Enquanto o caos vai tomando conta da decoração dos dias vou
tentando aproveitar o tempo, ter espaço para respirar e viajar para dentro de
mim. A situação já não é nova (nunca foi) só que desta vez tenho a
possibilidade do isolamento como um nadador veterano que já não sente tão forte
a necessidade de mergulhar todos os dias no mar. Enquanto nada muda para melhor
e tudo regressa em vagas sucessivas de falta de lógica e de destruição vou-me
aproximando rapidamente do fim de um ciclo, o meu ciclo. E, sinceramente não tenho
medo nenhum nem vontade de voltar atrás. Haveria ainda muito para viver ou
aprender vivendo? Com certeza que sim, mas a viagem está sempre em movimento e
as lições não se apresentam todas da mesma forma nem sequer ao mesmo tempo. A
razão transformou-se num concurso de feira em que vende mais o comerciante que
berrar mais alto. O Conhecimento foi transformado em apenas mais uma bugiganga
que se questiona ou vende como qualquer mercadoria anónima. As referências dissolveram-se, a mediocridade
continua a sua marcha triunfal. Somos seres imperfeitos e muito confortáveis
com a nossa imperfeição. Toda a nossa energia está concentrada nas mais
primárias necessidades e na obsessiva e imediata satisfação do ego. Basicamente
faço parte de uma espécie animal que destrói muito para lá daquilo que
necessita, seja para se alimentar seja para o seu habitat. Uma pertença que não
me dá qualquer motivo de orgulho e que me cansa cada vez mais. Dias houve em que conseguia lidar bem com
isso. Dias houve em que condescendia sempre na esperança de dias diferentes, na
escolha de alternativas. Dias houve em que me remetia ao silêncio ou à
concordância por omissão. Hoje acabou-se essa tolerância. Não quero ver nem
falar com ninguém para lá do estritamente necessário. Tenho livros que cheguem
para passar o tempo, tenho música, tenho filmes. Quando me apagar tudo isto
ficará por aqui na mesma que sempre foi. Pessoas, planeta, animais, plantas,
caos, destruição, reconstrução, esperança, degradação e caos outra vez.
Todos querem saber de si e ninguém quer saber de nada. A
banalidade do mal, a irracionalidade da condição humana que só se consegue
corrigir (ainda que de forma temporária) à força de morte e destruição. Este
movimento permanente de extermínio da espécie sobre si própria que nunca
enfraquece, este asilo de loucos orientados por lógicas absurdas, esta demolição
permanente de se poder viver com qualidade e equilíbrio.
Um índio perdido na noite executa a dança da chuva em frente
a uma fogueira, uma velha de costas curvadas carrega através da neve um molho
de lenha para se poder aquecer, uma criança desenha a figura da mãe a giz no
chão num orfanato para poder dormir ao pé dela. E a corrida de nós todos
contínua, sem parar a caminho de lado nenhum, sem tempo para reflectir, sem
olhos para ver, sem mãos a medir. O caminho desenfreado do ciclo de cada um a
caminho do fim e a ausência de razão num inferno permanente.
Um índio perdido na noite executa a dança da chuva, um homem
isolado escreve desenfreado as insónias que o assombram e depois é Natal, e
depois mete-se o Verão. E vai e volta, vai e volta até ser fim.
Artur
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