrasco. A possibilidade tranquilizante de contacto humano é sistematicamente apagada. A espécie assiste ao desfile da sua própria estupidez, incapaz de a conseguir travar ou sequer menorizar os seus efeitos mais terríveis. Mesmo em pleno séc. XX a estupidez continua, apenas muda o nome para se passar a chamar “guerra-fria”. É o que acontece em DR. STRANGE LOVE, onde uma equipa de generais e políticos, os “guerreiros frios”, decide o destino da Humanidade e do planeta em termos nucleares, longe dos teatros de operações. Tal como as pessoas se encontravam longe de decidir o que quer que fosse na bebedeira dos mísseis entre russos e americanos. É caso para perguntar se Kubrick tinha alguma simpatia pela Humanidade. A resposta foi dada em 1972 para a revista Newsweek: “ Acima de tudo, o homem é o assassino mais ausente de remorso que jamais percorreu a terra. A atracção que a violência exerce em nós revela em parte, que no nosso subconsciente somos muito semelhantes aos nossos antepassados primitivos.”

 BANDA SONORA 

Continuando a desenvolver a ideia do distanciamento e ausência de piedade do cineasta em relação aos seus personagens, teria todo o interesse uma breve avaliação da utilização que Kubrick faz do elemento sonoro no contexto da linguagem cinematográfica. Aos poucos a música vai-se afastando da sua função redutora de acompanhamento ou decoração das cenas para se transformar em elemento dissonante, afectivo ou mental. Dois exemplos: O “Danúbio Azul” em 2001, A SPACE ODISSEY, e a Nona Sinfonia de Beethoven em LARANJA MECÂNICA. Em FULL METAL JACKET Kubrick utiliza o elemento sonoro para ampliar a força das imagens embora nunca através da compatibilidade ou harmonia entre eles. As músicas são desadequadas, ou porque se afastam do espaço do universo musical do tempo, ou porque, mesmo tendo a ver com o Vietname surgem em confronto com o espírito ou significação das imagens que acompanham. Com Kubrick, cabe ao espectador destrinçar a dissonância entre “áudio” e imagem. A banda sonora é utilizada por Kubrick como uma “tendência de avaliação”, um pulsar que se adivinha, ao invés de um acessório que acompanha ou simplesmente decora.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

FELLINI


A mais importante lição que a obra de Fellini nos ensina é a de que é possível amar a Humanidade sem ter nela grande fé, sem que necessariamente lhe seja passado um cheque em branco por parte da capacidade de crença de um autor. Criador decisivo para a História e Teoria do Cinema da segunda metade do século passado, Fellini esteve sempre lá, criando momentos fulcrais do seu tempo, contribuindo com o seu empenho e originalidade para a evolução, a inovação e o efeito surpresa dos contadores de imagens.
Começando como co-autor do argumento de ROMA, CIDADE ABERTA de Rossellini, Fellini partiu à descoberta do mundo e de si próprio, exorcizando fantasmas, esvaziando dogmas, exibindo o grande absurdo da condição humana, chorando e rindo com o rosto de criança que tanto grita que “o rei vai nu” como se torna arquitecto da fantasia e do fascínio de que tanto necessitamos para continuar a viver. Para a posteridade e para os teóricos do fenómeno fílmico ficam dois momentos altos de cinema chamados LA STRADA (1954) e OITO E MEIO (1963). Tanto num como noutro a sua obsessão libertária de criação “choveu” sobre o cinema europeu, abrindo polémicas e, principalmente, novos caminhos, novas portas para que os que viessem a seguir poderem aproveitar e desenvolver. No já citado ROMA CIDADE ABERTA, o inicialmente previsto documentário sobre o fuzilamento do padre D. Morosini pelos fascistas, acabou por dar lugar à ficção, convertendo-se num dos melhores exemplos da escola neo-realista italiana. Mas rapidamente o neo-realismo se torna pequeno e apertado demais para o seu génio criativo e, se bem que ao colaborar em MILAGRE DE MILÃO de Vittorio de Sica, Fellini ensaiasse já a sua libertação dos cânones da ortodoxia vigente (a parábola dos pobres que alcançam a liberdade apenas depois de morrer, ascendendo ao céu), é em LA STRADA que tudo se torna mais nítido.
A ruptura desenvolvida neste colosso é apenas um verdadeiro ensaio dialéctico sobre a ligação, a oposição e a indiferença entre Neo-Realismo e Surrealismo. Ou entre uma forma maniqueísta de ver a vida e as relações humanas e a descoberta da condição do absurdo que regula as nossas vidas. Para trás ficavam LUCI DEL VARIETÁ (de parceria com Lattuada em 50), O XEQUE BRANCO (52) e OS INÚTEIS (53).
Em 1963 surge OITO E MEIO e com ele a abertura para uma nova etapa formal de fazer cinema. A visão onírica e excessiva que Fellini tinha do mundo e o tornava num enorme circo ganhava continuidade depois de LA DOLCE VITTA (60). A partir de OITO E MEIO, outros cineastas pegariam na “deixa” para inaugurar um dos mais férteis períodos criativos do cinema europeu. Estava inaugurada a formalidade caótica de fazer imagens com sentido.

