quinta-feira, 7 de outubro de 2021

INACTUAIS - NUNCA, PARA SEMPRE !

 Em 1945, depois de ter conduzido o Reino Unido através da hecatombe da II Guerra Mundial, Churchill perdeu as eleições legislativas. O povo, farto da inenarrável miséria em que viveu desde a era da Revolução Industrial, decidiu que era altura de testar a mudança, de procurar novas formas de governo, que os trabalhistas prometiam e cumpriram: puseram em marcha a construção do estado social que haveria de erradicar a miséria até à chegada ao governo de Margaret Thatcher. Como se costuma dizer, o povo foi sábio. Sobre esse período, veja-se o magnífico filme "O Espírito de 45" de Ken Loach, para se perceber em toda a plenitude as condições materiais de miséria e de exploração e o sentimento que levou a essa escolha.
A propósito, Ken Loach foi recentemente expulso do Partido Trabalhista; estava demasiado alinhado à esquerda...
Em 2021, Fernando Medina perdeu as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa. As razões para tal são demasiado complexas para a minha capacidade de análise e, quiçá, inescrutáveis. Pergunta-se: "qual a relação entre os dois fenómenos ( o de 1945 e o de 2021) ?". À excepção da escala e da sua importância relativa, têm em comum a virtude "heróica" da democracia, ou seja a capacidade de o povo decidir pela mudança, optar por alternativas, alterar o rumo dos acontecimentos.
O fenómeno de 45 - que os sectores conservadores alcunharam de "ingratidão", "perfídia", etc - representou uma mudança estrutural de proporções gigantescas, capaz de alterar profundamente as condições de vida de uma população que vinha a ser esmagada pela primeira fase do capitalismo predador e implacável. Levou décadas a mudar, mas mudou.
O fenómeno de 2021, insisto, ainda por explicar, conduzirá a alterações para pior. Dir-se-á que é cedo para tais vaticínios. Certamente. Mas a personalidade que encarna a "mudança", o seu cadastro, não augura nada de bom. Muito pelo contrário.
Moedas é um tecnocrata frio e um tecnocrata ambicioso e é uma banalidade dizê-lo, embora a reputação de que goza a banalidade seja por vezes injusta: a ele Lisboa não interessa nada; é apenas um trampolim para vir a ser chefe do gang PSD e a seguir primeiro-ministro. E ser chefe do governo tem um único propósito: concluir o projecto de transformar o país à medida dos desígnios do seu patrão (o coelho) que, por sua vez, cumpria os desígnios que os seus patrões lhe encomendaram: um país mais desigual, sem direitos (a não ser para os grandes agentes económicos), sem esperança e sem futuro.
Eduardo Lourenço avisou durante décadas, em numerosos ensaios, que o nosso ser (o ser português) é feito de esquecimento (a não-inscrição no dizer de José Gil). Esquecemos tudo, sobretudo aquilo que é importante. Somos feitos de pó, pedras e farrapos de tecido, também eles nos avisaram. Mas quem é que liga aos filósofos ? Eles não "postam" no Facebook, no Twiter ou no Instagram, portanto, nada do que dizem tem importância e os seus diagnósticos carecem do encanto de uma língua feita à podoa e do brilho das inanidades, parvoíces e imbecilidades de que a nossa contemporaneidade se compõe.
O povo de Lisboa, fazendo jus à nossa natureza, esqueceu e trocou um homem bom, honesto e com uma visão da cidade por essa amostra de político criado em laboratório, cheio de ideias (nenhuma elas boa). Esqueceu tudo o que Medina fez por Lisboa, tornando-a uma cidade mais funcional, amigável e bela, descontando os erros que são a marca de todo o empreendimento humano; isentos de erros só os ungidos de Deus, estes iluminados que se julgam modernos e que não passam de cadáveres reciclados.
O povo de Lisboa esqueceu, decidiu e mudou. Está servido.

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