quarta-feira, 9 de novembro de 2016

ESCOLHAS ERRADAS/ RAZÕES CERTAS




Estupefacção, surpresa, admiração, espanto, desorientação em geral. Este tem sido um ano de mudanças vertiginosas, umas atrás das outras, um ano em que nada acontece como era suposto acontecer. Primeiro o Brexit e a saída do Reino Unido da União Europeia e agora a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos. Digamos que, de um modo geral, foram feitas as escolhas erradas pelas razões certas. Não que estas referidas mudanças venham a mudar grande coisa no panorama habitual da vida de cada um. O que é novidade é que, a pouco e pouco as populações vão dando corpo a uma enorme frustração e, ao mesmo tempo, a transmitir uma crescente repulsa pelo modo como as coisas funcionam, um aviso sério a um sistema político e económico que está esgotado e que vai perdendo de dia para dia a sua credibilidade. Pessoalmente não acredito que Donald Trump venha mudar seja o que for. Será obrigado a ler e a seguir a pauta que lhe será apresentada como todos os outros antes dele. Se se desviar será afastado…de uma maneira ou de outra. O que não anula a intenção de milhões de pessoas de ter votado muito mais contra um estado de coisas do que propriamente na mensagem e nas ideias de um candidato.
De forma consciente ou não, a maioria das pessoas orientou as suas escolhas tendo em conta as consequências de uma forma de fazer política que dura há décadas e que veio gradualmente a asfixiar as suas vidas, a matar as suas esperanças, a enterrar os seus sonhos. Um mundo onde a política se submeteu à economia que por sua vez sucumbiu aos ditames do poder financeiro, sem rosto, silencioso mas tremendamente actuante e eficaz. Uma política de permanente invenção de um inimigo novo a cada dez anos, de grupos terroristas que  nascem do dia para a noite, de atentados que eliminam homens comuns a caminho do trabalho, a assistir a um espectáculo ou que simplesmente se sentam numa esplanada a beber um café. Atentados que nunca deixam de acontecer e cuja única reacção é reduzir os direitos de liberdade e circulação em nome do reforço da segurança. Uma obsessão cantada a toda a hora de crescimento económico onde as grandes corporações são os únicos beneficiados. Um mundo onde a evolução da tecnologia em vez de aliviar a pressão do trabalho apenas amplia o desequilíbrio da sociedade e a escravatura ao crédito por mais que se venda a ideia de liberdade individual através de todo o tipo de maquinetas.
Basicamente, vendendo até ao enjoo o conceito do mercado livre, do egocentrismo tecnológico, dos direitos das minorias, do “politicamente correcto”, aquilo que realmente se promove é a transferência de riqueza do indivíduo para as grandes corporações, a dependência económica dos bancos para conseguir seja o que for para viver, a desagregação de todas as dimensões comunitárias de solidariedade e coexistência pacífica, o enfraquecimento da identidade colectiva. Numa palavra, a cobro de uma sociedade mais justa e mais livre aquilo que temos é um asilo de alienados, uma multidão de miseráveis que se vão odiando mutuamente num espaço cada vez mais controlado e cada vez menos livre. A liberdade de expressão, a capacidade de discordar, a liberdade de pensamento, tudo isso é diariamente combatido, diminuído, posto a ridículo a um ponto em que qualquer ser livre comece a sentir vergonha e medo de o ser. Estas são as linhas gerais da actuação de um sistema que nos tem governado nas ultimas décadas. De forma consciente ou inconsciente as populações aproveitam o seu ultimo espaço de liberdade (o voto) e começam a passar uma mensagem importante. Já nem toda a gente está disposta a continuar assim, a colaborar com todos os ditames, a acreditar em toda a propaganda, a ser escravizada pacificamente. Donald Trump não será a resposta nem o agente que virá liderar a mudança. Será mais um clone de um política impiedosa, gananciosa, sem rosto, exterminadora da raça humana. No entanto o que importa é este sinal em que as pessoas ignoraram a propaganda e votaram contra. Terão sido as escolhas erradas embora pelas razões certas. E essas têm que ver com a Humanidade e a sua vontade de viver livre e em paz. De não odiar só porque lhe dizem para o fazer. De aceitar o outro e a diferença como uma parte do seu enriquecimento em vez de medo pela sua extinção. Será um começo indefinido e tímido mas é seguramente o arranque para qualquer coisa, um movimento numa nova direcção. O que sabemos é que este sistema começa a ter os dias contados, esgotou os seus recursos e aproxima-se do fim. O que virá depois é uma incógnita. O que é importante é as lições que retiraremos com a mudança.
Aguardemos…


