quinta-feira, 29 de novembro de 2007

CARANDIRU


CARANDIRU

HECTOR BABENCO

BRASIL,2003


S.Paulo, 2 de Outubro de 1992, presídio de Carandiru. Em resposta a um motim prisional, as forças da ordem decidem irromper pelo edifício dentro disparando sobre tudo o que mexesse. O sangue escorre em pequena cascata ao longo de uma escadaria. Um policia grita : “ Vamos brincar aos policias e ladrões...” Balanço final : 111 mortos, todos reclusos. O pior massacre da história penal do Brasil foi o tema escolhido pelo veterano Hector Babenco para o seu ultimo filme, regressado de uma ausência forçada pela luta contra um cancro. Um caminho penoso e incerto onde conheceu o dr. Drauzio Varella e cujo encontro motivou a ideia do filme.
Varella começou a visitar o presídio de Carandiru em 1987, chefiando uma equipa que pretendia estudar o impacto e desenvolvimento da SIDA na população prisional. Fascinado com o ambiente bem como com alguns dos prisioneiros, o dr. Varella decidiu voluntariamente prestar asistência médica no presídio, uma vez por semana ao longo de dez anos. Enquanto tratava o seu doente Babenco, ia-lhe contando as histórias que ouvia na prisão. Daí até à publicação dessas mesmas histórias foi um pequeno passo. Assim, “Estação Carandiru” foi publicado em 1999, vendendo perto de meio milhão de cópias. Na esteira do êxito literário, o filme de Babenco bateu todos os recordes de bilheteira de 2003, arrecadando perto de 10 milhões de Euros de receitas.
Quem estiver familiarizado com a obra deste cineasta poderá ver aqui uma certa continuidade temática, bem como alguma caracterização formal, repetida e desenvolvida . Comecemos por PIXOTE (81), uma viagem alucinante ao mundo dos “meninos de rua”, das instituições correcionais, da droga, crime e prostituição no Rio de Janeiro. Um documento sociológico fabuloso para a época, com a particularidade de o principal protagonista ter sido morto anos depois num tiroteio com a policia. Alguns dos protagonistas de CARANDIRU serão, no dizer do próprio realizador : “ pixotes adultos”. A outro nível, a intimidade criativa do realizador manifesta-se de modo diferente. Enquanto que em PIXOTE se sentia o compromisso solidário para com um estrato marginal e marginalizado, vítima absoluta de circunstâncias sobre as quais nada podia fazer, em CARANDIRU Babenco adopta uma distanciação formal que o leva à simples enunciação/exibição dos factos.
Babenco centra a sua atenção nos reclusos e nas suas histórias, forma alternativa de sobreviver à claustrofobia e à brutalidade quotidiana de uma prisão, enquanto se deixa fascinar pelos seus próprios códigos de conduta. Entre a imaginação e a luta para sobreviver da população prisional, Babenco assimila uma recente tendência estética do cinema brasileiro, inaugurada por Fernando Meirelles em CIDADE DE DEUS. Uma narrativa de não compromisso, distanciada na medida do não-julgamento das condutas. Babenco não critica o comportamento das tropas anti-motim, chegando mesmo a afirmar um paralelo entre policas e reclusos na medida da sua ignorância e pobreza.
A sociedade brasileira é composta de contradições e assimetrias sociais muito acentuadas, onde dois mundos ( minoria priveligiada e maioria esfomeada) vivem completamente fechados e separados. È no encontro entre eles que normalmente a violência explode a níveis verdadeiramente assustadores. A tendência do cinema brasileiro dos ultimos anos é um espelho dessa realidade que se arrasta há décadas sem solução à vista. CIDADE DE DEUS , CARANDIRU e até o documentário ONIBUS 174 de José Padilha (04), são como páginas desse enorme livro de paradoxos repletos de violência, miséria e desespero. Sem serem manifestos políticos ou sequer ensaios sociológicos, os filmes são breves relâmpagos de realidade, registos desesperados, avisos à navegação. Em suma, contam a história anónima do nosso semelhante enquanto ultimo reduto solidário para com uma espécie que é a nossa, e sobre a qual ainda não percebemos praticamente coisa nenhuma...


ARTUR GUILHERME CARVALHO

INFERNO

INFERNO


ATÉ AO MEU REGRESSO E MAIS ALÉM
DEITADOS NA TERRA DE NINGUEM
SEMPRE COM REMORSOS POR ALGUÉM
QUE FICOU PARA TRÁS

NÓS NOS ENTENDEMOS MUITO BEM
NEM SEQUER PRECISAMOS DE FALAR
ÀS VEZES BASTA CRUZAR O OLHAR
E JÁ ESTÁ

NO COMBATE FINAL
NÃO OUVINDO O TEU SINAL
PROCURAREI POR TI
HÁ-DE A CORAGEM SOBRAR
EU IREI-TE BUSCAR
AO INFERNO
FAZ O MESMO, PÁ
POR MIM

ATÉ AO MEU REGRESSO E MAIS ALÉM
EU JÁ SÓ TE PEÇO FICA BEM
AGUENTA ESSA SAUDADE POR ALGUÉM
QUE FICOU PARA TRÁS

XUTOS E PONTAPÉS
(Tema principal da banda sonora do filme INFERNO de Joaquim Leitão)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

AS NAUS (Pequeno extracto)

"... Ao segundo almoço conheceu um reformado amante de biscas suecas e um maneta espanhol que vendia cautelas em Moçambique chamado Dom Miguel de Cervantes Saavedra, antigo soldado sempre a escrever em folhas soltas de agendas e papéis desprezados um romance intitulado, não se entendia porquê, de Quixote, quando toda a gente sabe que Quixote é apelido de cavalo de obstáculos, e ao fim da tarde puxavam trunfos lambidos no tampo de verniz, evitando tocar no crucifixo porque dá azar às vazas e altera as manilhas, e erguendo os sapatos de fivela sempre que os balanços do barco derramavam na sua direcção o vomitado dos vizinhos, que adquirira um palmo de altura e os obrigava, de meias ensopadas, a agarrarem-se às pegas a fim de que o cadáver não lhes escapasse, à deriva num caldo em que flutuavam lavagantes, transportando consigo os valetes e os ases da partida decisiva..."
António Lobo Antunes in AS NAUS, Lisboa 1988

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

OUTRA VEZ BARCELONA


Foto de Sofia P. Coelho
Por estas ruas se vai escrevendo A Sombra do Vento...

