A praia dourava-se espreguiçada na maré vaza á sua frente. Uns destroços de redes perdidas e uma chinela sem pé decoravam as linhas monótonas e ondulantes dos limos. Corria já há cerca de dez minutos sem que o cansaço tivesse tido tempo de o alcançar. O Sol subia lento a caminho do meio-dia aquecendo cada vez mais o toque na areia seca. Uma vez por outra uma onda mais comprida obrigava-o a refrescar os pés com os salpicos da sua passagem.
Na casa de madeira ela acordava sem pressa, ainda meio cansada do sono que insistia em não acabar. Abriu os braços em jeito de preguiça e rolou o corpo para a direita acabando por chocar na ausência dele. Não ligou. Levantou-se devagar e ligou a máquina do café. Abriu a torneira do duche ( fria claro) e entrou na água sem pressa nem receio. O corpo amolecido e exausto da canseira da noite anterior adquiria agora uma rigidez mais firme e mais viva. Pela janela do duche viu uma gaivota pousada na varanda da outra casa. - Bom dia- disse. O bicho respondeu-lhe num grasnido e levantou voo.
O velho, depois de desmontar o banquinho de campanha, o apoio da cana, o farnel para a manhã e o balde do isco virou-se para o neto e esticou a linha da cana dele . Debruçado foi-lhe explicando como se enfiava a minhoca, a posição para atirar a chumbada à àgua. O neto, já com a linha no mar berrou-lhe: Quero um gelado! O avô respondeu sem tirar os olhos da linha: Foda-se.
O homem do salva-vidas desceu a rampa dos barcos e atirou-se directamente para a água. Era o único de serviço naquele dia mas tudo indicava que nada se iria passar. Nadou algumas braçadas e depois mergulhou água abaixo até sentir os ouvidos quase a rebentar. Voltou a cima e agradeceu a todos e a ninguém o milagre de estar vivo.
Um peixe mais velho e um mais pequeno passeavam junto às pedras do molhe. O Mais velho explicava-lhe que não devia nadar próximo das rochas para evitar ataques das moreias. que devia evitar correr atrás das pequenas bóias coloridas dos pescadores bem como da maioria dos reflexos metálicos à superfície. O peixe pequenino disse: já comia uma alga. O mais velho respondeu: Foda-se...
ARTUR
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
terça-feira, 30 de outubro de 2007
domingo, 28 de outubro de 2007
PERDIDOS E ACHADOS
Isto dos blogs acaba por ser como heroína mas sem fazer tanto mal á saúde. Estou retido algures num "rincón" latino-americano a escrever num teclado castelhano de acentos marados (desculpem-me qualquer pantufada na ortografia) com vontade de estar em casa a tratar da vidinha, só que, esta é que é a minha vidinha, aquela de andar de um lado para o outro como os ciganos, substituíndo as carrocas ( merda, falta-me aqui a cedilha) por avioes ( sem til, que aqui também nao mora). Lo que ocurre es que no consigo estar mucho tiempo sin me atrapar al teclado con ganas de escribir unas quantas palavras en mi blog. Viajo pelos blogs do costume, recebo noticias de uma tertúlia que, pelo menos no dia previsto já nao vai acontecer e encosto-me a ouvir a trovoada sobre as montanhas de Caracas, que troveja em ritmo de salsa, a digerir os maus resultados do meu clube que devia fechar para obras e limitar-se a formar campeones para os por a jogar nos outros clubes. Acho que arranjámos os blogs para substituir o terco das velhas ( volto a dizer: este teclado nao tem cedilha nem til...fds). Assim, teria sido simpático que algum dos colaboradores deste blog além de mim tivesse aproveitado o fim de semana para debitar umas palavrinhas para aqui, mas pelos vistos, o único agarrado sou eu. Penso na recuperacao do Paulo Santo, no filme do Luis Filipe Rocha, no gandim do meu filho mais novo que resolveu fazer uma pausa para se encher de negas na escola, na minha mulher que sai para trabalhar antes de eu chegar e do gato que desapareceu desde segunda feira da casa da avó e que duvido que volte a aparecer. Vejo o Janjan todo sorridente com os pais dele numa foto e desejo-lhes longevidade e qualidade de vida para continuarem vivos e uns com outros. Desfio o rosário no teclado castelhano e levanto os olhos ao céu para lhe fazer uma reserva de tempo quando for a minha vez de ir falar com o Mais Velho: preciso de bastante tempo para poder abracar uma data de gente( vivos e mortos), preciso de tempo para ordenar um ou dois romances que ainda estao por fazer, preciso de uma eternidade para dizer a uma quantidade de gente o muito que os amo a todos e que vou continuar a amar.
ARTUR
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sexta-feira, 26 de outubro de 2007
A OUTRA MARGEM
O Luis Filipe Rocha é dos poucos cineastas em Portugal com quem eu gostaria de trabalhar como argumentista. Infelizmente é também um dos poucos cineastas que escreve argumentos de altíssima qualidade, bastando -se a si próprio nessa área. Apaixonei-me pela sua obra desde a minha adolescência quando vi A FUGA, o seu primeiro filme em 16mm. Depois disso seguem-se CERROMAIOR, AMOR E DEDINHOS DE PÉ, SINAIS DE FOGO, ADEUS PAI, CAMARATE, A PASSAGEM DA NOITE e, há poucos dias, A OUTRA MARGEM.
Características comuns em todos os seus filmes são, primeiro a relação dos indivíduos com as mais variadas formas de manifestação do poder e, segundo a solidão. Todos os seus personagens são seres de solidão que arrastam consigo o peso das suas escolhas e dos seus sonhos. No seu mais recente trabalho, Luis Filipe Rocha continua uma série começada lá atrás em ADEUS PAI, ou seja, as relações de familia e as suas respectivas disfuncionalidades. Em A OUTRA MARGEM essa sua fase atinge um nível extremo de expressão abordando as ligações familiares a um nível de requinte e crueza até aqui inéditos. Temos um homosexual traesti, uma irmã mãe solteira de uma criança com o síndrome de Down e um pai viúvo que não quer voltar a ver o filho.
O arranque do filme que nos faz antever um excesso de melodrama a roçar a histeria de sentimentos rapidamente adquire a velocidade de cruzeiro para uma sobriedade narrativa de aceitação e ritmo próprio do respirar da(s) vida(s). A boçalidade rural e o frenesim emocional da grande cidade acabam por se apresentar nas suas roupagens naturais onde aquilo que se pode esperar é aquilo que realmente se recebe. Um bom filme, sem dúvida. Mais um de um dos melhores cineastas portugueses da sua geração
ARTUR
AINDA IREMOS A TEMPO ?
Só uma breve chamada de atenção para o nº da revista VISÃO desta semana,quase exclusivamente dedicado ao Ambiente onde se inclui um guia prático desde os comportamentos que nós podemos adoptar todos os dias, até à consciência Ambiental ter chegado à agenda dos magníficos ( isto do Gore ( que rima com Folclore) ter recebido o Nobel da Paz tem as suas vantagens). Perante a diversidade de informação acabamos por concluír: 1- Para o bem e para o mal o planeta está definitivamente em transformação ambiental e esse processo, quando muito, poderá ser eventualmente atenuado embora não volte para trás( uma espécie de doença crónica). 2- O aquecimento global é um facto, uma realidade mais grave de consequências do que se pensou inicialmente em vez de um delírio de cientistas. 3- A consciência da gravidade destes problemas que parece ter definitivamente chegado à agenda política dos centros de decisão da União Europeia, manifestando efeitos práticos para novas políticas.
Apesar de um saco cheio de boas intenções e de medidas concretas a tomar haverá uma sem fim de efeitos nocivos para o planeta e para a Humanidade que já não se poderão exterminar.
