sexta-feira, 2 de novembro de 2007

COMPOSTO DE MUDANÇA

Ainda sou do tempo em que se era anarquista, comunista, marxista-leninista, post-marxista ,adepto da Psicanálise ou do Estruturalismo, da Semiótica, do Pós-Modernismo ou do raio-que-parta, desde que a posição em que nos colocávamos servisse para desqualificar todas as outras, fazendo delas as interpretações mais delirantes. As que já existiam e as que ainda pudessem vir a existir. O delírio, se me é permitido o emprego da expressão, não consistia tanto nos textos que, em teoria, serviam de referência, mas sobretudo nos daqueles que afirmavam ser discípulos ou embaixadores do Mestre do momento. Aliás, a reinvindicação de uma tutela universalmente reconhecida era o primeiro passo para se pertencer a uma das muitas Igrejas que professavam os cultos, reconhecido pelos pares e beatificado em consonância. Assistimos agora ao aparecimento de uma nova seita de fiéis, iniciados num novo culto chamado sugestivamente "estudos culturais", cujo principal credo é, justamente, a sagrada "transculturalidade", e em cujas missas se disserta sobre "hermenêutica do Fado", "fenomenologia da sardinha assada com pimentos" ou "sociopsicologia do Galo de Barcelos", capaz de produzir discursos sobre o último Sporting-Benfica com a seguinte argumentação : " espaço simbólico onde, no contexto da cultura popular, se constrói a noção gramsciana de consenso", e apto a discernir numa eventual falta de eletricidade "toda uma simbologia ritualista de claro/escuro, pela qual se exprime a milenar luta entre a luz e as trevas, signo de uma finisecular fractura entre as noções de Bem e do Mal e da supressão do horizonte de referência". Obviamente, estou a exagerar. Estarei ? Liga-se a televisão e assitimos, mudos de espanto e pavor, ao discurso esotérico dos múltiplos comentadores chamados a opinar sobre tudo e sobre nada, num carnavalesco festival de banalidades proferidas em tom solene de especialistas e detentores da última verdade (no sentido do mais recente lugar-comum), utilizando uma linguagem que, de tão elaborada, se destina a mascarar o vazio das proposições.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito verdade irmao arnaldo. abraço