terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

NOWHERE FAST

You and me we're goin' nowhere slowly
And we've gotta get away from the past
There's nothin' wrong with goin' nowhere, baby
But we should be goin' nowhere fast

Everybody's goin' nowhere slowly
They're only fighting for the chance to be last
There's nothin' wrong with goin' nowhere, baby
But we should be goin' nowhere fast
It's so much better goin' nowhere fast
(Fire Inc.)

Sábado à noite e nada para fazer em frente a duas Macieiras vazias e o café a abanar em algazarra oca naquele bairro perdido nas suas fronteiras urbanas. A “turma” que também não aparecia para ver se alguém tinha uma ideia. Saio, vou apanhar a brisa morna primaveril até ao largo da igreja com paragem obrigatória em frente à montra do costume. Uns pontapés bem aplicados no rebordo de fora e é ver os brindes a saltar do lado de dentro como se tivessem vida própria. A meio encontro o “biquinho”. A conversa do costume – “Tâããão…chavaaal, como é que é? Ah, daqui e dali, a cena do costume. Como é que vai a tropa, Ah! Agora não tá mal, já fui colocado em Lisboa, não me posso queixar, e tu? Sabes como é chaval, ando a bulir com o meu pai, cena fatela, tem que ser, não pico já há três semanas, não me apetece voltar para a clínica, então e esses nódulos aí no braço, eh pá isto …isto é do… são restos, meu, é isso, são restos. A voltinha é automática até à porta lateral da igreja , tão automático como o charro que salta sem pressa do bolso dele e se acende quase sozinho da boca dele para a minha, depois para a dele, a por aí fora. Sentamo-nos à porta da casa do Senhor com o perfeito ângulo de visão para não sermos surpreendidos por algum bófia mais dilligente. A conversa continua, meditativa, filosófica, lenta. – Coiso e tal e o caraças, vê lá se consegues atinar chaval, senão ainda te fodes todo, ou pior, ainda bates a bota; não meu , a sério, a sério, agora já não pico há mais de um mês mas isto não é fácil um bacano andar aqui a ressacar, nem consegue concentrar-se no trabalho, e depois às vezes pergunto se não bater a bota não será melhor, já viste pá, já viste esta merda, os dias são sempre iguais é tudo tão estúpido, estes gajos andam práqui a fingir que vivem mas no fundo andam a ser esmifrados até à medula e não há gozo nenhum, não há festa, não há intervalo para recreio; será assim como dizes chaval , mas se calhar é preciso ter um bocado mais de força para aguentar; Força? Força para quê? Para ser enrabado ainda por cima a rir? Não me lixes… E não o lixei. Não disse mais nada. Ficámos ali mais uns instantes. Instantes em que o “biquinho” me tentou vender um fogão e uma televisão a cores mas sem grande empenho. Éramos dois tesos. Despedimo-nos, ele a caminho do Casal Ventoso ( visitar um amigo…) e eu de volta ao café com o espírito mais leve mas também mais introspectivo. Claro que o “biquinho” tinha razão. Andávamos aqui a fingir que andávamos, como os carros eléctricos depois de virem de ser lavados. Mas os trilhos eram sempre os mesmos, os dias sempre iguais e a vida sem sentido nenhum. Era sábio o sorriso desdentado do “biquinho”. Chego ao café, vejo dois maduros, o Batista e o Jerry. Tão a combinar uma ida ao dois (2001), há duas motas, dá para mim. Deixo-os à conversa e vou até ao balcão pedir mais um café. Fico ali na pasmaceira a trocar dois dedos de conversa com o “Vitinho” e a olhar para quem entra. De repente fico surpreendido com a chegada da Ana. Já não a via há mais de um ano, tinha estado fora a estudar, acho que em Toronto. Lembro-me de ter passado um Inverno inteiro a tentar a minha sorte com ela, sem sorte nenhuma. A “marcação” acabou por dar lugar a uma forte amizade. Por razões inscritas num código de conduta qualquer, que