Entre o desaparecimento da Amazónia ( que continua a ser desbastada), a perturbação profunda das monções asiáticas, o degelo do Pólo Norte e o Oeste da Antárctida, e a interrupção da Corrente do Golfo, basta uma destas situações ocorrer isoladamente para que as alterações climáticas se transformem no maior( talvez último) pesadelo da humanidade. A União Europeia propõe não se exceder o tecto de aumento de temperatura acima dos 2ºC, bem como a redução de 50% das emissões globais de gases até 2050. Tudo se decidirá na conferência das Nações Unidas agendada para Bali no próximo mês de Dezembro. Resta saber se ainda vamos a tempo ou de reduzir os efeitos catastróficos, ou de sermos vítimas da nossa própria estupidez e perdermos definitivamente o direito de existir neste planeta que não soubemos preservar. A ver...
ARTUR
QUANTUM SATIS
Queiramos ou não (eu não quero !!!), a novela BCP cai-nos em cima todos os dias, em qualquer telejornal, jornal ou tele-diário. Anteontem, a notícia rezava que o Eng. Jardim Gonçalves tinha rapado do livro de cheques e liquidado a dívida do rebento, tentando pôr fim ao escândalo. Ontem, a novidade era a oferta de fusão entre o BPI e o BCP, resultando numa nova entidade chamada Millenium BCP, o que faz juz a um velho ditado africano, segundo o qual, quando o leão está prostrado, por velhice ou doença, até as hienas e os chacais lhe vêm roer os calcanhares... De repente, não mais que de repente, lembrei-me que o Eng. Jardim Gonçalves é um membro activo da Opus Dei (não confundir com Opus Gay) e que o delfim anterior, o Dr. Paulo Teixeira Pinto era também um membro eminente de tal seita. Aliás, numa entrevista dada há uns meses à revista "Visão", o Dr. Pinto declarava que aplicava diariamente uma das normas mais relevantes do ideário da Opus Dei, a saber: a "santificação" pelo trabalho. Ora, sendo o trabalho do Dr. Teixeira Pinto o empréstimo de dinheiro a juros, podemos concluir que este prócere e outros congéneres atingiram um alto grau de santidade, a avaliar pelo sucesso da instituição financeira então por ele dirigida, e por outros continuado no mesmo rumo em direcção a um qualquer Nirvana prestamista que, no caso concreto, se materializa numa santificação ante-mortem, capaz de ombrear com a beatificação dos Pastorinhos de Fátima, sendo esta post-mortem. Não sei se existe um santo padroeiro dos usurários, mas o Dr. Pinto parece-me um excelente candidato. Até ao século XVII, ou talvez um pouco antes, a Igreja Católica interditou aos cristãos a prática da usura, reservando-a aos judeus. Estes “assassinos de Cristo”, já incorriam na eterna danação, visto não possuírem alma, ou, hipótese um pouco melhor, possuírem apenas uma alma diminuída ou a meio-gás. Eram também culpados do homicídio do Filho do Homem, e de não se terem subjugado à doutrina da Igreja de Roma, pelo que podiam praticar livremente esse horrível ofício. É preciso lembrar também, caso alguém a tenha esquecido, a célebre história narrada no Evangelho de S. Mateus: um popular pergunta a Jesus Cristo se não desagradaria a Deus que o povo pagasse os impostos aos romanos. Cristo, olhando uma moeda com a efígie de César responde que é preciso dar a Deus o que é de Deus, e a César o que é de César. Os tempos, como se sabe, mudaram muito e, nos dias de hoje, a usura praticada pelo Dr. Paulo e congéneres já pode ser vista como uma actividade “ad majorem Gloriam Dei”. De ressalvar, no entanto que os próceres deste calibre trilham o perigoso caminho de atribuírem a César o que é de Deus, e a Deus o que é de César. Não serão por isso condenados a nenhum dos círculos do Inferno, descritos por Dante n' "A Divina Comédia". Apenas a algum tempo no Purgatório, espécie de férias sabáticas entre um empréstimo e uma OPA. Lembrei-me, também, de uma espécie de cimeira das grandes luminárias reunidas no Convento do Beato, angelicamente denominada "Compromisso Portugal", em que todas as eminências se dignaram verter em linguagem profana as iluminações que receberam, quiçá directamente de Deus, concernentes às soluções que permitiriam a esta cansada Pátria sair do atoleiro em que, dizem-nos, está metida. Tais soluções, parecendo novas, eram velhas, muito velhas: reclamava-se a manutenção e incremento dos chamados “centros de decisão” em território nacional, uma condição “sine qua non” para o desenvolvimento do torrão pátrio. Logo a seguir, o Dr. Vaz Guedes, um dos maiores entusiastas dessa pia intenção, vendeu a Somague aos espanhóis. Outros comprometidos terão feito outro tanto, honrando assim os compromissos que assumiram com Portugal, para benefício das suas contas bancárias e enriquecimento dos respectivos accionistas. Portanto, de “Compromisso” e de “Portugal” estamos conversados… Propunham, ainda, um “pacote de medidas” que, de uma penada, resolveriam os problemas nacionais, pondo o país a par com a miragem espanhola, criando um paraíso de “superavit”, o Psi20 no cume dos Himalaias das remunerações mirabolantes e toda a gente contentinha da vida. Para os mais distraídos, relembro que tal “pacote de medidas” consiste , sumariamente, em dois vectores: despedimentos massivos na Função Pública (250.000 funcionários); benefícios ficais – também massivos – para os empreendedores, inovadores, super-competentes e ultra-competitivos empresários e banqueiros portugueses. Recomendação filosófico-ideológica essencial: abandonar rapidamente o conceito ultrapassado de Estado Social e promover em larga escala uma verdadeira economia de mercado, libérrima e, simultaneamente conservadora, capaz de nos catapultar para o “pelotão da frente” do desenvolvimento. Descontado o português paupérrimo em que tais propostas estão redigidas (que não valem o papel e a tinta em que estão escritas), a que os franceses, na sua infinita sabedoria, chamam “langue de bois”, e o singelo facto de os santificados promotores da iniciativa ainda não terem percebido o passadismo das suas “ultra-modernas” ideias, acresce uma simples mas comovedora razão para tornar este circo tão inócuo. A saber: a menos que eu tenha acordado de um longo sono cataléptico que me tenha privado do conhecimento da realidade política nacional durante um lapso de tempo, ou que o “daemon” interior me esteja a enganar, o Primeiro-Ministro de Portugal não se chama António Carrapatoso, Américo Amorim, Dr. Paulinho, Diogo Vaz Guedes ou Belmiro de Azevedo. Nem o partido eleito pelo povo para, em seu nome, governar o país se chama Vodafone, Somague, Millenium BCP, etc. Chamam-se, respectivamente, José Sócrates e Partido Socialista. O conclave, além de santificar o "insantificável", resultou na situação actual : ninguém deu ouvidos às sábias proclamações e os santificados abocanham-se uns aos outros. Deus nos salve e guarde de tais Santos, enquanto vamos tentando sobreviver na selva
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Para o Paulo Santo
O Paulo é um amigo meu que se anda a debater com uma doença grave já há algum tempo. Esta é a minha maneira de lhe dizer..."Estou aqui, pá. Há ainda muitas coisas para fazer. recupera, levanta-te e vem." Gandabração Paulo, as melhoras.
ARTUR
POR AÍ
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO
UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO
(UN LONG DIMANCHE DE FIANÇAILLES)
Jean Pierre Jeunet
França / EUA, 2004
França, 1920. Uma jovem, Mathilde, recusa-se a aceitar a morte do seu noivo Manech, nas trincheiras da I Guerra Mundial e decide mover todos os meios de que dispõe na busca do seu paradeiro. Manech fazia parte de um grupo de soldados condenados à morte em tribunal militar por automutilação voluntária. Todos acabaram por inutilizar as suas mãos direitas na esperança de poderem vir a ser desmobilizados. O cumprimento da sua condenação consistiu em soltá-los desarmados na “terra de ninguém”, entre as trincheiras francesas e alemãs, à mercê da sua sorte, o mesmo é dizer, até que o inimigo os abatesse. Precisamente por não haver testemunho material confirmado das mortes destes soldados é que Mathilde se convence da possibilidade de encontrar o seu noivo vivo num sítio qualquer.
