quarta-feira, 20 de outubro de 2021

PORQUE SIM

 Décimo oitavo dia do décimo mês de dois mil e vinte e um.

Confesso que estou a ressacar dos anos de trabalho e de lazer, de saúde e de doencas, de alegrias e tristezas, de reuniões e separações. A ressaca da vida é como a do mar, deixa detritos e erosões, sulcos e convulsões, presentes e subtrações. Sem dúvidas de que este é o grande jogo e quando se move uma peça tudo se altera. A certeza de ontem pode tornar-se a dúvida de amanhã. E ao contrário também. É esta a beleza da vida a ser vivida, a ser consumida ao ritmo do tempo que temos, a aproveitar cada gota que a maresia projeta contra nós, a de não parar, a de ficar na mera contemplação das horas, ou simplesmente aproveitar duas horas de insónia para fazer o bolo preferido dele, sem forno e com metade dos ingredientes. Felizmente a minha mãe apresentou-me a cloche no idos anos oitenta e eu aprendi a mudar a resistência para cima de modos a não ter meia delícia carbonizada. Já estou com tiques de avó apesar da eterna enamorada dos braços que me apoiam. É esta a beleza dos anos que passam e do que aprendemos com eles. Neste momento continuo a consolidar raizes e alicerces, a tentar explicar aos que se seguirão, com mais actos e menos palavras, a melhor forma de nos levantarmos após a queda, seja grande ou pequena. A poesia continua, as letras não me largam, tanto como a circulação que me impele cada segundo. Hoje chove e amanhã faz sol. As gatas dormem e o cão dorme. Ele constrói as minhas certezas com a mestria dum professor. A minha mãe vai ser bisavó e a minha mais velha vai conhecer os segredos dum amor maior. É a vida a ser vivida como é. Simples.


Elsa Bettencourt

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