todos conheciam mas ninguém tinha visto estilo: “win a fuck, loose a friend”, a “marcação” desapareceu. Entraram e saíram namorada(o)s nas nossas vidas e nós continuámos a ver-nos, a ir a concertos, cinema, etc. Semanas antes de eu ir para a tropa, ela partiu. Tinha passado um ano entretanto. Assim que me viu fez um sorriso de orelha a orelha e veio na minha direcção. Cumprimentei-a meio atabalhoado com o que havia de lhe dizer. Apetecia-me chamar-lhe um Anjo de luz que repentinamente iluminou aquela existência de bairro, malcheirosa e triste. Em vez disso balbuciei palavras indiferentes, frases de circunstância. Sem perceber como, colocou umas chaves de carro sobre o balcão. Perguntou-me se me lembrava de lhe andar durante dias a fazer a eterna pergunta se “queria dar uma voltinha”.Que sim, respondi meio envergonhado, lembrava-me bem desse tempo. Então e se fôssemos dar uma voltinha, achas que ainda vamos a tempo? Comecei a sentir a taquicardia descontrolada. Várias comportas rebentaram dentro de mim ao mesmo tempo, abrindo caminho para descargas monumentais de hormonas, testoesterona e outras coisas acabadas em “ona” que agora não me consigo recordar. Saímos do café como umas setas mal tendo tempo para fixar as caras do Jerry e do Batista a exibirem os caninos de quem vê alguém partir para a terra do Peter Pan. Estrada fora, sempre a abrir de rádio aos gritos a caminho de Sintra, e aquele carro tinha-se transformado numa sinfonia de beijos longos e molhados, braços indistintos e mãos que corriam para cima e para baixo num frenesim que quase nos obrigava a parar e reagrupar os corpos. Sintra de noite e uma estalagem, a da raposa, inscrições e BI's à pressa e “toca a andar para cima antes que algum terramoto ou uma guerra nuclear possa pôr fim a esta maluqueira”. A noite foi nossa até de madrugada, entre tudo aquilo que vocês podem imaginar e mais algumas coisas que nunca nos voltaremos a lembrar. No outro dia de manhã, supermercado, meia dúzia de pães, latas de conserva e piquenique na serra no meio das árvores, lá em cima, longe de tudo. Foi a meio daquele almoço improvisado que saíram as confissões. A Ana voltaria para o Canadá daí a mais uns dias. Era impossível continuar aqui depois de ter estado no outro mundo. Aqui os dias eram sempre iguais e a estupidez só aumentava. Não havia espaço para respirar, muito menos para viver. Não a contrariei. O regresso a Lisboa foi muito mais tranquilo e melancólico. Despedimo-nos no bairro à porta de minha casa. Depois destes anos todos, o “biquinho” morreu à quinta overdose, a Ana continua a morar em Toronto e eu resolvi escrever memórias como se nada mais me importasse. Ah… e continuamos amigos…
ARTUR

3 comentários:

Anónimo disse...

Whe´re on a road to nowhere come on inside…
Taking that ride to nowhere…we´ll take that ride…
(esta é fácil ;))

Gosto tanto de ler histórias escritas assim e ainda por cima tãaao bem escrita sem peneiras nem enfeites, simples e sumarenta como eu gosto... fez-me sorrir, sonhar, relembrar e rebentar uma lagrimita, é que também eu tive grandes noitadas no 2001, amigos agarrados, rebaldarias em automóveis, reencontros com vizinhos/amigos de há 30 anos... que giro !! Sensibilizou-me, juro ! ADOREI!! Beijinhos

PS: não sei a sua idade, mas se andava no 2000 (como nós lhe chamavamos) por volta dos fins da déc.80 princípios de 90 ainda nos cruzámos... que engraçado ! Tem o disco do 2000 ?

redjan disse...

Art: e tudo tão igual, tão diferente, se vivido ou se perdido, como trilhos de eléctrico que teimam em empenar .. e viver sem cuidar de esperas !

Vai lá vai, textozito fdp de bom !

Artur Guilherme Carvalho disse...

Sara e Red: Um estado de espírito, uma forma de existir que nunca nos abandonou. Porque sim...