Tendo como ponto de partida a busca desesperada de uma mulher pelo seu noivo, vamos encontrar uma extraordinária aventura de descoberta e reencontro com o passado num riquíssimo enquadramento cénico, seguindo por um labirinto narrativo inteligente onde é preciso estar atento aos mais ínfimos pormenores.
O filme, baseado no romance de Sébastien Japrisot, leva-nos numa viagem alucinante ao drama humanitário e psíquico causado a uma vasta maioria de europeus na sequência do que foi aquilo a que alguém já chamou a “guerra civil europeia”. A bem conseguida combinação das emoções com as imagens é o primeiro trunfo estético do realizador de AMÉLIE. Mathilde e Manech cresceram na Bretanha, entre falésias imponentes, casas de granito e farois de extensas escadarias que se entretinham a subir. As imagens luminosas em tons pastel da cidade de Paris e das paisagens bretãs contrastam em definitivo com os campos da morte nas trincheiras, onde tudo é negro e cinzento. A geração perdida, ou simplesmente desperdiçada na guerra não é a única vítima destes tempos. Toda a população europeia da época é de uma forma ou de outra, vítima de maleitas mortais ou, em última análise, de manifestação permanente. As tubercoloses, as gripes, que acabaram por vitimar os pais de Mathilde, a polimelite que a deixou aleijada de uma perna, etc, sugerem uma paisagem humana mais alargada devastada por vários flagêlos.
A linha narrativa consiste na mesma história contada por mais do que um narrador ou interveniente. Uma oportunidade excelente para que outras histórias paralelas à de Mathilde se vão desenvolvendo, como as que dizem respeito aos outros soldados do grupo condenado à morte. Cada uma deixa no entanto uma parte ou contribuição significativa para a história principal. Só para dar um exemplo, veja-se a vingança de Tina Lombardi, amante do soldado corso também condenado, que vai eliminando um por um, todos os oficiais envolvidoa no tribunal militar que deu a sentença. Tina acabará por ser detida e condenada à morte, mas não sem antes se encontrar com Mathilde e lhe deixar a informação que Manech terá sobrevivido. Por Tina ficamos também a saber que os condenados tinham recebido um indulto presidencial à última da hora. Indulto esse escondido e ignorado por um dos oficiais responsáveis, também ele assassinado por Tina.
“ A guerra – diz alguém no filme – é o desperdício dos mais novos para sustentar a ganância dos mais velhos...” Sendo inquestionavelmente um dos melhores filmes do ano, UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO é também ele um sacrificado no meio das guerras da politiquice mais básica e mais saloia que podemos imaginar. Produzido pela Warner Bross o filme já foi alvo de acção judicial no país de origem pela simples razão de se definir a sua nacionalidade. Isto por causa dos subsídios ao cinema europeu serem ou não devidos neste caso. Por outro lado, grupos de activistas corsos moveram outra acção judicial por no filme um corso ser tratado como um cobarde, alguém que se desvinculava das obrigações do exército francês. Entre a chauvinice gaulesa e a tensa e nem sempre pacífica relação cultural Estados Unidos/ França o filme acabou por ser afastado da competição no Festival de Cannes por não ser considerado europeu e afastado da nomeação para o Oscar do melhor filme estrangeiro da Academia por ter feito a sua estreia em solo europeu. Sendo um filme cujo tema reflecte a herança histórica e literária do seu país e falado em francês, o facto de se arriscar a não receber nenhuma distinção em nenhum festival é no mínimo caricato. Mas nós, pobres espectadores, vamos vê-lo sem demora. Duas e três vezes, se gostarem. E depois comprem o DVD...
VIVA O CINEMA
ARTUR GUILHERME CARVALHO
(Publicado na revista CINEMA em 2005)
Gato que brincas...
gato que brincas na rua
Como se fôsse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
Como se fôsse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
terça-feira, 23 de outubro de 2007
De Tudo um Pouco
Dizia o mestre (António Lobo Antunes) aqui há alguns dias numa entrevista, que a melhor imagem que tinha da morte era a de uma puta. Concordo e assino por baixo. Mas acrescento : a morte é uma puta mas a vida também. São duas grandes putas que convivem connosco todos os dias, que temos que aturar mas que não podemos levar a sério nem muito menos dar-lhes grande importância.Não podemos acreditar nelas a não ser por breves instantes. A morte, porque é o corolário ilógico e irracional do nosso sentimento de infinito. A vida, porque nos mente, porque nos engana e porque não consegue ser a mesma em dois dias seguidos. Basta ver o exemplo do envelhecimento para reforçar esta ideia. Até podemos parecer ou agir como se tivéssemos menos 20 anos...mas não temos, por mais cambalhotas e medicamentos que tomemos. Envelhecer não tem piada nenhuma, é uma crueldade que ninguém aceita por mais cosmética filosófica que lhe queira aplicar. O que sobra então no meio deste putedo todo? Nós, ou seja, o SER... parece pouco, não dá grande conforto mas é tudo o que temos. O SER é eterno, está connosco todos os dias e só nos trai se deixarmos. É com ele que teremos que nos haver até à eternidade. E SER é suficientemente complicado. Implica uma relação sincera, um julgamento permanente das nossas atitudes, uma oportunidade soberana para evoluír. É a grande oportunidade para ser hoje melhor que ontem. Basta querer. E a responsabilidade é toda nossa. Vou tentar desenvolver esta ideia num romance futuro. Obrigado.
ARTUR
ARTUR
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
TIGRE
"Where is the Life we have lost in living?
Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?"
T.S. Eliot
Regressemos, por um instante, à caverna. Não à caverna de Platão, mas ao antro de horrores do Coronel Kurtz em "Apocalypse Now", ao momento em que ele recita ao Capitão Willard o poema "The Hollow Men" de T.S. Eliot. Foi em 1979 no antigo Cinema Monumental, o verdadeiro e antigo Cinema Monumental, um dos grandes cinemas de Lisboa que, nesse ano, inaugurava o sistema Dolby Surround. Não me lembro do mês, mas lembrar-me-ei para sempre desse dia em que a imagem e o som faziam explodir a realidade e a tornavam numa outra realidade, mais real, uma espécie de hiperrealidade sem limites. Joseph Conrad, Francis Coppola, Marlon Brando e T.S. Eliot, ouvido pela primeira vez nessa estranha tarde, numa caverna (o cinema) que continha outra caverna (a de Kurtz) que, por sua vez, estava contida dentro da caverna do Horror. Uma cabeça enorme e rapada surge da semi-obscuridade e a voz grave e profunda desfia lentamente a ladainha dos homens de palha, dos homens vazios. É o ponto de não-retorno para esse semi-deus com "eyes I dare not meet in dreams / In death's dream kingdom", e também para os seus seguidores: o horror será aí exterminado, para que possa recomeçar noutro lugar qualquer, sempre, num ciclo infernal sem fim. Desde esse dia, Eliot nunca mais me largou, e o excerto do poema em epígrafe revela, em três linhas breves e percutantes, toda a angústia, desespero e vazio do homem contemporâneo: onde foi parar a nossa vida ; o que resta dela depois de nos termos esgotado e comprometido em mil e uma inutilidades; onde encontrar a antiga sabedoria, soterrada debaixo do detrito e do ruído da comunicação e das toneladas de infromação inútil com que somos bombardeados diariamente ? O que é feito da nossa inocência, dos nossos sonhos e desejos ? Voltaremos a ser crianças, a sentir a imensa confiança, a confiança total e absoluta que nos empurrava para a frente ? Eliot já não nos responde...
