segunda-feira, 22 de outubro de 2007

TIGRE

"Where is the Life we have lost in living?
Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?"


T.S. Eliot


Regressemos, por um instante, à caverna. Não à caverna de Platão, mas ao antro de horrores do Coronel Kurtz em "Apocalypse Now", ao momento em que ele recita ao Capitão Willard o poema "The Hollow Men" de T.S. Eliot. Foi em 1979 no antigo Cinema Monumental, o verdadeiro e antigo Cinema Monumental, um dos grandes cinemas de Lisboa que, nesse ano, inaugurava o sistema Dolby Surround. Não me lembro do mês, mas lembrar-me-ei para sempre desse dia em que a imagem e o som faziam explodir a realidade e a tornavam numa outra realidade, mais real, uma espécie de hiperrealidade sem limites. Joseph Conrad, Francis Coppola, Marlon Brando e T.S. Eliot, ouvido pela primeira vez nessa estranha tarde, numa caverna (o cinema) que continha outra caverna (a de Kurtz) que, por sua vez, estava contida dentro da caverna do Horror. Uma cabeça enorme e rapada surge da semi-obscuridade e a voz grave e profunda desfia lentamente a ladainha dos homens de palha, dos homens vazios. É o ponto de não-retorno para esse semi-deus com "eyes I dare not meet in dreams / In death's dream kingdom", e também para os seus seguidores: o horror será aí exterminado, para que possa recomeçar noutro lugar qualquer, sempre, num ciclo infernal sem fim. Desde esse dia, Eliot nunca mais me largou, e o excerto do poema em epígrafe revela, em três linhas breves e percutantes, toda a angústia, desespero e vazio do homem contemporâneo: onde foi parar a nossa vida ; o que resta dela depois de nos termos esgotado e comprometido em mil e uma inutilidades; onde encontrar a antiga sabedoria, soterrada debaixo do detrito e do ruído da comunicação e das toneladas de infromação inútil com que somos bombardeados diariamente ? O que é feito da nossa inocência, dos nossos sonhos e desejos ? Voltaremos a ser crianças, a sentir a imensa confiança, a confiança total e absoluta que nos empurrava para a frente ? Eliot já não nos responde...

1 comentário:

Anónimo disse...

Embora afectado (como todos) pela vida urbana que me é ditada, tento pelo menos preservar o sonho e a hipótese da sua concretização como orientação para aquilo que realmente me pode realizar… A caverna dos dias de hoje é a nossa sociedade e as regras a que nos sentimos compelidos a obedecer… Cada um terá o seu ponto cardeal que deverá procurar, caso contrário, nunca se será muito mais do que parte de um numero…