sábado, 2 de janeiro de 2021

PRIMEIRO DIA


 

Primeiro dia do primeiro mês de dois mil e vinte um. Há anos que venho a pedir que os feitos superem as expectativas, que os dias sucedam as noites, as semanas o fim delas, que os meses culminem num ano e que outro o suceda. E, sem foguetes nem rufar de tambores, eu me deite a dormir e acorde pela mão dum princípio, o olhe com a surpresa que todas as primeiras vezes contêm. Ontem acordei a caminho duma enxaqueca, passeei pela ilha com o lobo-urso e, quando faltava pouco mais de duas horas para a meia noite, já chamava pelo Gregório bem do fundo das minhas vísceras. Assim, sem alaridos e com um chá de limão morno, quase frio, adormeci descansada, com um amigo peludo deitado no tapete ao lado da cama a zelar pelo meu sono. Ladrou com os foguetes, mas não se assustou. Olhou para mim, pousou o focinho na minha mão, e voltou a deitar-se. Acordamos, a lua estava alta e o galo vizinho cantava. Passeamos pelo campo iluminado por mil gotículas de orvalho pousadas sobre a erva. Parecia um céu estrelado no chão e nós a avançarmos sobre ele. A fogueira que tínhamos acendido no fim de tarde passado já tinha consumido toda a lenha. O cheiro a pinhas e a criptomérias queimadas, misturado com a humidade desta manhã por nascer, anunciava a simplicidade dum novo começo. Optamos pelo intervalo e voltamos a dormir só mais um bocadinho até a manhã chegar a meio e o sol a metade. Ao princípio da tarde desci à baia da minha infância e almocei com a amiga de sempre, guardiã deste lugar desde que me lembro dela. Este sentimento de amizade, a partilha dos pratos, de conversas e gargalhadas, relembra-me de que tudo está certo e tudo é um feito, quando se tem o coração no lugar.
Fecho o dia a ouvir o magnífico senhor que nos deixou hoje no cabo da boa esperança e sonho que este comanda a vida que deve sempre ser vivida como a tal bola colorida nas mãos duma criança. 
 
 
Elsa Bettencourt

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