SIDÓNIO PAIS REVISITADO



Subordinada à figura de Sidónio Pais, a quarta conferência do ciclo sobre “Os Presidentes da República” de Portugal, que a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão está a organizar, cativou a atenção de cerca de meia centena de pessoas que marcaram presença no Museu Bernardino Machado no dia 7 de Novembro. O conferencista, o Prof. João Medina, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, não só entusiasmou o público com a sua eloquência, como lançou um novo e curioso olhar sobre a figura do Presidente-Rei e do Sidonismo.

João Medina já tinha avisado com o título sugestivo da sua palestra: “Presidente–Rei: Paradoxo e Tragédia na Presidência da República". Com efeito, o conceituado investigador da história contemporânea portuguesa pôs de lado um lugar comum que vê em Sidónio Pais um percursor de Salazar e da ditadura do Estado Novo. “São tão diferentes em tudo e até no estilo de actuar e pensar”, esclareceu o catedrático, também director do Centro de História da Universidade de Lisboa. E acrescentou: “É difícil confundir o brioso militar e catedrático de Matemática, sinceramente republicano e até antigo Maçon, com o quase-sacerdote e ex-seminarista, depois catedrático de Direito e dirigente da Democracia-Cristã, frio e misantropo”.

João Medina lançou mesmo mão do poema que Fernando Pessoa dedicara a Sidónio Pais, ao Presidente-Rei como lhe chama, para afirmar o sentimento sebastianista e até claramente messiânico que a sua figura e Governo então, e depois, suscitaram.

De seguida, o conferencista apontou os paradoxos da breve experiência sidonista, a primeira das quais, “ao pretender criar uma República nova, ou seja, presidencialista e não-liberal, não-parlamentar, com um parlamento, sim, um parlamento dominado por um quase partido único”. Outro dos paradoxos apontados refere-se “ao estilo e acção populistas, com banhos de multidão, que Sidónio Pais cultivou, em absoluto contrário ao dos velhos patriarcas republicanos”.

Por último, João Medina referiu-se aquele que chamou de paradoxo final: “Ser assassinado por um fanático republicano, no dia em que tomava o comboio no Rossio, em direcção ao Porto, para jugular uma revolta de monárquicos no Norte”.

Já numa abordagem genérica ao ideário e acção política e na sequência do debate que se instalou na sala em torno do quarto Presidente da República Portuguesa, João Medina lembrou que Sidónio Pais “foi o único político republicano que introduziu o sistema eleitoral universal, dando o voto, pela primeira vez, às mulheres portuguesas”.

Recorde-se que o ciclo de conferências sobre a República Portuguesa é coordenado pelo professor universitário Norberto Cunha – também coordenador científico do Museu Bernardino Machado –, numa iniciativa que passará em revista, através da realização de cerca de duas dezenas de conferências, toda a história da República e suas personagens mais influentes.

No próximo dia 12 de Dezembro, o ciclo das cinco conferências previstas para 2003 termina com Norberto Cunha, professor catedrático da Universidade do Minho, a apresentar a vida e obra de Canto e Castro.
IN BOLETIM MUNICIPAL DA CÂMARA DE VILA NOVA DE FAMALICÃO (NOVEMBRO-2003)

sábado, 24 de novembro de 2007

EM LÁ


Foto de Sofia P. Coelho
Imaginar por momentos uma imagem onde tudo faça sentido...e chamar casa a esse lugar.
ARTUR

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

ESTILO

«Deixemos de lado a trampa e ocupemo-
-nos da chamada arte.

Estilo!
(…)
O estilo é uma resposta a tudo.
Um modo novo de enfrentar o tédio ou as coisas perigosas.
Fazer uma coisa entediante com estilo é melhor do que fazer uma coisa perigosa sem estilo.
Fazer uma coisa perigosa com estilo é aquilo a que eu chamo arte.
A corrida pode ser uma arte.
O boxe pode ser uma arte.
F… pode ser uma arte.
Abrir uma lata de sardinhas pode ser uma arte.
Não muitos têm estilo.
Não muitos conseguem manter um estilo.
Já vi cães com mais estilo que os homens, ainda que não muito cães tenham estilo.
Os gatos têm-no em abundância.
(…)
Quando Hemingway rebentou com os miolos…, isso é estilo.
Há tipos que nos ensinam a ter estilo.
Joana D' Arc tinha estilo.
João Batista. Jesus. Sócrates. César. Garcia Lorca.
Na prisão encontrei homens com estilo.
Conheci mais homens com estilo na prisão do que fora dela.
O estilo é uma diferença, uma maneira de fazer, um modo de ser feito.
Seis garças imóveis num espelho de água, ou tu, que sais nua da banheira sem me ver.»

- Charles (Serking) Bukowsky (poeta norte-americano/ 2ª metade do séc.XX)

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

AVÓ

A primeira recordação que tenho de ti é a da tua voz a trautear uma canção de embalar sem letra enquanto me ias abanando ligeiramente o corpo para adormecer. Era uma área inventada por ti, uma vocalização feminina de uma ternura infinita que eu bebia até cair exausto na terra dos sonhos. Lembro-me da luz de ligado do ferro eléctrico que era a primeira coisa que via quando acordava da sesta a meio da tarde e do “olho mágico” verde da telefonia onde ouvíamos os “Parodiantes de Lisboa” à hora do almoço. Lembro-me das sopas de cenoura, das sandes de frango com manteiga que tu me fazias para comer no intervalo da escola, dos cromos dos jogadores de futebol que íamos comprar avulso no senhor Eduardo, duas ruas a seguir à nossa e daquele bolo maravilhoso que fazias aos Domingos. Lembro-me quando ia contigo no eléctrico a uma rua que ficava ali perto do Chiado receber a tua reforma e do homem a cavalo a que tinha direito na secção de brinquedos do Grandella, imediatamente antes do bolo de arroz na pastelaria. Lembro-me de ti, das milhares de faces que compunham o teu afecto, lembro-me da suavidade das tuas mãos que mais tarde secaram como as folhas no Outono, do teu rosto ora compreensivo ora castigador, da cumplicidade que fomos construindo ao longo do tempo em breves jogos de adulto e criança, às escondidas e à cabra-cega com o mundo lá de fora que dificilmente nos conseguia perturbar. Lembro-me das férias e dos horários rígidos da digestão na praia antes de poder ir para o banho, das sestas forçadas e das gemadas matinais. Lembro-me que sempre disse a mim mesmo que haverias de saber o quanto te agradeço por teres sido tão importante numa fase fundamental da minha vida, o quanto te amei... o quanto te amo enquanto Pai, Filho e Espírito Santo da minha infância. Lembro-me de quase tudo quando penso em ti, de um tempo em que tudo fizeste para que o meu mundo de criança pudesse navegar tranquilamente enquanto crescia, seguro e afastado das tempestades. Agora como então, lembro-me de ti quando não sei a resposta, quando estou perante uma encruzilhada sem saber que caminho escolher, quando o calmeirão da turma anda atrás de mim para me bater, quando cometo um erro e não percebo porquê. Lembro-me da tua voz a trautear uma canção de embalar, elemento suficiente para afastar os pesadelos para longe e retornar à paz do lar em que cresci contigo. Lembro-me de ti e nessa lembrança repito todos os dias o muito que te amo, o muito que eu queria que tu soubesses isso... avó.