"Where is the Life we have lost in living?
Where is the wisdom we have lost in knowledge?
Where is the knowledge we have lost in information?"
T.S. Eliot
Regressemos, por um instante, à caverna. Não à caverna de Platão, mas ao antro de horrores do Coronel Kurtz em "Apocalypse Now", ao momento em que ele recita ao Capitão Willard o poema "The Hollow Men" de T.S. Eliot. Foi em 1979 no antigo Cinema Monumental, o verdadeiro e antigo Cinema Monumental, um dos grandes cinemas de Lisboa que, nesse ano, inaugurava o sistema Dolby Surround. Não me lembro do mês, mas lembrar-me-ei para sempre desse dia em que a imagem e o som faziam explodir a realidade e a tornavam numa outra realidade, mais real, uma espécie de hiperrealidade sem limites. Joseph Conrad, Francis Coppola, Marlon Brando e T.S. Eliot, ouvido pela primeira vez nessa estranha tarde, numa caverna (o cinema) que continha outra caverna (a de Kurtz) que, por sua vez, estava contida dentro da caverna do Horror. Uma cabeça enorme e rapada surge da semi-obscuridade e a voz grave e profunda desfia lentamente a ladainha dos homens de palha, dos homens vazios. É o ponto de não-retorno para esse semi-deus com "eyes I dare not meet in dreams / In death's dream kingdom", e também para os seus seguidores: o horror será aí exterminado, para que possa recomeçar noutro lugar qualquer, sempre, num ciclo infernal sem fim. Desde esse dia, Eliot nunca mais me largou, e o excerto do poema em epígrafe revela, em três linhas breves e percutantes, toda a angústia, desespero e vazio do homem contemporâneo: onde foi parar a nossa vida ; o que resta dela depois de nos termos esgotado e comprometido em mil e uma inutilidades; onde encontrar a antiga sabedoria, soterrada debaixo do detrito e do ruído da comunicação e das toneladas de infromação inútil com que somos bombardeados diariamente ? O que é feito da nossa inocência, dos nossos sonhos e desejos ? Voltaremos a ser crianças, a sentir a imensa confiança, a confiança total e absoluta que nos empurrava para a frente ? Eliot já não nos responde...
sábado, 20 de outubro de 2007
NADA
Por vezes somos nada que partiu de algum lugar... Outras somos qualquer coisa que chegou a lado nenhum. Por vezes transportamos connosco o vento da nossa sombra na caminhada que parece não ter objectivo. Com as mãos cheias de nada conseguimos dar aos outros qualquer coisa. Por vezes rebentamos de desespêro por tudo à nossa volta ser nada, enchendo-nos de fel e acidez que nos podem consumir até nada sermos. Que nunca fômos nada é o que nos querem convencer quando já nada somos, para melhor aceitar o algo que sempre fomos. Por vezes separa-se o nada de nós e aí somos qualquer coisa que ri e chora e suspira e vibra e que está viva. Então percebemos que o nada ocupa um espaço de nós como o fígado ou os pulmões, mas nunca consegue ser tudo de uma vez. Se temos a consciência do Nada é porque também conhecemos o Tudo. Seremos carne e pó e terra e nada... mas nunca seremos uma coisa só. Porque cada um de nós é um enorme universo com lugar para todas as sensações e conceitos. O nada é apenas mais um...
ARTUR
ARTUR
sexta-feira, 19 de outubro de 2007
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
ALICE
ALICE
Marco Martins
Portugal, 2004
Num espaço urbano impessoal um homem caminha, mal se distinguindo sob os contornos de um fundo azul escuro e cinzento. A chuva cai ininterrupta, monótona.
Neste espaço diluído de solidão escreve-se o desespêro de um pai em busca da filha desaparecida. O seu empenho obsessivo leva-o desde a simples colocação de cartazes nos pára-brisas dos carros e nas montras das lojas até a montar uma pequena rede de videovigilância em onze locais distintos da cidade. A sua rotina diária consiste em substituír cassettes, levar o material filmado para casa e esperar que, no meio da passagam anónima de milhares de pessoas se esconda o passo da sua filha.
O filme ( exclusivamente sobre a ausência e os seus efeitos corrosivos ) surpreende pela lucidez narrativa, pela sobriedade da montagem e pela contenção dos actores. Mais do que o desenvolvimento de um tema, a realização consiste num lento e asfixiante casulo que se vai construíndo em torno do espectador, casulo esse sem princípio nem fim, uma asfixia permanente. A morte, com toda a carga trágica e dolorosa que encerra, tem um fim , resolve-se no tempo. A ausência é permanente, deixa-nos suspensos entre a esperança e a paranóia de um pesadelo do qual nunca conseguimos acordar. A mãe não resiste e tenta o suicídio. Os actores não representam, deixando-se flutuar numa atmosfera de terror, amassados pelo fantasma do absurdo e da impossibilidade.
Baseado numa história verídica, ALICE é um retrato dos nossos dias. Uma imagem onde as crianças desaparecem de forma inexplicável e onde parece quem nem tudo é feito para as encontrar. Infelizmente uma situação que começa a ser demasiadamente rotineira nas nossas vidas. Atrás do desaparacimento de uma criança há uma familia destroçada, irremediavelmente perdida no seu sofrimento.
O desespêro de ALICE é a atmosfera e o pulsar impessoal da cidade escura, onde está sempre a chover, percorrida por um formigueiro permanente de gente anónima e solitária. Filme de emoções fortes, o estado de espírito sobrepõe-se a qualquer unidade de tempo ou narrativa, enchendo por completo todo o espaço fílmico, residindo aí toda a magia e toda a genialidade deste filme. Fabuloso, diria eu, tratando-se de uma obra de estreia do jovem realizador...
Publicado na revista CINEMA nº35 - Out-Dez 2006 (www.fpcc.pt)
ARTUR GUILHERME CARVALHO
Mais Um que ninguém conhece
AS LÁGRIMAS DOS PÁSSAROS
( do trágico e do patético)
VOAR COMO OS PÁSSAROS,
CHORAR COMO AS NUVENS (um filme português)
Rui Herbon
Parceria A.M.Pereira, Livraria Editora Lda.
Em poucas décadas conseguimos perder quase tudo o que havia para perder. Perdemos a memória, esquecendo-nos de quem fomos, perdemos a identidade deixando de saber quem somos, perdemos oportunidades flagrantes de desenvolvimento e... em breve perderemos a língua para outros povos que a sabem defender e expandir com muito maior competência e empenho. Daí não ser nenhum espanto que, apesar do folclore futebolístico dos ultimos tempos, Portugal tenha deixado de ser uma Nação para passar a ser um estado de espírito vivido e espalhado pelos outros cantos do mundo, e os portugueses um breve equívoco do Criador...
Somos tragicamente patéticos, ou pateticamente trágicos, o que vai dar no mesmo. Trágicos, por termos perdido a identidade deixando de existir. Patéticos, por essa perda se dever unica e exclusivamente à nossa vontade e não a nenhuma maldição ou acção funesta exterior a nós. Daí que a arte séria que (ainda) se consegue fazer neste país seja ou triste ou hilariante.
Vem tudo isto a propósito de VOAR COMO OS PÁSSAROS, CHORAR COMO AS NUVENS de Rui Herbon, Prémio Narrativa Eixo Atlântico 2002. Uma primeira obra extremamente bem estruturada que contém o retrato de uma familia portuguesa ao longo de três gerações e que, se não espanta, pelo menos encanta e obriga a reflectir. O autor nasceu em 72, dois anos antes do 25 de Abril. Faz parte de uma geração ( mais uma ) que cresceu entre dois mundos, um de memória e outro em obras para abrir no futuro, vendo o seu crescimento perder-se nas esquinas armadilhadas do processo histórico. Prosseguindo a maldição própria de quem nasce entre mundos ( não pertence a nenhum) , o caminho é muito mais duro e poucos os oásis para descansar.
