terça-feira, 8 de julho de 2008

Releituras: #2 "A Chave"



Eis o guardador da chave, que a transporta, como deveis calcular para maior sossego e cuidado, ao pescoço. Essa abre para as sete setenta portas que dão o almejado acesso, e só esse, a sete outras setecentas que permitem alcançar os solitários caminhos das sete setenta mil daquelas, qu'escondem (mas também poderão revelar) cada qual o seu misterioso, definitivo e final segredo. Uma explica, cabal completamente, os inumeráveis peixes, outra as plumiformes aves, outra os leopardos, outra as montanhas, outra as leves nuvens e as mais etéreas estrelas, os duros cravos da cruz, o mar e os rios, o canto e a voz, os instrumentos de culinária, os rios do nosso sangue, as pulgas, as moscas, o suave trinado, o próprio rouxinol, os elefantes, as casas, os labirintos, a saída dos labirintos, a perdição nos labirintos, as rugas e cãs que vos comovem, a alba e o crepuscular ocaso, o acaso, os trens, os cavalos, as chaves, as portas, o enlutado, as searas, os degraus do patíbulo, os cães, os cães raivosos, as árvores, as plantas medicinais e a medicina, os venenos, as invejas, os penicos, a alma que s’evola do corpo, o corpo, o porco, o pêlo, o novelo, o gato que brinca, os telhados, as cercanias, as piruetas do velho, as cabriolas da noiva, a festa e o de comer, a bebida e a sede, o dessedentado, o ídolo carcomido, o dente cariado, as vagens, os tapetes, os taipais e canivetes, o mandarim refinado, o azeite, o vizinho agastado, a morsa, a cabala, o anzol, a centelha e o trovão, o crepitante fogaréu, o lar, as pantufas, os tesourões, os tubarões sangrentos e ainda esfomeados, os dobrões que já s'esverdinham e o verdete, as tarântulas, a meia-luz, a sola e o prego (do sapato), as camisas de punhos em primor, os botões, as decisões, as circunvalações, as convulsões, revoluções e outras tantas questões que entretêm os homens e assim os distraem da soberba desse qu'esconde e preserva a cifra da porta para toda quanta maravilha.

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