ARTUR

TEMPO

Conheço-o há bastante tempo se bem que as nossas conversas sejam muito breves. Olho-o como quem interroga e ele responde-me com uma informação. Vejo-o logo de manhã no despertador, digitalizado, sinal sonoro de advertência, como que a dizer: " este foi o tempo que pediste para te acordar."
Vejo-o depois ao longo do dia agarrado ao pulso quando me sinto perdido e não sei onde está.
Vejo-o anónimo pendurado nas paredes de grandes edifícios, estações de comboio, aeroportos.
Vejo-o no Natal quando me interrogo sobre as decorações nas ruas. Já é Natal outra vez? Parecia que ainda ontem...
Vejo-o no aniversário dos filhos, dos sobrinhos, na peça da escola. Do berço com fraldas para um texto sobre Ecologia.
Vejo-o ao canto do anfiteatro enquanto ajusto a câmara de filmar. Dá-me um aceno, discreto como sempre, sem querer dar nas vistas.
Vejo-o nos casamentos, nos funerais e nas fotografias antigas dos que vão partindo para o sítio onde o Tempo já não importa. Muitos nem eu os conheci...
Vejo-o todos os dias ainda que por breves instantes a saltar entre fusos horários como se de um baile de máscaras se tratasse. Ele aparece ora mais novo ora mais velho conforme os caprichos das viagens.
É esse talvez o meu mais antigo amigo e conhecido, com quem eu falo todos os dias, várias e breves vezes no mesmo dia. Em pedaços muito curtos fomos cimentando esta amizade que marca o meu tempo e o do mundo até me transportar para o espaço anónimo de uma fotografia antiga esquecida numa mesa de uma sala de alguém que já não me conheceu. Lugar onde talvez já não voltemos a falar...ou onde ele deixe de ter a importância que tem hoje.
ARTUR

terça-feira, 20 de novembro de 2007

LUIS de STTAU MONTEIRO


"Já prometi à Fernanda praticamente tudo para que ela me deixe em paz. Tenho a certeza que há-de haver uma solução para tudo isto. Não pode deixar de haver. Não é possível que, numa época em que se pensa ir à Lua, eu tenha de voltar para casa, para uma mulher de quem não gosto, para uma vida que odeio, para um ambiente que me revolta.
Então um homem quer saír do seu planeta quando ainda não conseguiu, sequer, fugir da aldeia em que vive?"
Luis de Sttau Monteiro in Um Homem Não Chora

Luis de Sttau Monteiro (1926-1993), ao ser odiado à esquerda e à direita conseguiu conquistar desde cedo o estatuto de não-alinhado, resistente à imposição das ideias em vigor, à obrigatoriedade da moda, ao "politicamente correcto". Por isso foi genial, por isso foi estrategicamente esquecido enquanto vivo.
Ao partir com 10 anos para Londres com o seu pai, Armindo Monteiro, que exerceu as funções de embaixador até 1943, acompanha de perto e num palco privilegiado o desenrolar da II Guerra Mundial. Licenciado em Direito, trabalha como advogado apenas durante dois anos. Regressa a Inglaterra para uma curta experiência como piloto de Fórmula 2. As referências anglo-saxónicas acompanha-lo-ão ao longo da sua vida quer na parte literária, quer na das opções políticas.Regressado a Portugal, trabalha para várias publicações, destacando-se a revista Almanaque e o suplemento A Mosca no Diário de Notícias. Como romancista estreia-se em 1960 com Um Homem Não Chora, seguindo-se Angústia Para o Jantar no ano seguinte. No mesmo ano de 61 publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Em 1967 foi preso pela PIDE após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971 adaptou para teatro juntamente com Artur Ramos o romance A Relíquia de Eça de Queirós.
Entre a segunda vaga do neo-realismo, do existencialismo e do "nouveau roman", a obra de Luis de Sttau Monteiro é um reflexo de uma geração asfixiada entre a Guerra Fria em termos mundiais (para quem, escolher uma potência era uma pura estupidez), e a ditadura salazarista em termos nacionais. Conscientes de muito pouco ou quase nada poderem fazer que alterasse este estado de coisas, os autores entram numa linha de um pessimismo satírico onde a amargura e a ironia contundentes destapam e põem a nu as contradições históricas, políticas e sociais da época em que viveram. Com ele poderíamos referenciar, a título de complementariedade, autores como Vergílio Ferreira ou Nuno Bragança.
Considerado o maior dramaturgo português da segunda metade do séc.XX, Luis de Sttau Monteiro fez questão de nunca abdicar de si próprio em nome de credos, modas ou movimentos. Por esse motivo foi tão injustamente esquecido enquanto viveu.
ARTUR

DESABAFO MATINAL

Somos pateticamente trágicos, ou tragicamente patéticos, o que vai dar ao mesmo. Desleixados e egoístas que abraçam a ordem a "voz do dono", amaldiçoando a prevaricação dos outros, reclamando justiça enquanto ela nos fôr favorável. Porque quando não fôr, reclamamos outra coisa. Mesquinhos e invejosos, prepotentes com os fracos e submissos com os superiores. E assim continuamos. E por aqui ficamos, à espera, sem nada esperar, de um destino que nos caia em cima da cabeça sem nada fazer para o alcançar ou construír. Preferindo a esperteza saloia à inteligência. Queimando a reputação dos que conseguem mostrar alguma qualidade, enaltecendo labrêgos, saloios e empregadas de alterne. Daí que qualquer trabalho que nos caracteriza só possa estar entre a máxima tragédia do absurdo ou o máximo ridículo da caricatura. Nada de novo no reino de Portugal
ARTUR

