domingo, 19 de setembro de 2021

#2 Considerações: Cul-de-Sac

4.

Tudo isto parecem generalidades a propósito de um livro, mas se tudo é vago, na vida, por que não deveria ser vago, na literatura? Estamos sempre envolvidos em sensações difusas, um supor emocional que não dá paz nem sossego, nem sequer, amiúde, confiança em um tempo melhor, excepto por esse optimismo doido dos sonhadores que acredita sem provas, que arquitecta planos sem evidências, que é teimoso em não aceitar a derrota quando, pela razão, já nada há a fazer. É um fervor de felicidade suposta e lânguida que existe apenas na imaginação e é vivida apenas nela, triste e leda condição virtual que tem o dom de ocupar a vida sem que esta seja vivida. Ainda assim, pretende-se que a escrita seja reacção lúcida a tais devaneios, modo quase telúrico de procurar um caminho, vertendo em palavras o queixume da vida fruste, não entendendo, porém, que esse esforço lúcido é de um realismo paradoxal -- ao entender o sonho cristalizamo-nos na crítica desperta aos estados de imaginosa fuga não vendo, então, que isso é também alienação nossa.


5. 
Sobre a questão há, ainda, algo a dizer. É poético, é plenamente poético, o que que é fora-do-mundo, e a prosa deste livro é poética porque não há nele verdade, mas devaneio. Catarse pelo delírio, tratando-se os males do irrealismo com outro modo de o ser que é esta escrita. Mas que contém, talvez, alguma eficácia confessional ainda que suposta. 

6. 
Pois bem, dizer é já um modo de ser. Ténue acção, é verdade, mas quem tropeça nessa modalidade comum de vida prática encontra na comunicação disso não só um bálsamo para a inevitável melancolia que daí advém, como uma solução suposta para a sua inscrição no mundo.

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