O romance acompanha a trajectória existencial de três gerações, avós, pais e netos, desde o pleno Estado Novo até aos dias de hoje, passando pela guerra colonial e o 25 de Abril. Com um discurso límpido, o romance atravessa, sempre em discurso directo, o apogeu e declínio da ditadura, a turbulência subsequente ao seu fim e o pós... pós... qualquer coisa dos dias que vivemos, com o pano da União Europeia em fundo. Três gerações que de comum têm a tristeza ou melhor dizendo, a amargura que as suas opções, as suas obrigações e os seus afectos lhes determinaram. A vida é um percurso obrigatório, inúmeras vezes fustigado pelos ventos da História, alimentando-se assim a eterna dúvida de quem determina quem, se os homens se o processo histórico. Ou se homens determinam a vida de outros homens embora não a sua própria existência. O livro fala sem dúvida de nós, das maiores profundezas do Ser até às armadilhas que colocamos e que acabam por nos apanhar. Pelo meio uma rede de afectos que se vai esfiapando ao sabor da idade, dos equívocos e das mentiras que nos repetimos até que pareçam verdades. O Amor, que nada tem a ver com esta história, limita-se a ocupar um lugar de memória e utopia irremediavelmente perdida no volume das dores e dos enganos. O cenário é Portugal e a sua história mais recente. Nem bom nem mau... simplesmente o que nos calhou.
Para além da qualidade da narrativa, gostaria de destacar a estrutura formal do romance, que não sendo de forma nenhuma inédita, continua a ter o impacto da raridade no panorama literário nacional. Como já foi dito atrás, todas as personagens falam em discurso directo, cabendo ao leitor estabelecer as pontes entre elas. Uma atitude no mínimo corajosa que o autor arrisca saíndo vencedor em toda a linha. Por estas linhas passa indiscutivelmente a influência de António Lobo Antunes, o retratista de serviço dos ultimos trinta anos ao nosso inconsciente colectivo. A inovação formal que introduziu na literatura portuguesa de forma consistente, a radiografia nua e crua de um povo triste numa terra hostil, etc, são elementos que influenciaram e continuarão a influenciar sucessivas gerações de escritores. Até a escolha do título, ao referir os pássaros, nos remete para uma das melhores e mais emblemáticas obras do escritor ( Explicação Dos Pássaros ).
Rui Herbon afirma-se na sua primeira obra como escritor de corpo inteiro, justificando todas as palavras de apreço e incentivo de continuidade. Afectivamente límpido, intelectualmente honesto e narrativamente muito bem estruturado. Um trabalho a não perder...
ARTUR GUILHERME CARVALHO
( do trágico e do patético)
VOAR COMO OS PÁSSAROS,
CHORAR COMO AS NUVENS (um filme português)
Rui Herbon
Parceria A.M.Pereira, Livraria Editora Lda.
Em poucas décadas conseguimos perder quase tudo o que havia para perder. Perdemos a memória, esquecendo-nos de quem fomos, perdemos a identidade deixando de saber quem somos, perdemos oportunidades flagrantes de desenvolvimento e... em breve perderemos a língua para outros povos que a sabem defender e expandir com muito maior competência e empenho. Daí não ser nenhum espanto que, apesar do folclore futebolístico dos ultimos tempos, Portugal tenha deixado de ser uma Nação para passar a ser um estado de espírito vivido e espalhado pelos outros cantos do mundo, e os portugueses um breve equívoco do Criador...
Somos tragicamente patéticos, ou pateticamente trágicos, o que vai dar no mesmo. Trágicos, por termos perdido a identidade deixando de existir. Patéticos, por essa perda se dever unica e exclusivamente à nossa vontade e não a nenhuma maldição ou acção funesta exterior a nós. Daí que a arte séria que (ainda) se consegue fazer neste país seja ou triste ou hilariante.
Vem tudo isto a propósito de VOAR COMO OS PÁSSAROS, CHORAR COMO AS NUVENS de Rui Herbon, Prémio Narrativa Eixo Atlântico 2002. Uma primeira obra extremamente bem estruturada que contém o retrato de uma familia portuguesa ao longo de três gerações e que, se não espanta, pelo menos encanta e obriga a reflectir. O autor nasceu em 72, dois anos antes do 25 de Abril. Faz parte de uma geração ( mais uma ) que cresceu entre dois mundos, um de memória e outro em obras para abrir no futuro, vendo o seu crescimento perder-se nas esquinas armadilhadas do processo histórico. Prosseguindo a maldição própria de quem nasce entre mundos ( não pertence a nenhum) , o caminho é muito mais duro e poucos os oásis para descansar.
O romance acompanha a trajectória existencial de três gerações, avós, pais e netos, desde o pleno Estado Novo até aos dias de hoje, passando pela guerra colonial e o 25 de Abril. Com um discurso límpido, o romance atravessa, sempre em discurso directo, o apogeu e declínio da ditadura, a turbulência subsequente ao seu fim e o pós... pós... qualquer coisa dos dias que vivemos, com o pano da União Europeia em fundo. Três gerações que de comum têm a tristeza ou melhor dizendo, a amargura que as suas opções, as suas obrigações e os seus afectos lhes determinaram. A vida é um percurso obrigatório, inúmeras vezes fustigado pelos ventos da História, alimentando-se assim a eterna dúvida de quem determina quem, se os homens se o processo histórico. Ou se homens determinam a vida de outros homens embora não a sua própria existência. O livro fala sem dúvida de nós, das maiores profundezas do Ser até às armadilhas que colocamos e que acabam por nos apanhar. Pelo meio uma rede de afectos que se vai esfiapando ao sabor da idade, dos equívocos e das mentiras que nos repetimos até que pareçam verdades. O Amor, que nada tem a ver com esta história, limita-se a ocupar um lugar de memória e utopia irremediavelmente perdida no volume das dores e dos enganos. O cenário é Portugal e a sua história mais recente. Nem bom nem mau... simplesmente o que nos calhou.
Para além da qualidade da narrativa, gostaria de destacar a estrutura formal do romance, que não sendo de forma nenhuma inédita, continua a ter o impacto da raridade no panorama literário nacional. Como já foi dito atrás, todas as personagens falam em discurso directo, cabendo ao leitor estabelecer as pontes entre elas. Uma atitude no mínimo corajosa que o autor arrisca saíndo vencedor em toda a linha. Por estas linhas passa indiscutivelmente a influência de António Lobo Antunes, o retratista de serviço dos ultimos trinta anos ao nosso inconsciente colectivo. A inovação formal que introduziu na literatura portuguesa de forma consistente, a radiografia nua e crua de um povo triste numa terra hostil, etc, são elementos que influenciaram e continuarão a influenciar sucessivas gerações de escritores. Até a escolha do título, ao referir os pássaros, nos remete para uma das melhores e mais emblemáticas obras do escritor ( Explicação Dos Pássaros ).
Rui Herbon afirma-se na sua primeira obra como escritor de corpo inteiro, justificando todas as palavras de apreço e incentivo de continuidade. Afectivamente límpido, intelectualmente honesto e narrativamente muito bem estruturado. Um trabalho a não perder...