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

AMOR À CHUVA

Chegou a casa encharcado até aos ossos e fechou a porta grande da entrada com um pontapé. A tempestade tinha-o apanhado de surpresa a meio do caminho de regresso. O estrondo da porta mal se fez ouvir entre o dos trovões. Genoveva, a governanta esperava-o pacientemente com uma toalha turca nas mãos. Era mais ou menos da idade da sua mãe, se ela fôsse viva, a sua única familia, a única mulher com quem dividia aquele solar enorme de pedra a meio caminho entre duas localidades. Secou a cabeça enérgico e caminhou para a sala trocando as boas noites. Não precisava de um caldinho de galinha fora de horas nem de uma bacia de água quente onde pudesse meter os pés. Em dias de chuva ficava assim: fechado sobre si próprio sem vontade de fazer nada a não ser estar sozinho. Dirigiu-se para a biblioteca, socorreu-se de um livro ao acaso e espevitou a lareira. Depois serviu-se de uma boa dose de conhaque antes de se sentar. Na outra poltrona o Baltazar deu-lhe um miado de boa-noite e uma expressão de quem não quer mais conversas. - Somos dois, amigo - respondeu-lhe o dono.
Quando chovia havia sempre duas recordações que o assaltavam como fantasmas de visita previamente marcada. No corpo, uma tíbia queixosa e reumática partida pelo estilhaço de um obus em La Lys. Uma tíbia que cada vez mais lhe travava o andamento à medida que coleccionava arteroses. Uma dor "filha da puta" dificíl de aguentar, mesmo para o velho coronel. Na alma, uma mulher. Uma mulher e uma tarde que se prolongou pela noite debaixo de um dilúvio monumental. O seu passo então jovem e seguro calcorreou a galope a distância entre as duas casas na miragem de um "sim" exprimido já não sabia bem de que maneira. Entrou e a visão dela pareceu ainda mais resplandecente. Abraçaram-se e foram tropeçando um no outro até ao quarto. Fixou-lhe o rosto, os olhos verdes, a boca pequena que juntou à sua. Um beijo perfeito como perfeitos foram todos os beijos que trocaram. Esse era a prova inequívoca que estavam destinados um para o outro. Lembrava-se do desenho do peito sob a camisa larga de algodão, do movimento das ancas, da elegância das pernas e de como se entrelaçaram uma e outra e outra vez até lhe perderem a conta. Chovia entretanto, um dilúvio cerrado caía sobre a terra e ele só se lembrava que nunca tinha sido tão feliz como naquela tarde. Aquela era a mulher com quem queria viver até ao fim dos seus dias. Só que por uma razão qualquer (classe social,idade,estado civil,outro amante,etc) aquela mulher, precisamente aquela...não podia ser mulher dele. Despediu-se à porta de casa dela repetindo o último beijo várias vezes. O beijo perfeito. Depois olhou-a nos olhos e recuperou o endurecimento todo que a sua educação lhe tinha dado, afastando para longe a pieguice, que só iria piorar as coisas. Com o indicador direito fechou-lhe os lábios suavemente. Afastou-se um passo e pediu-lhe apenas uma coisa. Só uma. - Até ao fim dos teus dias...sempre que chover, nunca faças amor com ninguém.
ARTUR

MOÇAMBIQUE EM DOIS ÂNGULOS



Fotos de Sofia P. Coelho

PERU EM DOIS ÂNGULOS



Fotos de Sofia P. Coelho

terça-feira, 13 de novembro de 2007

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

TORMENTO DO IDEAL

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar,vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a côr,bem como a nuvem que erra
Ao pôr do Sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
Antero de Quental (1842-1891)

ANTERO REVISITADO



" No fim de contas, aqueles que vêem a literatura portuguesa como de amadores e sonhadores esquecem muito facilmente o realismo dela e quanto foi escrita por um povo duro e aventureiro que, mesmo quando confundiu Deus com o dinheiro, como sempre todos os povos imperiais fizeram, nunca todavia confundiu este mundo com o outro. Se grandes poetas, e Antero entre eles, foram sonhadores, foram-no de uma muito especial qualidade: a dos que sonham de olhos abertos e recusam todas as consolações fáceis, mesmo a de acreditarem que a poesia pode substituir a vida, se não fôr a vida ela própria.
... a expressão de um povo que vive como suicidas adiados, ou como sobreviventes do suicídio dos outros, por saber demasiado bem que raça danada é a humanidade e em que mundo canalha e sangrento nós vivemos. Os poetas portugueses não foram e não são, como sucedeu em outros povos, gente perdida numa nação de lojistas. Mas, como poucos, são parte de um dos povos mais cínicos acerca das realidades da vida, que tem havido no mundo.
Antero matou-se depois de haver atingido, de um modo ou de outro, uma ambígua paz transcendental. Poderá dizer-se que assim procedeu, por sentir que o seu papel de poeta e de condutor espiritual chegara a final termo, e que não havia sentido algum em sobreviver-se a si mesmo, saboreando o gosto amargo da glória póstuma. O seu fim não foi o acto obsessivo de um homem desesperado, mas a decisão consciente de um grande espírito que escolheu retirar-se de um mundo que não tinha sido consultado para visitar.
...se Deus existira e lhe dera a vida, e depois se recusava a conversar com ele intelectualmente (o Deus que sempre se recusou a fazer, apesar de quanta teologia já podia ter aprendido pelos séculos adiante), Antero restituía a esse Deus silencioso aquele seu espírito que sentia demasiado para consolar-se na filosofia, e pensava demais para aceitar como felicidade até o facto de ter escrito magníficos sonetos. Digamos que a poesia e a morte de Antero são a extrema honestidade de um estóico que, como todos os estóicos, se deixou acreditar demasiadamente no poder das ideias (não das ideologias) para moverem o mundo ou criarem o próprio Deus."
JORGE DE SENA, in Ensaios de Literatura Portuguesa - I, Edições 70, 1982

