quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Mais Um que ninguém conhece

AS LÁGRIMAS DOS PÁSSAROS
( do trágico e do patético)


VOAR COMO OS PÁSSAROS,
CHORAR COMO AS NUVENS (um filme português)

Rui Herbon
Parceria A.M.Pereira, Livraria Editora Lda.



Em poucas décadas conseguimos perder quase tudo o que havia para perder. Perdemos a memória, esquecendo-nos de quem fomos, perdemos a identidade deixando de saber quem somos, perdemos oportunidades flagrantes de desenvolvimento e... em breve perderemos a língua para outros povos que a sabem defender e expandir com muito maior competência e empenho. Daí não ser nenhum espanto que, apesar do folclore futebolístico dos ultimos tempos, Portugal tenha deixado de ser uma Nação para passar a ser um estado de espírito vivido e espalhado pelos outros cantos do mundo, e os portugueses um breve equívoco do Criador...
Somos tragicamente patéticos, ou pateticamente trágicos, o que vai dar no mesmo. Trágicos, por termos perdido a identidade deixando de existir. Patéticos, por essa perda se dever unica e exclusivamente à nossa vontade e não a nenhuma maldição ou acção funesta exterior a nós. Daí que a arte séria que (ainda) se consegue fazer neste país seja ou triste ou hilariante.
Vem tudo isto a propósito de VOAR COMO OS PÁSSAROS, CHORAR COMO AS NUVENS de Rui Herbon, Prémio Narrativa Eixo Atlântico 2002. Uma primeira obra extremamente bem estruturada que contém o retrato de uma familia portuguesa ao longo de três gerações e que, se não espanta, pelo menos encanta e obriga a reflectir. O autor nasceu em 72, dois anos antes do 25 de Abril. Faz parte de uma geração ( mais uma ) que cresceu entre dois mundos, um de memória e outro em obras para abrir no futuro, vendo o seu crescimento perder-se nas esquinas armadilhadas do processo histórico. Prosseguindo a maldição própria de quem nasce entre mundos ( não pertence a nenhum) , o caminho é muito mais duro e poucos os oásis para descansar.
O romance acompanha a trajectória existencial de três gerações, avós, pais e netos, desde o pleno Estado Novo até aos dias de hoje, passando pela guerra colonial e o 25 de Abril. Com um discurso límpido, o romance atravessa, sempre em discurso directo, o apogeu e declínio da ditadura, a turbulência subsequente ao seu fim e o pós... pós... qualquer coisa dos dias que vivemos, com o pano da União Europeia em fundo. Três gerações que de comum têm a tristeza ou melhor dizendo, a amargura que as suas opções, as suas obrigações e os seus afectos lhes determinaram. A vida é um percurso obrigatório, inúmeras vezes fustigado pelos ventos da História, alimentando-se assim a eterna dúvida de quem determina quem, se os homens se o processo histórico. Ou se homens determinam a vida de outros homens embora não a sua própria existência. O livro fala sem dúvida de nós, das maiores profundezas do Ser até às armadilhas que colocamos e que acabam por nos apanhar. Pelo meio uma rede de afectos que se vai esfiapando ao sabor da idade, dos equívocos e das mentiras que nos repetimos até que pareçam verdades. O Amor, que nada tem a ver com esta história, limita-se a ocupar um lugar de memória e utopia irremediavelmente perdida no volume das dores e dos enganos. O cenário é Portugal e a sua história mais recente. Nem bom nem mau... simplesmente o que nos calhou.
Para além da qualidade da narrativa, gostaria de destacar a estrutura formal do romance, que não sendo de forma nenhuma inédita, continua a ter o impacto da raridade no panorama literário nacional. Como já foi dito atrás, todas as personagens falam em discurso directo, cabendo ao leitor estabelecer as pontes entre elas. Uma atitude no mínimo corajosa que o autor arrisca saíndo vencedor em toda a linha. Por estas linhas passa indiscutivelmente a influência de António Lobo Antunes, o retratista de serviço dos ultimos trinta anos ao nosso inconsciente colectivo. A inovação formal que introduziu na literatura portuguesa de forma consistente, a radiografia nua e crua de um povo triste numa terra hostil, etc, são elementos que influenciaram e continuarão a influenciar sucessivas gerações de escritores. Até a escolha do título, ao referir os pássaros, nos remete para uma das melhores e mais emblemáticas obras do escritor ( Explicação Dos Pássaros ).
Rui Herbon afirma-se na sua primeira obra como escritor de corpo inteiro, justificando todas as palavras de apreço e incentivo de continuidade. Afectivamente límpido, intelectualmente honesto e narrativamente muito bem estruturado. Um trabalho a não perder...


ARTUR GUILHERME CARVALHO

2 comentários:

redjan disse...

Irra Artur ... bocadinho amargo e grande o desencanto. Pena é que ... tenhas razão ! Muita !!

Artur Guilherme Carvalho disse...

É um livro que te aconselho na medida em que abre várias portas narrativas, vá rias maneiras de fazer. Aprende-se bastante com este gajo. 1 Abraço.
ARTUR