Depois da morte de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, passamentos quase simultâneos no mês de Julho, creio que se fechou um ciclo, que terminou uma época de ouro que os dois cineastas marcaram decisivamente através do seu contributo para a definição do cinema como superior forma de expressão artística. Acredito, sem qualquer nostalgia, apenas com uma espécie de lucidez magoada, que nada voltará a ser como foi, agora que Bergman nunca mais abrirá aquilo que o crítico inglês David Thompson definiu como "janelas da alma". Acima de tudo, assistimos à morte simbólica de um modo de perscrutar os abismos da identidade humana, representando-os numa trama espácio-temporal que, num alto grau, é simultaneamente estética, ética e política. Quando vi pela primeira vez "Persona" de Ingmar Bergman, sem o ter comprendido muito bem - ainda hoje, depois de o ter revisto dezenas de vezes, duvido ter atingido o cerne ou a totalidade da sua imensa riqueza de significados, sentidos cruzados e intenções - , percebi que , para além das teorias de autor e de todas as determinações estéticas, existia um modo de conceber o cinema assente num fluxo incessante de imagens que se conectavam directamente com a psicologia do espectador, com a sua sensibilidade e inteligência emocional, capaz de provocar um curto-circuito nos pressupostos e certezas adquiridas com que se enfrentam o mundo e os outros, ou melhor, o Outro. Esta é para mim a principal qualidade de Bergman: a capacidade de olhar para os rostos e neles adivinhar a alma e as suas tempestades secretas. O futuro do cinema não é, pois, um dos "amanhãs que cantam". Será, acima de tudo, um meio de comunicação de massas no pior sentido: digital, impessoal, transitório, superficial. Espero estar enganado.
Arnaldo
7 comentários:
Óptimo texto, como sempre.
Já viste o tal filme de que te falei no outro dia?
Chama-se "Temporada de Pássaros". Adorei...
O nome Arnaldo não é uma brincadeira tua com uma coisa que eu cá sei, pois não?
Sem ofensa ao Arnaldo, se for mesmo gente e não "brincadeira"...
Mau ... em que ficamos ?
Concordo com o Carlos Lopes: é um belo texto. Pena é que não desenvolva mais algumas das ideias que estão enunciadas. E, já agora, porque não acrescentar ainda o nome de outros cineastas, de outras épocas, em que o cinema que conhecemos e amamos foi morrendo ? Por exemplo, a primeira morte desse cinema "pessoal" de que fala o Arnaldo (pessoa inventada ou não) ocorreu com a morte física de François Truffaut, Alfred Hitchcock, Luis Buñuel e outros. De qualquer modo, concordo que nunca mais viveremos o cinema da mesma maneira. Não sou tão pessimista em relação ao seu futuro. Creio qua ainda veremos grandes criações da era digital. Continuem o vosso esforço
Luís Oliveira
E, já agora, Mizoguchi, Stanley Kubrick, john Ford e "tutti quanti". São tantas mortes anunciadas e, no entanto, ele vive, sob novas formas, evoluindo sempre, atraindo outras pessoas de outras gerações e continuando a fazer sonhar e viver legiões de cinéfilos. Por favor, deixem-se de nostalgias, passadismos e saudosismos, esses vícios tão, tão portugueses. Olhem para o futuro. Mesmo assim, concordo com grande parte do que disseram, sobretudo no que diz respeito à grandeza de vultos como Bergman e Antonioni.
Catarina
É claro que o Cinema continua. Pode por vezes atravessar desertos de alguma aridez criativa mas acaba por renascer. Enquanto houver homens, sensibilidade e uma boa história para ver/contar, haverá cinema. Lembrem-se do cinema britânico dos anos 80 ( da bruxa Thatcher) e de como ele voltou à vida assinalado pelo MY BEAUTIFUL LAUNDRETTE. Abraços. vamos continuar a falar de cinema.
ARTUR
O Cinema tem uma relação directamente proporcional com a imaginação. Os meios ajudam (raras excepções, por exemplo, esse grande lenhador do fútil: George Lucas) mas o fundamental é a criatividade (a todos os níveis)... Portanto é legitimo esperar ciclos e obras mais criativas que outras, mas ainda está por inventar aquele que fará do cinema conforme o conhecemos, obsoleto. Lá acontecerá um dia com a introdução de novas experiências sensoriais, mas ainda vem longe…
Enviar um comentário