domingo, 11 de novembro de 2007

PORTUGUESES E TUGAS

Desafio aos meus amigos da blogosfera. Vamos pesquisar e ver o que ainda se aproveita. Por um lado o Tuga, porco, saloio, arrogante no trato, violento para com os fracos e subserviente para com os fortes, incapaz de expressar um sentimento verdadeiro, arquitecto e vítma do politicamente correcto (o maior veneno que assolou a civilização). Do outro lado o Português, descendente de várias tribos da Antiguidade que cavou o seu país do nada, que se expandiu pelo mundo, se misturou com tudo e com todos, que soube ensinar onde não se sabia e teve a humildade de baixar as orelhas quando desconhecia. Capaz de um criação poética longa e de altíssima qualidade desde o Provençal ao Fernando Pessoa e muito mais além, produtor de extraordinários romancistas, militares, cientistas, bandeirantes, pensadores. Homens e mulheres anónimos que no mundo inteiro edificaram a nossa mais importante riqueza actual: 200 milhões de almas que falam a língua portuguesa. Será isto tudo o que nos resta? Não creio. Há um enorme património a ser resgatado só no último século. Grandes romancistas que, por não pertencerem a nenhuma pandilha de Tugas, foram pura e simplesmente esquecidos. Cantores como o Adriano que agora todos se esgatanham por um bocadinho mas que morreu ignorado na sua mais triste solidão. Vamos a eles todos e recordemos esses verdadeiros marcos civilizacionais que engrandeceram o SER PORTUGUÊS. Deixemos os porcos a chafurdar nas suas baixelas do poder e do "quem gritar mais alto é que tem razão". Deixo-vos com uma imagem de um grande e eterno. Antero de Quental, Santo Antero, o maior poeta e pensador do seu tempo deixa este mundo sentado num banco de jardim em Ponta Delgada, S.Miguel, ao fim do segundo tiro disparado sobre si próprio. Alguém a quem os pensadores, poetas e romancistas das futuras gerações muito devem. Vamos a isso... Há muitos Portugueses para divulgar.
ARTUR

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

SOLDADOS DE SALAMINA


Duvido que alguém saiba com exactidão quanto vale a vida de um homem. O que sei é que, para um homem a vida tem diferentes valores ao longo da sua existência. A relação entre um homem e a vida, as suas convicções, os seus comportamentos...nada é definitivo por todas e por nenhuma razão. Há no entanto algo que permanece com cada um até ao fim dos seus dias: a obrigação da verdade para consigo mesmo. A dignidade que lhe ilumina o Ser para além da morte.
Guerra Civil Espanhola, últimos meses. As tropas republicanas batem em retirada em direcção á fronteira francesa. Pelo caminho alguém toma a decisão de fuzilar um grupo de prisioneiros franquistas. Entre eles encontra-se Rafael Sanchez Mazas, fundador e ideólogo da Falange. Sanchez Mazas consegue não só escapar a esse fuzilamento colectivo como, quando mais tarde é encurralado por um miliciano anónimo, este acaba por lhe poupar a vida, permitindo-lhe fugir. Emboscado até ao final da guerra, Mazas recodará para sempre este miliciano de olhar estranho que num momento crucial não o denunciou. Terminada a guerra, Sanchez Mazas chega a ocupar um cargo ministerial no primeiro governo de Franco em Agosto de 1939. Em Julho de 1940, no entanto, demite-se do cargo. Regressou à sua actividade literária e jornalística e morre na década de 60, ignorado ou esquecido por um regime que tinha ajudado a formar.
É com base nesta breve história que o jornalista e narrador desta aventura (Javier Cercas) se propõe reconstituír o relato real dos factos ocorridos e descobrir o segredo dos seus protagonistas. O caminho das investigações acabará por se lhe revelar surpreendente, inesperado e com um desfecho desconcertante. Os relatos e testemunhos daquela época vão acabar por o conduzir a lugares impensáveis onde a coragem, a lealdade, o humanismo e o espírito de sacrifício se conjugam nos cenários mais improváveis. Uma crónica da Guerra Civil Espanhola, ilustrativa de um tempo onde os homens matavam e morriam por ideais, sacrificando-se por aquilo que entendiam ser o melhor futuro para a Humanidade. A última guerra onde se combateu por ideias. Homens anónimos e esquecidos mas aos quais todos devemos muito. Por exemplo, a Liberdade. Uma história de coragem e amor por eles que bem merecem...
ARTUR

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

QUANDO VOLTARES



Quando voltares, a Casa estará no mesmo lugar onde sempre esteve. Alguns recantos estarão diferentes do tempo em que nela viveste, mas a Casa continuará a mesma.
Quando voltares, se fôr Outono, haverá uma fogueira à tua espera em noite de S.Martinho. Sentados à volta dela estarão os guerreiros de várias gerações, a assar castanhas num tempo eterno, entre gargalhadas e histórias antigas e canecos de água-pé que se manterão cheios até de madrugada.
Se fôr Primavera, serás recebido por um desfile de tochas onde ardem as cábulas e por cânticos pagãos espalhados pela noite morna, numa procissão de “Spellyking”.
Se o frio do Inverno já fizer gelar os ossos e o Natal estiver à porta, receber-te-ão nos claustros no meio de uma encenação de um 1º de Dezembro, onde um armário cairá invariavelmente do primeiro andar com o traidor Vasconcelos lá dentro. Ouvirás tocar de novo o sino que dá o sinal de partida para que colchas e lençóis retorcidos se ergam no ar ameaçadores, prontos para dar aos castelhanos a merecida lição da Restauração.
Se voltares num tempo qualquer, ouvirás ao anoitecer o rumor do capote e da barretina que vestem a cruz no alto da capela, empurrados pelo vento.
Quando voltares, recordarás no bater dos teus passos as memórias escritas na pedra das paredes dos claustros, onde correste menino e caminhaste vagaroso na segurança de ser homem. Elas te farão viver pelos que viveram antes de ti e pelos que viverão quando já cá não estiveres.
Se voltares em dia de glória, sentirás o abraço orgulhoso de afecto pelo filho que cresceu no seu seio a caminho da vida.
Se voltares num dia cinzento de chuva ouvirás palavras de conforto e estímulo solidário que te darão a força necessária para continuar. Olhando estas paredes voltarás a saber que nunca caminhaste nem caminharás sozinho porque serás sempre filho desta Casa. Relembrando as suas lições voltarás a lembrar aquele dia em que a baioneta dançou à frente dos teus olhos dando-te a benção iniciática de cavaleiro. Baixinho voltarás a ouvir as palavras daquele juramento, daquele instante mágico que te tornou membro de uma familia, elemento de uma irmandade que atravessa os séculos e se afirma cada vez mais viva no coração de todos.
E na Casa aprendeste que tudo é possível se depender da tua vontade; que não há vantagem nenhuma em pertencer a uma elite se o espírito de servir não fôr a regra de todos os dias; que se vence com estilo e se perde com dignidade; que nada se consegue sem humildade e trabalho duro; que a disciplina é a única maneira de nos conseguirmos superar; que admirar o trabalho feito é sinal de que não conseguirás fazer mais nada.
Quando voltares a Casa estará no mesmo lugar onde sempre esteve, pronta para te dar aquilo que mais necessitares nesse momento. E quando já cá não estiveres, estarás nas paredes dos claustros ao amanhecer, ou serás vento no alto da capela a soprar no capote e na barretina, ou nuvem que chove sobre um animado desafio de futebol entre gritos e suor e canelas feridas.
Porque os guerreiros não morrem. Sobem ao céu e transformam-se em estrelas que iluminam o caminho dos novos guerreiros que nascem. Porque não há princípio nem fim, mas um perpétuo continuar...

