domingo, 18 de junho de 2023

ATMOSFERAS

 

Há um bar mal iluminado e triste num canto perdido da cidade com homens lá dentro. Há uma mulher velha ao balcão que aparece sempre a meio da tarde e sai pela hora do jantar sem dizer nada, cambaleante com um saco de plástico na mão. Há um corvo que esvoaça de tempos a tempos por cima dos clientes e que escolhe um distraído para lhe roubar a cerveja. O dono e o empregado embalam uma dança sonolenta atrás do balcão ao ritmo dos pedidos. Há uma música de fundo que mal se ouve, um piano hesitante que tropeça no ar mas que quase ninguém ouve. No bar mal iluminado há sombras e fantasmas de gente ora sentada ora em pé a fumar cigarros intermináveis como se estivessem á espera de qualquer coisa. Qualquer coisa que nunca chega. Ao fundo há um maestro frustrado que conduz uma orquestra imaginária de vez em quando em movimentos enérgicos. Depois senta-se, agarra a caneca de cerveja com muito cuidado e levanta-a com os braços muito magros e trémulos. Um desgosto de amor tirou-lhe a força e a vontade. Sobrou-lhe o talento e a arte que de nada lhe servem. No bar mal iluminado há gente que se abstém de sentir, de viver, de ser gente. Há fantasmas deambulantes que esperam qualquer coisa sem nada esperar. Um espaço onde já tinha sido uma igreja deu lugar a outra religião com rituais e deuses diferentes. No espaço mal iluminado cheio de seres há o vazio da escuridão e o testemunho dos copos a tentar explicar que alguma coisa se vai passando por ali. Mas ninguém liga, ninguém quer saber. Amanhã o prédio será demolido para dar lugar a um condomínio de luxo, ou um centro de lojas, ou um parque de estacionamento. Amanhã talvez alguma coisa aconteça ou talvez tudo fique na mesma e os fantasmas continuarão a reunir-se ali debaixo de uma música que mal se ouve ao lado de um maestro que conduz uma orquestra imaginária e um corvo bêbado que já não consegue levantar voo. E em cima do balcão um livro de capa azul ao alto. Um livro qualquer a quem ninguém presta atenção, único objecto em pé num cenário deitado, adormecido, esquecido no tempo

 

Artur

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