segunda-feira, 12 de outubro de 2015

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O ESPÍRITO



SPIRIT OF '45 - Ken Loach 2013

 Desde "The Flickering Flame" (1997), Ken Loach não tinha realizado nenhum documentário, marcando "Spirit of '45" o regresso do cineasta a uma área que me parece essencial para o entendimento cabal da sua obra, sobretudo no que concerne à integração do real nos seus filmes de ficção. Com algumas excepções ("Black Jack", "Land of Freedom" e "The Wind That Shakes The Barley"), os seus filmes inscrevem-se no presente e ancoram as personagens numa realidade representada em toda a sua riqueza social e psicológica.

Com "Spirit of '45", Loach apresenta-se como um historiador ao abraçar a história da Grã-Bretanha dos anos 30 à actualidade tendo, como pivot, os anos do imediato pós-guerra, o período aberto pela vitória dos trabalhistas liderados por Clement Atlee e a derrota eleitoral de Winston Churchill. Lembra-nos quão importante foi esse acontecimento na implementação de uma política cujas consequências transformaram definitivamente uma sociedade fixa nas suas hierarquias e no seu conservadorismo. A crise dos anos 30 não tinha senão agravado o fosso entre ricos e pobres; a mobilização no esforço de guerra e o espírito de resistência ao nazismo subitamente tornaram coeso um povo e fizeram aparecer necessidades de mudança que o governo trabalhista irá operar em numerosos domínios : nacionalizações, política de alojamento inovadora, criação do Serviço Nacional de Saúde, entre outros. Mesmo que não se tenha tratado de uma revolução (veja-se, por exemplo, o modo como Loach retrata a manutenção de anteriores responsáveis das empresas nacionalizadas), novas ideias e novas práticas irromperam e fizeram o seu caminho. A questão do alojamento constitui um exemplo que Ken Loach aprofunda : novo urbanismo, acesso a casas confortáveis para as classes desfavorecidas, etc. Thatcher, eleita em 1979, não tardou a atacar frontalmente e a desmantelar ferozmente um sistema que tinha retirado da pobreza extrema uma parte substancial da população britânica. Aliás, é assombroso constatar os níveis de pobreza, miséria e degradação dessas pessoas, uma realidade que o filme representa sem hesitar, misturando imagens de arquivo, depoimentos de testemunhas da época, economistas, sociólogos, etc. O conjunto constitui um material riquíssimo em informações, imagens particularmente bem escolhidas e montadas. Na forma, o filme pode ser visto como um modelo do cume que pode ser atingido por um documentário histórico : um momento de rara densidade, soberbamente ritmado. Mas o propósito de Ken Loach não se limita ao papel de historiador; a sua reflexão desemboca num apelo às gerações contemporâneas para se reencontrarem com esse espírito, para se oporem a toda a regressão promovida pelos neoliberais de hoje, por exemplo no que concerne à possibilidade de desmantelamento do sistema de saúde. De resto, o cineasta vê em alguns movimentos actuais um signo desse espírito de resistência. Assim, esta conjunção de documentário histórico e do empenhamento político do cineasta resulta numa dinamização do filme, criando um interesse que as entrevistas com as testemunhas de época não fazem senão ampliar., sobretudo porque se parecem muito com personagens de qualquer outro filme de Loach.

Parece-me ser este filme um momento-chave na obra de Ken Loach. Em primeiro lugar porque este regresso ao documentarismo chega depois de um longo período dedicado à ficção e alguns filmes que se aproximam da comédia ("Looking For Eric", "The Angel's Share"). Depois, porque neste filme encontramos preocupações que atravessam a parte restante da sua obra e temas que abordou brilhantemente : a habitação em "Cathy Come Home", a privatização catastrófcia dos caminhos de ferro em "The Navigators", para não citar outros.

