segunda-feira, 20 de setembro de 2021

#3 Considerações: Cul-de-Sac

 7. 

Sim, escrever é inscrever-se, agir pela consubsatanciação da intenção em acto, mesmo que possa parecer encerrado, para sempre, no plano teórico. Mas, o que é agir senão sair, para fora, para o mundo, da casa natural da nossa intimidade? Se se age por acções ou pela descrição delas é, porventura, indiferente, no sentido em que ambas vão tocar a realidade, transformando-a. 

8.
São plúrimos, na vida, os modos de aperto, de aflição. A começar pelas condições civilizacionais contemporâneas e terminando nessa desorientação íntima, por nós criada a contragosto, mas com tão perene força que se diria que é mais um constrangimento externo do que um desassossego interior. De permeio, existem aquelas condições universais do malogro que originaram religiões, filososofias e seitas. É uma opressão que acompanha a consciência enquanto tal, pois a evidência da sua finitude e da sua iminente fragilidade dói e magoa, assusta e não dá paz. Nem adianta pensar que isso é conatural ao pensamento, que é de todos os tempos e de alcance total. Cada um sofre por si e o sofrimento expande-o no sentido em que a morte anulará, do ponto de vista subjectivo, o próprio cosmo. Talvez haja uma sobrevivência qualquer, mas isso não é mais do que esperança vaga, difusa. Aqui temos já o que é palpável, depois logo se vê. Enquanto isso há que viver e sofrer e procurar um módico de tranquilidade, um inconstante equilíbrio entre a certeza da corrupção e as forças anímicas que tentam alcançar a renovação possível no ciclo caleidoscópico dos dias que se sucedem, sem um momento de pausa, uma dilação onde se respire e haja o ensejo de pensar, a um nível profundo, na miríade de escolhas ou tão só que permita fixar a atenção nos fugidios momentos que passam para lhes fixar, deveras, a essência. 

9.
O ânimo vital é tudo. Só ele permite combater as potências da decadência e da corrupção, afinal, ínsitas à existência. De outro modo será caminho sem saída, subjugação ao peso do quotidiano e à delapidação do tempo, que soe erodir como ele só, daninho e cruel, persistente e insidioso, paciente e tenaz. É fúria mansa essa do tempo, Cronos a devorar os próprios filhos e ninguém é Zeus para escapar ao repasto.

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