quinta-feira, 23 de setembro de 2021

#5 Considerações: Cul-de-Sac

 13. 

A solidão ante o fim, a desventura, a inevitável decadência também oprimem, são horizonte férreo, inelutável. É curta e pequena a consciência que o sabe — que muitos também chamam de espírito ou de alma — sabendo ainda que nada pode fazer, excepto talvez procurar e encontrar uma resignação funda, tão funda que nada a perturbará, finalmente imune ao que é torpe e inútil e aziago assim como é indiferente a tudo o mais. E se disso se exuda alguma paz tal é precioso e frágil, mas permanente se houver firmeza e propósito. Não querer é a chave, não sentir é um bálsamo, não fugir é o bem. 

14. 
Por isto, por tudo isto o desânimo como condição vital sabe instalar-se, também ele insidioso e daninho, tenaz. É força e poder manso que pouco a pouco vai encerrando o horizonte da possibilidade, toldado óculo sem amplitude por onde se verá um mundo-pouco, apequenado e, porventura, distorcido. É alma sem carne, ou carne sem alma, mas de muito peso. Irmão e talvez pai do letargo, do imobilismo funesto, da vontade inane de fuga. Quisera ser lavado disso, talvez, inaugurar um tempo novo, das vistas largas e não já cerradas e torpes e esbatidas. Sim, um hausto feroz e fresco, uma liberdade toda outra, uma pulsão para o mundo e não este cansaço que é só torpor e desistência. Desistir da abdicação, avançar sem medo, responder ao pavor de existir com a serena força de um entusiasmo, quiçá, perdido sabe-se lá onde ou então pela erosão quotidiana e pelos traumas que toda a biografia vai acumulando pelo mau uso que lhe dá o tempo. 

15. 
Assim, este livro é feito da conjugação de todas essas forças, da obsessão centrípeta, da queda inerte, por vezes lenta, por vezes rápida, rapidíssima, um momento perene que se fixa pela persistência do trauma. E também no amor abunda o mau juízo, a impossível subjectividade, o que na vida é frustre, a terrível dimensão do não acontecido.

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