Glitch #023


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

S/ título

S/ título

RELATÓRIO DE MASSAMÁ ou À BEIRA DA BANCARROTA





1. Então, foi assim : os pàfes, os pafalhões, os pafalhõezinhos ganharam as eleições. Trinta e oito por cento dos nossos compatriotas resolveram reeleger os lacaios dos credores e dos interesses económicos privados, votando assim contra os interesses do país e o bem comum. Aliás, feitas as contas por um amigo que é também grande amigo do rigor e das contas certas, além de não ser nada piegas, votaram nos pafalhões 23.56 %, entrando em linha de conta e ponderando o nível de abstenção. É certo que a escumalha do pote perdeu a maioria absoluta, mas, de acordo com o excelso cavaco, continuam a poder governar, embora o seu poder destrutivo esteja limitado. Depois de quatro anos de arrogância, do quero posso e mando, de se darem ao luxo de insultarem e ofenderem os portugueses a torto e a direito e dos tiques autoritários sustentados por uma maioria acéfala - uma espécie de rebanho obediente, mergulhado no lodo pútrido da promiscuidade entre os negócios e a política, é vê-los agora mansos e humildes, desesperadamente à procura de quem lhes dê a mão para poderem sobreviver. Depois de ter salvo Portugal e a Grécia, o coelho procura com afinco salvar-se a si próprio e a toda a canzoada que lhe lambe as canelas e que quer manter a todo o custo os cargos, comendas e prebendas que a luminária foi distribuindo. Foram domados: o assalto ao pote, o saque dos recursos nacionais está um pouco mais dificultado. Quem não deve estar muito contente com a situação é o grupo dos parasitas formado pelas seguradoras e financeiras que se aprestavam a saquear os últimos activos do pote; em primeiro lugar, a Segurança Social, o mais apetecível, que parecia estar já comprometida com negociatas obscuras, em segundo lugar, a Saúde e, em terceiro lugar, a Educação, já muito debilitada pela transferência massiva de fundos para os colégios privados (e já todos sabemos a quem pertencem...), em detrimento de investimentos sérios no sector público. O pote, como se vê, ainda teria bastante para saquear, fossem outras as condições.

2. O relvismo-marcoantonismo-cuelhismo revelou-se em todo o seu esplendor nesta campanha eleitoral. Como bem assinalou Pacheco Pereira, viu-se bem onde estava o dinheiro para gastar em festas e foguetório eleitoral (de onde virá ?), um manancial sem fim para pagar a "marketeiros" brasileiros que bem souberam armar um arraial de trafulhices, aldrabices, ocultação e tramóias que resultou na desgraça da noite de 4 de Outubro. Para além disso, os pafalhões usaram e abusaram do aparelho de Estado na campanha eleitoral : uma vergonha. Percebemos agora a utilidade da colonização dos organismos de estado por uma multitude de rapazinhos e rapazinhas sem experiência nem formação, com ordenados e regalias obscenos (ao mesmo tempo que se despediam milhares de pessoas competentes, honestas e com décadas de serviço à causa pública) : a sua experiência de teclar mensagens no telemóvel e de colocar baboseiras no Feicebuk e noutras parvoíces do género (as chamadas "redes sociais") foi aproveitada ao máximo para criar um clima de medo e pavor, ameaças de instabilidade (os mercados,as agências de rating, a comissão europeia, todos à espera que os páfes ganhassem, não continuando a financiar o país, em a aprovar medidas se o casal coelho-portas não fosse reeleito).
Não foram apenas os "marketeiros" brasileiros, nem os bois boys, nem todo o dinheiro lançado na campanha a proporcionarem a continuação do apodrecimento moral, abandalhamento cívico e empobrecimento material do país; o PCP, com a estupidez eterna que caracteriza os herdeiros do estalinismo, também contribuiu para a catástrofe. Aliás, soubemos na semana passada que os pafalhões avisaram os comunistas de que estavam a perder votos para o PS. A partir daí, não houve dia em que o "simpático" Jerónimo de Sousa não atacasse mais os socialistas do que os pàfes. Tal como os Habsburgos, os nossos sovietes não aprenderam nada, nem esqueceram nada.
Não consigo medir a importância assumida pelo caso Sócrates no resultado das eleições, mas intuo que deve ter tido peso. Assim como pesaram certamente as facadas desferidas por todos aqueles que no PS não perdoaram a António Costa ter destronado o Seguro. Um dia se saberá.

3. Está na altura de reformular a conhecida frase de Karl Marx (conhecido para os lados de Massamá como o Carlos Marques), segundo a qual a História se repete sempre; uma vez como tragédia, outra como farsa. A noite de 4 de Outubro demonstrou que, ao contrário do que Marx pensava, com a coligação pafalhona, a História acontece duas vezes como tragédia, embora a farsa esteja sempre presente (basta estar lá o portas).

4. O drama português consiste na vitória da coligação pafalhona ser de natureza anti-democrática, anti-patriótica e anti-cristã: é um escarro na face de Deus. Resulta de uma degenerescência moral, de uma neurose colectiva que nos afecta e que, aliada ao medo atávico, nos transforma num povo cobarde, maninho, agachado e rastejante. Não fomos sempre assim. As sucessivas crises económicas e políticas desgastaram aquilo que ainda havia em nós de grandioso, de aventureiro e desbravador de mundos. As denominadas "elites", podres, corruptas e venais querem que sejemos sejamos assim. O "cadáver adiado que procria" quer que estejemos assim.

5. Já o disse aqui, e repito: o Salazar, o velho manholas é que nos conhecia bem: sabia, com aquela astúcia do feitor e a argúcia manhosa do capataz, que gostamos de ser espezinhados, humilhados, adoramos a trela, a canga, a bota cardada que nos esmaga o pescoço e nos faz afocinhar na lama e na imundície. Votaram no esgoto, nos broncos, em tudo o que é reles e rasca; uma gente em "forma de assim" que torna reles e rasca tudo aquilo em que toca. Estão servidos, colherão o que semearam. Vão-se foder !

Glitch #022