domingo, 16 de dezembro de 2007

CARPETE DIEM

Dá-me lume, deixa os meus pulmões vibrarem o prazer do fumo nesse glorioso espaço de nada para fazer. Dá-me tempo, deixa-me esquecer o que não merece a minha atenção, deixa-me partir para poder voltar junto de mim, junto de ti. Dá-me espaço, quero ver o voo da minha imaginação numa planície que se deita sem pressa ao entardecer no horizonte queimado pelo Sol. Dá-me colo, deixa-me esquecer os meus medos no fundo de um peito generoso, aberto sobre o meu olhar sempre inquieto. Dá-me um olhar onde tudo pode parecer eterno e seguro mesmo que não seja, mesmo que desapareça logo a seguir. Dá-me o Mar, embala-me o corpo em ondas tranquilas de rebentação certa e sincronizada que me deixam na praia com uma sensação inesquecível de triunfo. Dá-me um copo, dois dedos de conversa num tasco imundo onde se resolvem em três frases todos os problemas do mundo sem dificuldades. Dá-me a vida antes de estar morto para que as possa comparar entre duas lágrimas e uma gargalhada cheia e convincente. Dá-me paciência para poder acordar todos os dias com alguma vontade de continuar. Dá-me as razões que me faltam no entendimento. Dá-me um sorriso quando abres uma prenda ou o fecho das calças. Dá-me um golo de mão cheia, um remate de fora da àrea que faz levantar um estádio cheio de milhares de vozes anónimas e momentâneamente felizes. Dá-me um grito quando a minha estupidez estiver a ir longe demais para a poderes aceitar. Dá-me uns trocos de solidariedade e um abraço ou simplesmente acende uma vela em memória de mim, antes de partir para aquele lugar onde nos voltaremos decididamente a encontrar. Dá-me a manhã ensolarada e a noite de Lua cheia, a descida vertiginosa da montanha numa mota prateada, uma canja com vodka, um livro desconhecido para as dores do espírito. Dá-me qualquer coisa quando nada me vier á lembrança para te dar a ti. Conta uma anedota no meu velório e peida-te no fim quando te entregarem a caixa com as cinzas. Aqui estivémos, por aqui andámos e daqui saímos. Sem rancor nem medo, nem nenhuma vontade de vingança. Pura e simplesmente aquela estranha sensação de nada ter percebido a não ser o amor, a solidariedade, o abraço e a compaixão entre nós e todos os seres que como nós tactearam no escuro as respostas que o caminho nunca lhes soube dar...
ARTUR

5 comentários:

Carlos Lopes disse...

Ganda texto, amigo. Do melhor que aqui já vi.

ps: leio sem problemas os comentários deixados no teu blog e quando faço "click" no envelope desenhado, imediatamente entro no link. Não percebo o que se paasa, porque comigo, nada se passa...

redjan disse...

Art: definitivamente viste a coisa, escreves sobre ela, vive-la e partilha-la! F......-se, saibamos nós ir atrás ....

Artur Guilherme Carvalho disse...

Andamos a puxar uns pelos outros o que é bem positivo e faz evoluír cada um a melhorar a qualidade do seu trabalho. Um bom prenúncio para as tertulias
ARTUR

Cati disse...

(",)

Dá-me lume...
Não deixes o frio entrar...

Artur Guilherme Carvalho disse...

Nesta casa fuma-se e bebe-se e respira-se o pó da sabedoria dos livros. Uma espécie de biblioteca habitável onde todos são bem vindos de trazer os seus saberes e partilhá-los.Coffee and cigarrettes, brandy and books.