quinta-feira, 29 de junho de 2023

CENAS EM PENAS

 

Primeiro escolhe-se uma atmosfera agradável, digamos um fim de tarde de Verão, num cenário urbano meio degradado, entre o antigo e o remodelado às três pancadas. Uma esplanada breve com duas mesas cá fora, dois ou três figurantes sentados mesmo ao lado de uma porta que dá para o interior de um café escuro. Talvez fitas penduradas na entrada para espantar moscas. Depois na parede esfarolada a cara de alguém idoso, sorridente e talvez uma frase feita escrita por baixo para chamar a atenção. Panorâmica lenta da esquerda para a direita aberta em Plano Médio. Numa das mesas um jovem está atento a ler com uma mão debaixo do livro e outra a fazer festas distraídas à chávena do café. Um gato que não foi contratado entra em campo e resolve deitar-se mesmo no enfiamento da entrada do café atrapalhando a circulação para quem quer entrar e sair. O empregado tem tempo de o ver antes de sair disparado com a bandeja das bebidas. Faz uma breve pirueta de tango, meia volta atrás para diminuir a velocidade e está pronto a contornar o obstáculo que aproveita para fazer a sua higiene diária. Na outra mesa um casal de namorados cujos corpos reclamam do calor espojados nas cadeiras. Tocam-se com a ponta dos dedos remetendo ao mínimo o aumento das temperaturas de cada um. Na esquina logo a seguir à esplanada um velho sentado no chão com uma bengala na mão e um saco de plástico na outra. Respira devagar com o olhar inclinado para cima. Teve que fazer uma paragem para retomar o fôlego antes de prosseguir. O empregado volta para dentro, estende a mão para dentro do balcão e encontra a cerveja interrompida pelo último serviço. Leva o copo à boca e mata o resto da sede. O leitor fecha o livro e fica a meditar no que leu, os namorados pedem a conta e o velho consegue finalmente pôr-se de pé e arrancar. O gato aproveita uma sombra numa cadeira vazia e prepara-se para a sesta. No ar não corre uma brisa. O cenário continua a desfazer-se, a frase por baixo da cara desenhada na parede deixa de se conseguir ler e tudo fica em degradação lenta até se fazer ouvir a voz do realizador.

     Corta!

 

Artur

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