Maio de 2000

ARTUR GUILHERME CARVALHO
Publicado na revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar nº 141 de 2000. Fotografia de Samuel Ma.

BLADE RUNNER À PORTUGUESA

Acordei sobressaltado com o holograma do meu guia a chamar por mim do canto da sala.- Como estás?- perguntou.
- Farto desta terra até à raiz dos cabelos.- respondi. O outro manteve-se calado por instantes, enquanto olhava distraído em redor. -Se não estás connosco na constelação de Horus, sabes bem de quem é a culpa.-Como não havia de saber. Era toda minha. No dia da última grande operação de resgate tinha ficado a dormir na cama. Só acordei já tudo tinha acabado. Levantei as mãos em jeito de desconto de tempo. - Tá bem, Miguel, tá bem. Não me massacres mais com a história da minha estupidez. Estava farto de saber que não se compravam ácidos na Damaia mas naquele dia não me aguentei. Mortifico-me por isso todos os dias. Até sou adepto do Sporting.- Miguel parecia indiferente.Olhou para mim como se me tentasse compreender...ou lamentar.
- Vá lá. Ser adepto do Sporting é muito bom. Dá vários níveis de carma. Pontos preciosos para o próximo resgate. Agora deixemo-nos de tretas e passemos ao que interessa.
- Lá vem trabalhinho, pensei. Eu e os outros ursos como eu, que por uma razão ou por outra tinham falhado a última evacuação da Terra, continuávamos ligados aos nossos companheiros. Trabalhávamos em conjunto, fazíamos o que podíamos por aqui. Quando o Miguel me chamava era porque era preciso fazer qualquer coisa. Trabalhar para pagar a nossa falta cármica e preparar o lugar para a próxima evacuação. Era simples, ou nem por isso. Nada é simples em Portugal. Ir até à Loja do Cidadão e tentar resgatar uma certidão. Lá dentro era como estar num gigantesco mercado galáctico só que as barraquinhas só vendiam papéis, papelada e papelinhos disto e daquilo, repletas de gente à espera da sua vez. Gente é eufemismo. A maioria eram replicantes, acidentes de laboratório, mutantes. Nas barraquinhas estavam andróides, máquinas pouco sofisticadas que gostavam imenso de nos ignorar. Tipo : Faz Favor? e do outro lado conversavam entre si, iam lá dentro, fingiam-se ocupadas. depois, ao fim de nos verem bem deprimidos, abriam um sorriso.Para fazer uma fotocópia tenho que esperar que uma velha replicante se digne a abandonar o balcão de atendimento. Fica lá meia hora à espera ninguém sabe de quê. Talvez que o balcão comece a cantar...ópera. Fiquei sentado entre uma replicante(pernas normais, tronco descomunal a afastar uns braços fininhos que não se conseguiam tocar)e um mutante (jovem com sinalização metálica em torno de uma pálpebra e cabelinho espetado para cima estilo bolo de aniversário). Olho para minha senha depois de ter tirado senha para comprar o documento noutra barraca, antes de ir buscar a fotocópia lá abaixo ao piso 0 porque a máquina não sei quê... Olho para o quadro em plena "rábula do papel" (Gato Fedorento). Sessenta e tal gajos à minha frente. Uma tardezinha inteira já ninguém me tira. Tenho três AVCs, dois ataques de ansiedade e uma depressão que me põem a arfar que nem velho asmático. Mando SMS para amigos, leio Os Lusíadas três vezes na Casa Da Moeda, faço-me sócio da Associação Protectora ds Rafeiros, preencho o formulário do BI de uma cigana que me queria ler a sina. "Não lê nada, deslargue-me da mão. Irra!" Finalmente, muitas luas volvidas, o milagre. Chega a minha vez. Faço-me de patareco, o meu cão tem asma e a minha tia é tuberculosa e até eu já não me estou a sentir nada bem. O andróide tem pena de mim, tira os óculos de mocho e consola-me. " Vá lá,...não chore. Isto resolve-se, leva é tempo. MUITO TEMPO"
Volto para casa, contacto o Miguel." A certidão que pediste está encaminhada. Não vai ser é tão cedo. Mas já consegui vencer várias barreiras num dia. A propósito, quando é que é o próximo resgate?"
- Isso ainda vai levar o seu tempo...
ARTUR


(Barcelona num dia de manhã)
Foto Sofia P. Coelho

terça-feira, 6 de novembro de 2007

SEMPRE



Gostava de dedicar este pequeno trailer ao meu amigo Rui Bandeira. Sempre juntos, no inferno ou no céu.
ARTUR