Artur 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

UM ANO SILENCIOSO






Tem sido um ano parado aqui por estas bandas. De facto 2016 é um sério candidato ao ano em que menos se produziu desde que este blog existe. Não posso falar pelos outros membros, apenas por mim. E por mim direi que, sem querer explanar nenhum tipo de justificação, no essencial tenho passado o tempo a observar e a tentar compreender aquilo que se vai passando à minha volta. Em primeiro lugar direi que quando não tenho nada que entenda relevante a partilhar me remeto ao silêncio. Estou a ficar velho com todas as vicissitudes que este processo implica, nomeadamente de adaptação e recriação da postura existencial. Faço parte de uma geração que viveu a juventude numa correria do presente sem se preocupar se estaria viva com quarenta ou cinquenta anos. Muitos estavam certos e gastaram as energias em tempo útil. Os outros, os que atingiram esses marcos etários viram-se de repente em terras desconhecidas, rodeados de novos desafios e novas tarefas para as quais não se prepararam minimamente. Por isso tiveram que (se) reinventar. Substituindo a pressa e a sofreguidão pela sabedoria e assertividade vi o pior da minha geração destacar-se no palco da política, dando azo às mais mesquinhas e torpes qualidades do ser humano. “Sinais dos tempos” dirão alguns. Sem dúvida. Devíamos ter feito mais, devíamos ter feito melhor para mudar o estado das coisas, devíamos não ter colaborado tanto com uma série de coisas que sempre entendemos erradas, anacrónicas do ponto de vista humano. Pois devíamos. Quem disse “não”, quem não colaborou, desapareceu. Não vou discutir quem é que estava certo. Restou a música enquanto espaço de criação e solidariedade, um espírito ainda hoje presente. Foi pouco? Não sei.
Por outro lado o mundo avançou a uma velocidade tremenda reinventando praticamente quase todo o nosso quotidiano. A informação circula a uma velocidade vertiginosa a par com a oferta cultural. O eixo de profundidade do consumo de uma obra deslocou-se para um alargamento abrangente do horizonte do conhecimento. As imagens da net sobrepuseram-se à leitura demorada de um romance no que às massas diz respeito. Dantes ouvíamos um disco vezes e vezes sem conta até saber quase de cor todas as músicas nele contidas. Hoje ouvem-se dez minutos, duas faixas de um trabalho e passa-se ao acontecimento seguinte. O conceito de cinefilia teve que voltar a ser escrito a partir do momento em que praticamente todos os filmes se encontram à distância de um clique no youtube.  Os blogs foram perdendo leitores e eficácia à medida que que se instalava o Facebook. O lugar para a reflexão em geral foi-se encolhendo.
As linguagens sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. As cassetes de fita magnética deram lugar aos suportes digitalizados, depois tudo se encontra na net, deixando de lado o instinto de acumular exemplares em casa.
E é nesta vertigem do tempo que nos interrogamos, perdidos em pressupostos que de absolutos passam a relíquias, para que serve escrever, fazer filmes, escrever canções…tentar dominar uma linguagem que depois desaparece.
Não sei. E foi precisamente por ter mais dúvidas que certezas ao longo de toda a minha vida que decidi escrever, desenhar histórias, partilhar entretenimento. Não desisto de o fazer porque não sei fazer mais nada. Refugio-me na convicção que enquanto houver quem escreva histórias, haverá quem as queira ler, ouvir, ver na fala das imagens. Talvez a um ritmo mais lento, menos prioritário, enquanto tento descobrir outros aspectos da vida. Mas continuarei. Aqui por este blog as histórias vão continuar, as crónicas e as imagens também. Porque sim.
Obrigado a todos aqueles que nos visitam e continuam a visitar. Obrigado a todos aqueles que deixam aqui a sua opinião, a sua mensagem. Quando era novo não percebia nada desta vida. Hoje, a caminho de velho, continuo a não perceber. Por isso escrevo e continuarei a escrever o que me vai na alma, a inventar histórias, a desfiar memórias. Para quê? Para não me esquecer que ainda estou vivo.
Um abraço das Partes do Todo.

Artur