Foi retratista de costumes, da consciência e dos sentimentos que vão apodrecendo numa sociedade satisfeita com a sua própria decadência. Foi destruidor de mitos até aí adormecidos no nosso inconsciente. Foi um apóstolo da redenção ao descobrir no sofrimento mais patético e na decadência mais inapelável o segredo de uma esperança, uma réstia de vontade por desenvolver. Foi a criança que imagina e constrói a fantasia não só enquanto forma de libertação mas também como capacidade adormecida de sonho que existe em todos nó, devolvendo-nos essa liberdade de escolher entre o melhor e o pior das nossas acções. Daí o Circo e a sua presença referencial em vários filmes a que acaba por dedicar um inteiro, I CLOWNS (70).
Amou as mulheres como ninguém, enquanto elemento imprescindível na vida dos homens e amou uma das mais belas cidades do mundo que transformou em mãe adoptiva. Desta alquimia emocional surgiram ROMA DE FELLINI (72) e A CIDADE DAS MULHERES (80).
Consagrado e premiado internacionalmente, Fellini fez da sua obra a construção de um mundo que, sendo muito pessoal, se acabou por revelar pertencer a toda a gente. Um mundo comprometido com a sua própria consciência, a sua própria experiência. Um caleidoscópio de cenários, seres e imagens conjugados num bailado ritual, decadente, surrealista, hilariante, dramático e existencial que, celebrando a vida acaba por dar identidade à nossa consciência.
O exemplo e o legado da obra de Fellini passam pela paixão pela seriedade da criação, pela identidade e afirmação do cinema europeu e, acima de tudo, por um amor enorme pela Humanidade cada vez mais vítima de si própria, da sua ganância, estupidez e incapacidade de perceber que a vida não é mais que um contrato a prazo, extensivo a todos os seres vivos, submetido à lei do absurdo. Uma lei sem sentido que embora não se podendo destruir é possível contrariar através do nosso comportamento solidário, humanista e racional para com o nosso semelhante e para com o planeta em que vivemos. Ver os filmes do Fellini é estar mais próximos do nosso melhor lado.

ARTUR

domingo, 5 de julho de 2009

O REGRESSO DA MEMÓRIA PERMANENTE

Às tuas coxas regressa o viajante perdido, o ser errante que palmilhou todos os caminhos do mundo em busca do lugar donde partiu.
Regresso ao teu Ser como inquilino na tua casa que encontra com facilidade os caminhos para cada quarto, embora nunca entendendo os planos de construção.
Atravesso o pátio do teu castelo encantado de gemidos soltos de loucura e amor e uno as distâncias entre as torres na tentativa de completar o desenho total. Abro o portão, desço a ponte levadiça sobre o fosso, nado na cisterna, certifico-me que as pedras não caem das ameias, limpo o caminho da entrada, rego as plantas. Num frenesim rotinado de porteiro e zelador do monumento conduzo os turistas em apoteoses históricas de lendas e canções de embalar a curiosidade das férias. Tretas românticas, valores sublimados, achegas de última hora após uma breve avaliação da audiência. O que é preciso é pô-los a sonhar, a babarem-se de imaginação com as personagens que já não existem (se é que alguma vez existiram), e sentirem-se preenchidos quando chegarem a casa. Paixões contrariadas regadas de heroísmos abnegados, tragédias colossais, desperdícios de vidas inteiras em nome de uma ou duas palavras, daquelas com que nos drogam desde que o mundo é mundo. Deixo-os sonhar porque lhes faz bem.
Aponto o Sol e as estrelas e sigo por montes e vales sem reconhecer as linhas de água ( gostava de perceber porque é que escrevi esta frase). Evito os estreitos traiçoeiros e abrigo-me das tempestades nas enseadas, à espera que passe. Volto ao caminho e continuo mas sabendo sempre que não sou daqui, que não pertenço a este lugar nem àquele. Pertenço a mim no vazio solitário do vagabundo errante cuja memória mais forte é o buraco onde a caminhada começou.
Às tuas coxas regressa o viajante perdido, o ser errante que palmilhou todos os caminhos do mundo em busca do lugar de onde saiu. O sítio onde tudo começou. A terra da puta que o pariu…
ARTUR

quarta-feira, 1 de julho de 2009

OS LOBOS


OS LOBOS
Rino Lupo
Portugal, 1923

Importante a vários níveis, o filme OS LOBOS de Rino Lupo, marca o início da última fase do cinema mudo em Portugal. Baseado na peça de Francisco Lage e Correia de Oliveira, este projecto consiste acima de tudo numa transcrição fiel de paisagens e pessoas, quebrando com a tradição imperante de fazer cinema até então. De facto, atraídos por fórmulas de sucesso garantido, os realizadores limitavam-se a imitar modelos vindos do exterior, a copiar fórmulas previamente estabelecidas noutras cinematografias. Considerado um dos trabalhos de ficção mais empolgantes e autênticos da época, o filme decorre na Serra da Estrela, numa aldeia dominada pela tradição patriarcal. Enquanto que as mulheres se ocupam da lida da casa e da recolha da lenha, os homens encarregam-se dos rebanhos e do abate de árvores para fabrico de carvão. A chegada de um homem de fora vem no entanto desequilibrar este sólido e aparentemente eterno equilíbrio. Após cumprir pena por crime passional, este marítimo traz consigo o vento da perturbação e da incerteza. A novidade, as suas cantigas e a perturbação causada nos corações femininos juntam-se numa combinação explosiva pronta a rebentar. “Lobos do mar não devem subir à serra” – diz Gardunha, um dos aldeões.
A tensão é extremamente bem conduzida, enquadrada na rudeza e imponência da paisagem montanhosa. O conflito de sentimentos e valores aliado a um espírito de violência animalesca dão ao filme uma profundidade e uma eficácia única no cinema até então produzido.
Lupo haveria de realizar ainda FÁTIMA MILAGROSA (28) e JOSÉ DO TELHADO (29). Se é certo que um cineasta sozinho não resolve um problema colectivo, não é menos verdade que o trabalho de Rino Lupo abriu uma direcção, um rumo para o cinema português consolidar a sua identidade.
ARTUR