ARTUR GUILHERME CARVALHO
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
O TEMPO DOS AMORES PERFEITOS
Tiago Rebelo não é propriamente um desconhecido no panorama literário, contando na sua obra títulos como "Romance em Amsterdão", "Encontro em Jerusalem" e "És o meu Segredo". Esta sua mais recente proposta faz-nos embarcar numa viagem no tempo acompanhando o desenrolar de uma paixão. No ano de 1894 a coroa portuguesa vê-se a braços com uma crise nas suas colónias. Na Conferência de Berlim, realizada anos antes entre as grandes potências europeias foi decidido que para reclamarem espaços como pertencentes às suas soberanias tinham que provar a sua efectiva ocupação. Para Portugal ser reconhecido enquanto dono e senhor dos territórios, ou apresentava provas da sua efectiva ocupação ou perdê-los-ia para outra potência. O exército português desenvolve então um esforço de ocupação, negociação diplomática e combate com todas as tribos residentes nos territórios africanos consoante as suas opções. O jovem tenente Carlos Montanha é um dos muitos soldados que empregaram uma boa parte das suas vidas nesse esforço. Numa viagem entre Lisboa e Luanda conhece Leonor, a encantadora filha do Governador da Lunda. Entre eles nasce uma paixão arrebatada que se irá desenrolar entre inumeras peripécias desde os conflitos com a aceitação por parte da familia dela até aos encontros e desencontros dos dois jovens.
Entre a ficção e a reconstituição histórica o leitor tem oportunidade de seguir por várias dimensões de enriquecimento cultural e espiritual que o deixarão bastante agradado. Portugal no final do séc.XIX, a política colonial da altura, a sociedade, etc. Temos história, temos HIstória e temos de certeza Escritor. Leiam... não se arrependem.
ARTUR
Ruas Do meu Bairro
Pelas ruas de Campo de Ourique sopram ventos conspirativos de reuniões anónimas onde se nomeia o comando para o regicídio. Num chapéu de côco, mãos trémulas tiram à sorte papelinhos dobrados com nomes escritos. Pelas ruas de Campo de Ourique passinhos curtos de calças de fazenda apertadas deslocam-se do tasco para casa deixando caír cinzas de cigarro "mata-ratos" e folhas de poemas no chão. Passos molhados nas poças respigam a madrugada em canteiros de rés-do-chão acordando as sardinheiras. Trote de cão desesperado procura vão de escada aberto para fugir do frio. Uivos prolongados semelhantes a choro de crianças antecipam um combate felino. Pelas ruas do meu bairro caminham passos, ora depressa ora devagar, hesitam, recomeçam. O som das solas na pedra do passeio ecoa nas paredes. Mãos trémulas retiram mais um rádio de um carro com uma pancada seca num vidro. Braços pintados de manchas rôxas destacam uma veia com a ponta de um sonho que vem todas noites mas nunca fica para o pequeno-almoço. Um bêbado canta um fado sem letra em piruetas executadas no vazio. Uma velha desfia o rosário ao lado da máquina de coser Singer, só para espantar a solidão. O padeiro retira a primeira tábua carregada de papo-secos. Pelas ruas de Campo de Ourique passam passos de várias côres e tamanhos, atitudes e momentos. E, no bater destes passos...bate o meu coração. CHANDÔ FOREVER !!!
ARTUR
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LEMBRAM-SE, QUARENTÕES ?
Nostalgia ? Nem por isso. Identidade ? Alguma. Força de VIDA ? Toda ! O bacano do clip é o Diogo Dória. As imagens são da peça de teatro INIMIGOS de Nigel Williams, exibido por cá no Clube Estefânia nos anos 80. Encenação Carlos Wallenstein; Actores : Diogo Dória, Miguel Guilherme e Pedro Wilson entre outros.Curtam...
ARTUR
sábado, 13 de outubro de 2007
THE SAINTS ARE COMING
Uma tragédia colossal, milhares de vidas perdidas, o abandono pelas autoridades, duas bandas do outro mundo, a solidariedade, a raiva, a força da vida. Coktail explosivo de emoções. Às vezes vale a pena ser parte da espécie humana...outras nem por isso.
ARTUR
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
A ENTRADA do ARNALDO
Bem vindo irmão, a esta casa que é tua. Obrigado pelo teu texto do cinema. Para os que costumam visitar este blog, ficai sabendo que com a colaboração de Arnaldo Mesquita este humilde espaço de debate e prazer adquiriu a sua totalidade. Duas sombras juntam-se para dar forma a uma única imagem, à imagem total. Não há temas nem matérias fixas, apenas o puro prazer de falar de cinema, de livros e do mais que vier.
ARTUR
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quarta-feira, 10 de outubro de 2007
CINEMA HOJE ?
Depois da morte de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, passamentos quase simultâneos no mês de Julho, creio que se fechou um ciclo, que terminou uma época de ouro que os dois cineastas marcaram decisivamente através do seu contributo para a definição do cinema como superior forma de expressão artística. Acredito, sem qualquer nostalgia, apenas com uma espécie de lucidez magoada, que nada voltará a ser como foi, agora que Bergman nunca mais abrirá aquilo que o crítico inglês David Thompson definiu como "janelas da alma". Acima de tudo, assistimos à morte simbólica de um modo de perscrutar os abismos da identidade humana, representando-os numa trama espácio-temporal que, num alto grau, é simultaneamente estética, ética e política. Quando vi pela primeira vez "Persona" de Ingmar Bergman, sem o ter comprendido muito bem - ainda hoje, depois de o ter revisto dezenas de vezes, duvido ter atingido o cerne ou a totalidade da sua imensa riqueza de significados, sentidos cruzados e intenções - , percebi que , para além das teorias de autor e de todas as determinações estéticas, existia um modo de conceber o cinema assente num fluxo incessante de imagens que se conectavam directamente com a psicologia do espectador, com a sua sensibilidade e inteligência emocional, capaz de provocar um curto-circuito nos pressupostos e certezas adquiridas com que se enfrentam o mundo e os outros, ou melhor, o Outro. Esta é para mim a principal qualidade de Bergman: a capacidade de olhar para os rostos e neles adivinhar a alma e as suas tempestades secretas. O futuro do cinema não é, pois, um dos "amanhãs que cantam". Será, acima de tudo, um meio de comunicação de massas no pior sentido: digital, impessoal, transitório, superficial. Espero estar enganado.
Arnaldo
Arnaldo
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
CINEMA HOJE
Dei por mim a fazer contas. Já não vou ao cinema quase há um ano. Não porque não goste, não porque não consiga arranjar tempo, mas principalmente porque o cinema se tornou num parque temático para anormais em vez de uma Arte digna desse nome. Nos últimos anos o cinema "atabafou-se" de efeitos especiais e histórias idiotas e rendeu-se completamente á contabilidade esquecendo a Humanidade. E se não fôsse um senhor chamado Paulo Branco que insiste em delírios de obstinado e resistente distribuidor, em termos cinematográficos podíamos ser mais um estado americano no que ao entretenimento diz respeito.
Como qualquer forma de arte digna desse nome, o Cinema já foi um espaço de debate, de denúncia, de reflexão, ajudando a Humanidade nessa infinita tarefa que é a de se conhecer a si e ao mundo onde vive. Nada tenho, como nunca tive, contra o puro entretenimento, as histórias da "carochinha", a imprensa côr de rosa e a literatura "light". Não posso aceitar é que essas modalidades ocupem todo o espaço disponível, deixando às outras as ruas para passear. Quero ver mais cinema europeu!!! Quero ver mais filmes do resto do mundo, estudos comparados, debates de opinão, quero conhecer melhor a História do meu país tratada cinematográficamente. Quero ser um cidadão do meu território em vez de saber melhor a historiografia americana em prejuízo da minha. Perdermos a nossa cultura é perdermos a nossa identidade. E quem perde a identidade cultural pura e simplesmente...não existe. Eu, pessoalmente quero continuar a existir.