Dias na cidade

Um dia que se começou por vestir com mangas de alpaca. Registos nos correios, contas para pagar. Um almoço tranquilo com um amigo de sempre numa Expo soalheira aberta sobre um Tejo manso sem vento. O regresso ao caos urbanístico ( cada vez te amo mais Lisboa), e uma surpresa numa manobra de evasão ao tráfego. Numa rua de Alfama encontro o Museu do Fado. Não é tarde nem é cedo, páro um pouco mais à frente. Talão de estacionamento? Que se lixe. Atendimento espectacular, umas letras de fados que eu perseguia já há algum tempo para transcrição no romance que estou a escrever. A amabilidade das pessoas, uma conversa rápida com outro amigo ao telefone. Lembras-te daquele fado de que falámos ? Preciso do título para a senhora me procurar a letra nos arquivos. Consegui, finalmente. É espantoso que não exista ainda uma compilação, um Cancioneiro do Fado com tanto património poético a merecer arquivamento e sistematização. Bandalheira, que rima com "ser português"...
O regresso a casa paralelo ao rio, Terreiro do Paço, cais do Sodré. Uma pequena exploração arqueológica num enorme buraco aberto no chão. A vida a acontecer. No rádio o debate parlamentar. Novembro e parece que estamos nos trópicos. Vinte e tal graus no termómetro do carro. Os cães a ladrar e as caravanas a passear...
ARTUR

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Aspiração II.

Quem me dera ser pirata,
viver o dia-a-dia,
no convés duma fragata

LIVROS QUE DERAM FILMES



Continuando com Perez-Reverte, eis uma lista de filmes adaptados de obras suas.
Junta-se país, ano de produção e nome do realizador.
O MESTRE DE ESGRIMA
Espanha(1992)
Pedro Olea

A TÁBUA DA FLANDRES
Espanha, Grã-Bretanha(1994)
Jim McBride

CACHITO
Espanha(1995)
Enrique Urbizu

TERRITÓRIO COMANCHE
Espanha,França,Alemanha,Argentina(1997)
Gerardo Herrero

A NONA PORTA
Espanha,França,Estados Unidos(1999)
Roman Polansky

CAMINHO DE SANTIAGO
Espanha(1999)
Série de televisão emitida por Antena 3
Robert Young

GITANO
Espanha,França,Estados Unidos(2000)
Manuel Palacios

ALATRISTE (2006)
Agustín díaz Yanes

A CARTA ESFÉRICA (2007)
Imanol Uribe
(em fase de pós-produção)

O PINTOR DE BATALHAS



"Num mundo onde o horror se vende como arte, onde a arte nasce já com a pretensão de ser fotografada, onde conviver com as imagens do sofrimento não tem relação com a consciência nem com a compaixão, as fotografias não servem para nada."
in "O Pintor de Batalhas"

Arturo Perez-Reverte, um dos mais lidos autores espanhóis da actualidade, tem atrás de si uma extensa obra que, além de o ter tornado membro da Real Academia Espanhola em 2003, conta com várias adaptações cinematográficas.
O Pintor de Batalhas apresenta-nos Andrés Faulques, um repórter fotográfico de guerra que após trinta anos de actividade se decide a trocar a fotografia pela pintura isolando-se numa torre à beira do Mediterrâneo. O seu tempo é preenchido na feitura de um mural a toda a volta do interior da torre. Não conseguindo captar no instante fotográfico a capacidade de transmitir o caos do Universo, tenta na pintura pelo menos a enunciação de algumas regras desse caos.
Por companhia tem a recordação de uma mulher, Olvido(em castelhano, "esquecimento") e de um antigo soldado que fotografou durante a guerra da Bósnia, uma das inúmeras faces registadas.
Entre as recordações e os diálogos com Markovic, abre-se uma longa conversa entre pintura e fotografia, tendo como pano de fundo a barbaridade humana na sua forma de expressão mais completa, a guerra. Se a pintura não consegue registar o instante, tem no entanto a capacidade de reproduzir a expressão desse instante, enquadrando o caos, enunciando as regras da barbárie, equacionando o horror. A fotografia, sujeita a uma série de componentes limitativos ( enquadramento, entrada de luz, focagem) transmite o imediato, a realidade do instante. Numa ou noutra linguagem, a mesma verdade. A realidade só existe se a soubermos transmitir, registar, dar a ver.
Desiludido, transportando uma dor antiga no seu corpo, Faulques tenta a todo o custo terminar o fresco circular enquanto, dialogando com o antigo soldado que o veio matar, se vai colocando na posição indiferente de quem está pronto para partir.
Além da análise amarga de um percurso existencial vivido à exaustão, o livro serve também de viagem ao mundo da História da Arte permitindo por referência visitar grandes pintores e grandes museus, marcos civilizacionais da pintura mundial. Conhecer homens que contribuíram com o seu talento na análise ilustrativa da barbárie dos seus contemporâneos, o vómito universal despejado sobre as nossas cabeças em todas as gerações. E entre a vulgaridade da nossa condição animalesca e caótica e a procura de ilustrar, registar e dar a conhecer essa mesma barbaridade, a abertura para uma breve espaço. O da tentativa de compreender que descobre uma nesga, ainda que quase impossível, de amor... seja lá isso o que fôr...
ARTUR



(Cidade de Perth- Austrália. Vista nocturna)

Fotografia de Sofia P. Coelho

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

COMPOSTO DE MUDANÇA

Ainda sou do tempo em que se era anarquista, comunista, marxista-leninista, post-marxista ,adepto da Psicanálise ou do Estruturalismo, da Semiótica, do Pós-Modernismo ou do raio-que-parta, desde que a posição em que nos colocávamos servisse para desqualificar todas as outras, fazendo delas as interpretações mais delirantes. As que já existiam e as que ainda pudessem vir a existir. O delírio, se me é permitido o emprego da expressão, não consistia tanto nos textos que, em teoria, serviam de referência, mas sobretudo nos daqueles que afirmavam ser discípulos ou embaixadores do Mestre do momento. Aliás, a reinvindicação de uma tutela universalmente reconhecida era o primeiro passo para se pertencer a uma das muitas Igrejas que professavam os cultos, reconhecido pelos pares e beatificado em consonância. Assistimos agora ao aparecimento de uma nova seita de fiéis, iniciados num novo culto chamado sugestivamente "estudos culturais", cujo principal credo é, justamente, a sagrada "transculturalidade", e em cujas missas se disserta sobre "hermenêutica do Fado", "fenomenologia da sardinha assada com pimentos" ou "sociopsicologia do Galo de Barcelos", capaz de produzir discursos sobre o último Sporting-Benfica com a seguinte argumentação : " espaço simbólico onde, no contexto da cultura popular, se constrói a noção gramsciana de consenso", e apto a discernir numa eventual falta de eletricidade "toda uma simbologia ritualista de claro/escuro, pela qual se exprime a milenar luta entre a luz e as trevas, signo de uma finisecular fractura entre as noções de Bem e do Mal e da supressão do horizonte de referência". Obviamente, estou a exagerar. Estarei ? Liga-se a televisão e assitimos, mudos de espanto e pavor, ao discurso esotérico dos múltiplos comentadores chamados a opinar sobre tudo e sobre nada, num carnavalesco festival de banalidades proferidas em tom solene de especialistas e detentores da última verdade (no sentido do mais recente lugar-comum), utilizando uma linguagem que, de tão elaborada, se destina a mascarar o vazio das proposições.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

