Vi este cenário na
Baixa Pombalina e lembrei-me daquela vez em que pusemos o Pesssoa a cambalear a
caminho de casa a chamar o Ricardo Reis. Devias ter visto. Um gajo de oculinhos
e gabardina coçada aos tombos.
Ou ligo a outra
Estou na Rua onde
fizemos aquele clip com a chuva artificial da mangueira dos bombeiros. O
quartel já não existe. Lembras-te da seca que foi segurar aquela mangueira e
regar o casal de namorados para fazer crer que era chuva?
Às vezes lembram-se,
outras limitam-se a esconder-se naquela expressão
É pá…isso já foi há
tanto tempo…
Cumprimento um bêbado
a caminho de casa, contemplo a árvore de Natal das luzes da cidade sobre o rio,
faço o reconhecimento de novos espaços que nunca conheci apesar de viver nesta
cidade desde que nasci. Volto para casa.
Lembramo-nos todos de
muita coisa, ou de coisa nenhuma, a vontade de voltar a fazer foi ficando cada
vez mais pequena, o tempo encolheu e deixou-nos no seu lugar um sujeito
macambúzio sem expressão, um substituto sonolento e mandrião. Sobram as imagens
e os sons, sobram os ângulos da cidade, sobra tanta coisa e não se consegue
aproveitar nada.
Ponho as imagens a
correr e vou selecionando como um funcionário diligente em frente a uma pilha
de documentos. As paisagens, as caras, os sons, está tudo muito bem mas falta
qualquer coisa. A ideia de documentário a surgir e a afogar-se num mar de gente
adormecida, cabeça caída sobre as redes. Os textos sobrevivem às cinco
primeiras linhas, as imagens têm cinco minutos de atenção. E as cabeças saltam
de imediato para o texto seguinte, para o filme que se segue. Sons e imagens
rodam no teclado como papel higiénico no pendurador. Rasga, limpa, deita fora,
e volta tudo a rolar, rasga, limpa, deita fora. Não há paragens, não há
silêncios, mas apenas um frenesim eterno e inconsequente que não consegue reter
nada. Um míssil disparado que não pára, não regista nem consegue comunicar.
Volto às imagens na
tentativa de construir alguma coisa com elas. Tal como com as palavras. Mas
falta sempre qualquer coisa. Naquele rosto, naquela paisagem, naquele
movimento. Sento-me para trás e não consigo afastar-me, não consigo deixar de
tentar juntar “qualquer coisa em forma de assim”, como dizia o O’Neil.
Não são as imagens que
não têm vida…É a vida que se vai esgotando dentro de mim…
Artur
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