Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final,
assunto arrumado. Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do
mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.
Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia que se sabe que nada acaba em Portugal,
nada é levado às últimas consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário,
desenrascado.
Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi crime, não foi crime, ao
desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca
saberemos o fim destas histórias, nem o que verdadeiramente se passou nem quem são os
criminosos ou quantos crimes houve.
Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços do enigma, peças do
quebra-cabeças. E habituámo-nos a prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos
que não saber o final da história é uma coisa normal em Portugal e que este é um país onde as
coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.
E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado de coisas.
Apesar dos jornais e das televisões, dos blogues, dos computadores e da Internet, apesar de
termos acesso em tempo real ao maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber
nada, e esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.
Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas ao primeiroministro,
do caso da Universidade Independente ao caso da Universidade Moderna, do Futebol
Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de
Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga parques ao grande empresário Bibi, das queixas
tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém que acredite que algum destes
secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muito alegados crimes, acabem por ser
investigados, julgados e devidamente punidos?
Vale e Azevedo pagou por todos. Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e
moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso
apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da
corrupção. Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e
encolhem os ombros.
Quem se lembra dos doentes infectados por acidente e negligência de Leonor Beleza com o vírus
da sida? Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num parque
aquático?
Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes imputados ao
padre Frederico? Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre
Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana? Quem se lembra do autarca
alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?
Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e enrodilhados como estes,
a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.
No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém acredita que se
venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém? As últimas notícias dizem que Gerry
McCann não seria pai biológico da criança, contribuindo para a confusão desta investigação em
que a Polícia espalha rumores e indícios que não substancia.
E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu?
E todas as crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?
E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta
gente"importante" estava envolvida, o que aconteceu? Arranjou-se um bode expiatório, foi o que
aconteceu.
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E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela reconheceu imensa
gente "importante", jogadores de futebol, milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas?
Quem as destruiu e porquê?
E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do grupo Carlyle do
senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára? O mesmo grupo Carlyle onde labora o exministro
Martins da Cruz, apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha
para a sua filha.
E aquele médico do Hospital de Santa Maria suspeito de ter assassinado doentes por
negligência? Exerce medicina?
E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho branco sabendo que
a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca.
Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são arquivados nas gavetas
das nossas consciências e condenados ao esquecimento. Ninguém quer saber a verdade. Ou,
pelo menos, tentar saber a verdade.
Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as redes e os
"senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de crianças em Portugal, sejam
rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre meninas ficaram sempre na sombra.
Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens,
de corporações e famílias, de eminências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a
escavação da verdade. Este é o maior fracasso da democracia portuguesa e contra isto o PS e o
PSD que fizeram? Assinaram um iníquo pacto de justiça.
Clara Ferreira Alves
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