PAISAGEM AUSTRALIANA




Foto de Sofia P. Coelho

Às Partes do Todo: Um Problema Nuclear

Sendo eu, do todo uma parte, convivo inconformado com meu destino. Eis que o tormento começou quando me autonomizei o suficiente, a exacta rigorosa mesura, para me ver, a mim, como parte deste todo. Como a parte de um todo no espelho da minha consciência.

Não adiantou o argumento, de resto falaz, de que, se me vejo cônscio de mim próprio, já constituo um todo, porque detentor dessa parcela de autonomia que, precisamente, se revela em tal consciência. E que, ademais, não serei - como não sou - substância unitária pelo que, eu mesmo, contenho partes, partes de um todo que sou eu, não obstante sendo eu parte de um todo, maior que as partes que me formam, e como todo, afinal, mais íntegro do que seria se apenas fosse mera parte de um todo. Assim, embora seja parte de um todo, poderei ainda ser, como se viu já, numa determinada perspectiva, todo em relação às partes que me dão corpo e que, por serem partes de uma parte seriam sempre partes de um todo, quer esse todo seja eu, quer o todo seja o todo de que eu, como parte, participo.

Parece complicado, mas tudo não passaria de uma questão de escala... Nem garantido está que as partes que me dão substância não sejam, elas próprias, capazes de lograr consciência de si, o que lhes daria, por sua vez, um carácter totalitário. Nem sequer, pensando um pouco melhor, que essas putativas partes de partes, envidassem pelo meu problemático caminho, tortuoso e angustiado, prosseguindo dess’arte até ao infinito, ou quanto muito, até à última subdivisão da matéria, átomo próprio, primordial, que, enfim, se pudesse arrogar do estatuto de parte originária, o que seria outra forma de dizer de um todo, pois que só então seria, sem rebuço, uma unidade, mónada em si, indivisível e completa.

E digo mais: ninguém me conseguiu asseverar de que o todo de que me sei parte não seja, ele também, parte de um todo maior e que eu, parte de um todo então intermédio, não conseguiria vislumbrar. Por essa razão, também neste caso, quem sabe qual todo poderia descansar na certeza de ser o maior todo de todos os todos, o corpo final e vero englobante, porquanto nele estariam todos os todos e todas as respectivas partes.

Vejam então, que perdido nesta vertigem me sinto, não sabendo se sendo parte sou igualmente um todo, se as partes que me compõem se sentem partes de um todo que sou eu e que, por sua vez, são compostas de partes conscientes de si e, por conseguinte, também, à sua maneira, um todo e, finalmente, se o todo de que me sei parte é parte de um todo ainda maior, sentindo-nos todos infelizes e confusos, excepto, como vimos, a mais pequena parte das partes e o maior todo de todos os todos.

EM FIM, NO PRINCÍPIO

Chegou a casa já tarde, tirou o casaco e pendurou a solidão no bengaleiro de sempre atrás da porta. O gato tinha morrido há uns meses, a mulher tinha ido à vida dela pouco antes, os filhos andavam por aí a cavar a deles. O silêncio era o único elemento que o recebia percorrendo aquelas paredes e aqueles móveis, abstracto de opiniões, calado de saudações, escondido de emoções. Não tinha jantado mas também não tinha fome. Agarrou na garrafa de whisky e emborcou um copo cheio. Sentou-se no sofá a pensar em tudo e em nada e em como o vazio se acercava dele como um fato cada vez mais à medida. Sem o sufocar, nem muito estreito nem muito largo. Na medida exacta. Levantou-se e pegou num CD, pondo a tocar a sua música favorita. De chinelos de quarto e roupão, copo na mão, foi bebendo...e começou a dançar sozinho. Dançou, dançou, até que qualquer coisa nele falhou. Depois outra, e outra logo a seguir. Foi descendo lentamente como uma folha seca sobre a carpete da sala até ficar estendido no chão. O copo quase vazio rolou para longe, o CD continuou a tocar. Com a cara no chão, os seus olhos ficaram semicerrados e um sorriso tranquilo desenhou-se-lhe nos lábios. Assim partiu.
Do outro lado da cidade uma equipa hospitalar afadigava-se em volta de uma mulher. Enfermeira, anestesista, ginecologista, auxiliar, todos empenhados, concentrados, atentos ao mais ínfimo pormenor. Amanhecia quando uma cabeça, depois uns ombros, tronco, foram saíndo das entranhas da mulher. Os pés subiram no ar, uma palmada, um choro... o milagre de estar vivo. Todos descontraíram na presença de mais um trabalho bem feito. O mundo continuava a sua saga de acabar e começar todos os dias, como se quisesse dizer que não há princípio nem fim, mas um perpétuo "continuar".
ARTUR

TOMEM LÁ UM POEMA

Saí daqui em busca do meu espaço
voltei cansado e sem respostas no bolso
Subi ao monte, atirei-me ao mar
Suei, cansei-me e voltei a suar
Atrasei-me a antecipar
que neste jogo é proibido ganhar.

E quando voltei reparei que tudo estava diferente
Que a casa era a mesma, o tecto, as paredes
Mas nada era como dantes
Somos exilados em fatos de carne
prisioneiros de um jogo doloroso.

Vamos e vimos para conhecer dois mundos
Não somos um nem o outro
Apenas poeira cristalizada
Sentimento que cresce condenado
Para ser o caminho entre dois

Um Sol que se mortifica
Para continuar e aprender
Um Ser de Luz que não ficando, fica
E que, sofrendo se faz renascer
ARTUR

TITÃS - OS CEGOS DO CASTELO