Há um bar mal iluminado e triste num canto perdido da cidade
com homens lá dentro. Há uma mulher velha ao balcão que aparece sempre a meio
da tarde e sai pela hora do jantar sem dizer nada, cambaleante com um saco de
plástico na mão. Há um corvo que esvoaça de tempos a tempos por cima dos
clientes e que escolhe um distraído para lhe roubar a cerveja. O dono e o
empregado embalam uma dança sonolenta atrás do balcão ao ritmo dos pedidos. Há
uma música de fundo que mal se ouve, um piano hesitante que tropeça no ar mas
que quase ninguém ouve. No bar mal iluminado há sombras e fantasmas de gente
ora sentada ora em pé a fumar cigarros intermináveis como se estivessem á
espera de qualquer coisa. Qualquer coisa que nunca chega. Ao fundo há um
maestro frustrado que conduz uma orquestra imaginária de vez em quando em
movimentos enérgicos. Depois senta-se, agarra a caneca de cerveja com muito
cuidado e levanta-a com os braços muito magros e trémulos. Um desgosto de amor
tirou-lhe a força e a vontade. Sobrou-lhe o talento e a arte que de nada lhe
servem. No bar mal iluminado há gente que se abstém de sentir, de viver, de ser
gente. Há fantasmas deambulantes que esperam qualquer coisa sem nada esperar.
Um espaço onde já tinha sido uma igreja deu lugar a outra religião com rituais
e deuses diferentes. No espaço mal iluminado cheio de seres há o vazio da
escuridão e o testemunho dos copos a tentar explicar que alguma coisa se vai
passando por ali. Mas ninguém liga, ninguém quer saber. Amanhã o prédio será
demolido para dar lugar a um condomínio de luxo, ou um centro de lojas, ou um
parque de estacionamento. Amanhã talvez alguma coisa aconteça ou talvez tudo
fique na mesma e os fantasmas continuarão a reunir-se ali debaixo de uma música
que mal se ouve ao lado de um maestro que conduz uma orquestra imaginária e um
corvo bêbado que já não consegue levantar voo. E em cima do balcão um livro de
capa azul ao alto. Um livro qualquer a quem ninguém presta atenção, único
objecto em pé num cenário deitado, adormecido, esquecido no tempo
Artur
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