ARTUR
Como qualquer forma de arte digna desse nome, o Cinema já foi um espaço de debate, de denúncia, de reflexão, ajudando a Humanidade nessa infinita tarefa que é a de se conhecer a si e ao mundo onde vive. Nada tenho, como nunca tive, contra o puro entretenimento, as histórias da "carochinha", a imprensa côr de rosa e a literatura "light". Não posso aceitar é que essas modalidades ocupem todo o espaço disponível, deixando às outras as ruas para passear. Quero ver mais cinema europeu!!! Quero ver mais filmes do resto do mundo, estudos comparados, debates de opinão, quero conhecer melhor a História do meu país tratada cinematográficamente. Quero ser um cidadão do meu território em vez de saber melhor a historiografia americana em prejuízo da minha. Perdermos a nossa cultura é perdermos a nossa identidade. E quem perde a identidade cultural pura e simplesmente...não existe. Eu, pessoalmente quero continuar a existir.
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O LIVRO DOS DIAS
Roger, Duque de Lunel, um comandante da Primeira Cruzada (1096-1099), escreveu um diário que acabou por entregar aos clérigos da igreja de St.Gilles de Lunel até que algum descendente seu se apresentasse na abadia. O autor do livro, um americano de origem francesa, numa viagem à Europa decidiu conhecer um pouco da história dos seus antepassados. Foi assim que tomou conhecimento da existência deste diário.
O manuscrito datado dos finais do séc. XII é considerado o único testemunho presencial da I Cruzada escrito em francês Antigo ou Provençal, os outros foram escritos em Latim. Demorou cinco anos a ser traduzido do Provençal medieval até chegar ao inglês contemporâneo. Não será nenhum exagêro considerar este diário quase sagrado na medida em que nele podemos encontrar um guia priveligiado a um dos mais importantes acontecimentos na Europa medieval: a primeira grande expedição a Jerusalém. Sendo um diário de uma viagem, ao longo da sua leitura vamo-nos apercebendo de dois níveis, ambos importantes, de transformação. Se por um lado temos o privilégio de acompanhar as peripécias, os factos, os sonhos e os enganos da expedição e a forma como evoluíram, por outro vamos no papel de confissor silencioso assistindo ao percurso espiritual de um homem que partiu no seio dos mais elevados propósitos religiosos e que ao longo do caminho vai questionando o seu mundo em termos da verdadeira motivação dos seus companheiros, a barbaridade em si, bem como a sua própria identidade. Uma enorme aventura de guerra e de fé, talvez o testemunho mais completo da Primeira Cruzada que chegou aos nossos dias. Uma viagem espiritual que sendo dolorosamente profunda se torna insuportavelmente sincera. Uma ótima sugestão de leitura, lição de história e de vida.
ARTUR
domingo, 7 de outubro de 2007
7 DE OUTUBRO
7 de Outubro, dia especial de qualquer coisa que tenha acontecido, mas não me recordo de nenhuma assim de repente. Olho para o Borda d'Água: Domingo, Nª Sª do Rosário, Feriado Municipal em Oliveira de Frades. Saravá! Um grande abraço para a malta de Oliveira de Frades...Não bebam muito, não façam nada que eu não fizesse em dia de festa... 7 de Outubro : percorro as artérias semi-desertas desta cidade que sempre considerei minha e que amo com uma fidelidade canina apesar de não ter nascido nela. O dia está agradável, um Sol outonal aconchegante. Lá em baixo o rio espreguiça-se lentamente como se adivinhasse que é Domingo. Pais e filhos percorrem Monsanto a pé e de bicicleta em grande camaradagem. Mesmo aquela mulher que está todos os dias naquela curva da mata tirou o dia de folga. O filme do Paul Auster estreia para a semana, quero ver se não me esqueço. Volto para casa e sento-me aqui a debitar texto, a deitar conversa fora porque é a única coisa que me apetece fazer. O romance em andamento não anda já há alguns dias. Ás vezes irrita-me. Penso numa Lisboa de há 80 anos atrás, certamente muito diferente da de hoje. Mas as pessoas, não. Os mesmos instintos básicos, da sobrevivência à procriação. Mais fome, mais pobreza? Claro que sim. Como seria um Domingo no tempo em que os meus avós namoravam ? Que andariam eles a fazer a 7 de Outubro ? Não sei. Mas em Oliveira de Frades, de certeza que havia festa rija.
ARTUR
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NUNO BRAGANÇA
Nuno Bragança nasceu em Lisboa em Fevereiro de 1929. Frequentou Agronomia mas acabou por se licenciar em Direito na Universidade de Lisboa. Os seus primeiros textos literários são publicados logo nos seus tempos de estudante universitário no jornal Encontro ( orgão da Juventude Universitária Católica). Dessa altura destacam-se "A Morte da Perdiz", "O Guardador de Porcos" mais tarde integrado no romance A Noite e o Riso, como Painel Final) ou "Gulliveira e os Liliputos", este último escrito em colaboração com Luis de Sousa e Costa, Manuel de Lucena e M.S.Lourenço. Nessa primeira fase manifestavam-se já as principais características e influências literárias da sua obra. O Surrealismo e a literatura americana dos anos 40 ( Faukner e Hemingway) mais alguma poesia modernista inglesa (T.S.Elliot) estavam presentes no seu trabalho. Escreveu também inúmeras críticas cinematográficas, tendo sido fundador e dirigente do Cine Clube "Centro Cultural de Cinema". Ainda no cinema foi co-autor do argumento do filme VERDES ANOS do cineasta Paulo Rocha. Foi cronista, romancista, advogado e activo participante cívico em movimentos como o dos católicos progressistas. EM 1968 radicou-se em Paris trabalhando na representação permanente de Portugal junto da OCDE. A sua crescente actividade literária aumentava paralelamente à sua arriscada acção política levando-o a aproximar-se das Brigadas Revolucionárias. Em 1972 regressou a Portugal e foi assessor de Mário Murteira no Ministério do Trabalho a seguir ao 25 de Abril de 74.
A publicação em 1969 de A Noite eo Riso, o seu primeiro romance, revelou-se um acontecimento vanguardista e assombroso no panorama literário português. Seguiram-se "Directa" (1977), " Square Tolstoi" (1981) e a colectânea de contos "Estação" (1984). Após a sua morte em 1985, foi publicada a novela "Do Fim do Mundo" (1990). A obra de Nuno Bragança é um marco importantíssimo para compreendermos a literatura portuguesa do séc. XX. Inovadora, apaixonada e desconcertante, abriu portas para que outros autores seguissem um caminho de análise cáustica, crua e libertária do nosso mundo e da espécie humana em geral. Autor obrigatório.
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UM SÁBADO EM FAMÍLIA
Assim deve acontecer. Junta-se um grupo de amigos numa sala acolhedora, trazem-se uns livros para abrir as conversas e dá-se o milagre da vida. Falamos uns com os outros, analisamos este e aquele aspecto da vida, das nossas existências, ou ficamos ali simplesmente com um café caseiro a bailar-nos nos beiços, a ouvir o que os outros dizem...o que os outros leram. A Literatura como a arte em geral têm uma função muito específica : ajudar o Homem a conhecer-se a si e ao mundo. O conhecimento liberta e a criação eleva-nos o espírito. Na Sociedade Musical de Cascais, esperemos que muitas mais iniciativas como esta aconteçam. Por mim vou a todas as que puder. Parafraseando o José Maria: A Arte é tudo porque só ela tem a duração, e tudo o resto é nada. Um abraço ao Kafka.
