Nos grémios ou sociedades recreativas juntavam-se elementos do passado e do presente num convívio fraterno em torno de imperiais, mesas de damas,canasta operária( parreca), "belga" ( dominó pontuado por múltiplos de cinco), sueca, bisca lambida ou lerpa. Eram homens de outro tempo, alguns nossos tios ou avôs, que encontravam ali o espaço para descontraír, conviver com os amigos, virar uns copos. Reformados na sua maioria, gostavam de ter por perto os mais novos, quanto mais não fôsse para se exibirem na sua inalcançável malandrice, uma tusa que nenhum de nós alguma vez imaginaria ter, ou moina do tempo em que ainda tinham força e davam aviamentos colectivos a adversários quase todos eles mortos ou desaparecidos, como tal impedidos que confirmar as façanhas. Lembro-me de um que quando não tinha cartas para jogar porque perdia, levava a mão atrás das calças, sacava do pente e atirava-o para cima da mesa. Os outros, como se fôsse a primeira vez, admoestavam-no. Ele abria o rosto de espanto e gritava. - "Atão, não tenho nada para jogar, jogo o pente".
As melhores partes desses espaços eram as danças de salão. Um autêntico congresso tribal em que todos e todas se esforçavam por aparecer no seu melhor em aspecto e destreza dançante. Eles de brilhantina a pingar cara abaixo, colete de seda dos ciganos a brilhar por baixo do fatinho que já apertava aqui e ali a memória de 20 kilos atrás, os sapatinhos de polimento a ornamentar o peúgo branco e, claro, o inevitável cachucho de preferência no mindinho, para melhor realçar a unhaca comprida com que se arranhavam os mais belos solos das guitarras. Elas carregavam nas tintas todas a que pudessem deitar a mão desde aquela que lhes enegrecia o cabelo até ao batom estilo semáforo para nevoeiro, passando por umas aplicações de riscos negros a cruzar cleópatras e odaliscas sem pêlos. Vestiam vestidos também brilhantes como os coletes deles, sem costas e a acabar em roda de folhos a poucos centímetros do chão. Uma alegria.Tudo corria bem ao ritmo das rumbas, boleros, valsas e tangos desde que não fôsse noite de júri. Aí todos sabíamos que era uma questão de tempo até a convenção tribal assinar uma declaração de guerra espontânea entre os seus membros, com requintes de massacre especial para o júri.Esse quadro ainda era mais bonito de ver, se bem que exigisse uma prévia e meticulosa escolha de trincheira logo no início da noite. É que nisso os velhos davam-lhe a sério. Mesas e cadeiras voavam pelo salão entrecortados pelos gritos delas e o clássico som abafado de ossos a serem esmurrados. O grito de ataque era sempre o mesmo: QUEEEEM É QUEBATEUUU NO CHAVALLLE ? Era o sinal para eu e os outros miúdos nos atirarmos para debaixo de uma mesa próxima da saída e espreitar por entre as franjas da toalha. Sempre na mesma sequência: Apresentação, baile, o júri decide e Quem é que bateu no chaval. Durante anos, à Secta-feira à noite, antes de irmos para qualquer lado parávamos na Alunos De Apolo, escolhíamos um abrigo próximo da saída e ficámos a ver. Daí a algumas horas íamos para um concerto de rock e acabavámos a diversão à porrada com alguém. Como vêem, todas as gerações batem no chaval. Tocam é músicas diferentes...
ARTUR
2 comentários:
Art..... é disto que vive quem lê.... destas putas destas palavras tão bem dançadas, como se escritas para o chaval que... as vai apanhar!!
oBRIGADO RED. eSTIVE MUITO TEMPO SEM MSGS POR CAUSA DE UMA TRETA TÉCNICA. nÃO APARECIAM. TÁ RESOLVIDO. 1ABRAÇO
artur
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