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sexta-feira, 5 de outubro de 2007
VIVA A REPÚBLICA
A revolução republicana faz hoje 97 anos e caminha a passos largos para o seu primeiro centenário. Na altura havia apenas outro regime idêntico em toda a Europa, o francês. Em 1910 o regime monárquico apodrecia por dentro e entrava em circuito fechado sem soluções à vista. O estado de graça da monarquia constitucional termina cerca de 30 anos antes com a questão do Mapa Côr de Rosa. Intelectuais e operários encabeçam a luta do movimento republicano, arrastando consigo uma enorme massa urbana de uma classe média cansada de se ver sistemáticamente esquecida tanto nos privilégios sociais como na hora da distribuição da riqueza. Republicanos, socialistas e anarquistas, ao fim de algumas tentativas goradas, conseguem finalmente triunfar e inaugurar uma nova era no início do séc. XX. O que aconteceu depois pode e deve ser lido em duas vertentes: a do espírito e a da ganância. Se por um lado, uma vez estabelecida a ordem republicana o crescimento de grupos e sub-grupos políticos e sociais criam a instabilidade política, governativa e social, por outro o conceito de "cidadão", o combate ao analfabetismo, o progresso das artes e ciências conheceram tempos de glória durante este período. As pessoas passaram a valer pelas suas capacidades e não pelo acidente do nascimento. A consciência social permitiu uma melhoria muito considerável nas condições de vida das pessoas. Factores negativos como a corrupção, a nossa participação na I Guerra Mundial, o desiquilíbrio financeiro bem como a ausência de soluções governativas concretas e duradouras, ditou o fim de um regime. Mas foi tempo de festa e de luta e muitos dos que passam a vida a vivei como os cogumelos à volta das árvores tiveram que procurar ainda que temporariamente, outra floresta para explorar. Durante a festa estivémos vivos e fizémos coisas importantes. A República e o sistema republicano continuam hoje em dia a ser um dos sistemas mais equilibrados que conhecemos. As suas doenças e os seus erros confrontam-se directamente com a possibilidade de serem corrigidos, a bem ou a mal. Raios partam a casa de bragança que tanta merdança no fez caír em cima. Viva a República !
ARTUR
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quinta-feira, 4 de outubro de 2007
CONVERSA DO VAZIO
Quando é certo e sabido que o "depois" virá, o que menos importa é saber quando e de que forma; quando nos aprumámos do lado de fora da vida, depois de bater e antes de entrar, estávamos no mesmo território. O tal buraco que a memória insiste em não devolver. O lado fantasista da imaginação que, como sabemos, não é tão infalível como isso. De lá viemos e para lá voltaremos, sem perceber nem querer, nem decidir. Foi entre as duas portas, a de entrada e a de saída, que tudo, ou quase, se passou nos domínios da nossa vontade. O resto é música, baile e laracha de pensadores. Não há que temer o nosso fim mas o fim dos outros pela falta que nos fazem, pelo amparo que se escapa no frágil equilíbrio da caminhada. Os afectos que partem à nossa frente doem mais que a nossa partida. E enquanto isto dura, bebemos uns copos e damos uns traques, pedimos às nuvens que chovam noutro dia. Vamos à bola com os amigos gritar e gritar e arrasar a garganta. De resto, mais nada.
Impossível lamentos, ódios e medos, os três piores venenos da alma. Há uma porta em todas as casas que somos. E em nenhuma casa se fecham todas as portas e todas as janelas ao mesmo tempo. Nunca. no fundo de uma garrafa, no meio das pernas de uma mulher, na gargalhada de uma criança, no alto de uma montanha numa manhã de Verão há uma luzinha teimosa que insiste em nos ligar a qualquer coisa boa, que não nos espera do outro lado, antes nunca nos abandonou. E é essa luz que interessa.
ARTUR
Impossível lamentos, ódios e medos, os três piores venenos da alma. Há uma porta em todas as casas que somos. E em nenhuma casa se fecham todas as portas e todas as janelas ao mesmo tempo. Nunca. no fundo de uma garrafa, no meio das pernas de uma mulher, na gargalhada de uma criança, no alto de uma montanha numa manhã de Verão há uma luzinha teimosa que insiste em nos ligar a qualquer coisa boa, que não nos espera do outro lado, antes nunca nos abandonou. E é essa luz que interessa.
ARTUR
CONVITE
A ti, visitante do meu blog que não me visitas, gostaria de te convidar a estares presente no próximo Sábado, dia 6, na Associação Musical de Cascais, onde vou aproveitar para fazer um pequeno debate sobre o meu último livro A Conspiração Mercuriana. As hostilidades deverão começar por volta das 16 horas.
Artur
Artur
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
A UMA DEUSA CONHECIDA
Não me esqueci. Se estivesses viva terias feito 102 anos no último dia 30. Não me esqueci nem nunca o farei. Trouxeste-me do mundo das fraldas e das incertezas para o mundo dos adultos. Brincaste comigo às escondidas, jogámos ao burro e várias vezes as tuas palavras foram a paz suficiente e necessária para encarar os meus demónios com um superioridade que os afastava e os fazia deixar de me atormentar. Ainda e sempre vives em mim. Na festa sobre os meus cabelos após um pesadêlo, que me devolviam em tempo nenhum à terra dos sonhos, na tua consciência de que nada te devia a não ser a aobrigação de tratar os que viriam depois, tanto ou melhor do que me trataste a mim, da tua sabedoria encantadora que me fez abrir portas e conviver com os fantasmas sem os recear, o cheiro do teu pó de arroz, a tua energia que parecia nunca acabar, o teu amor por mim.
Se fôsses viva tinhas feito 102 anos. Um beijinho, avó...parabéns.
ARTUR
Se fôsses viva tinhas feito 102 anos. Um beijinho, avó...parabéns.
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MARCAR PASSO
Reparei que, com a força de escrever as palavras e a velocidade desadequada existente entre o pensamento e o desempenho do teclado há uma ou duas gralhas, essencialmente de ortografia, em alguns textos já aqui publicados. Pelo facto, as minhas desculpas a todos aqueles que não me vieram visitar. Chega mais um Outono com os cinzentos da chuva e o "slalom" do Sol entre a luz e as sombras. Recordações variadas atropelam-se-me no sotão das memórias. Começos e recomeços, histórias muito bonitas e outras nem por isso. Os últimos dias de férias com um amigo eterno nas paragens de Sintra, o regresso, vários, ás aulas nos tempos de estudante, uma nova relação... Seja como fôr, era uma estação de paragem e recomeço, de frio ainda bem educado e côres tranquilas de verde até ao castanho das folhas das árvores.Na última VISÃO o Mestre explica como é a vida depois do cancro enquanto vai coleccionando prémios e prestígio pelo mundo fora. Está mais calmo e menos rebelde. Como se viu apertadinho agora entrou numa de "passarinhos" e só vê boas pessoas neste pedaço de trampa a que insistimos em chamar país. Talvez na intimidade, como lhe cheira que daqui a não muito tempo vai a andar daqui para fora, esqueça a mágoa de se ser escritor em Portugal. Ignorado, imcompreendido e escarnecido. Por mais prémios e prestígio coleccionados pelo mundo fora, dói sempre fundo a ignorância do nosso trabalho pelos que nos estão mais próximos. Mas é assim, sempre foi e não há volta a dar-lhe. Há até quem diga que Camões escreveu os Lusíadas para se vingar deste "povinho de merda" que ao longo da vida só lhe fez todas as diabruras de que se conseguiu lembrar. Morreu triste, sozinho e amargurado. E nem sequer o corpo que resolveram colocar nos Jerónimos lhe pertence por ter ido para á vala comum do seu temo. Em compensação massacrou gerações sucessivas de estudantes com uma lengalenga de glórias e aventuras, terrível de ler quando se é novo, um argumento digno do Manoel de Oliveira que nunca mais acaba. É claro que não foi só isso, nem a Grande Obra se esgota numa apreciação simplista. Mas para estes cavalos é ter o que merecem. É Outono e tudo continua na mesma. Só mesmo a morte ou as suas aproximações para nos devolverem a consciência de uma identidade. Que se lixe... Viva o Sporting
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