Olha a pandemia, caem que nem tordos, olha o especialista muito sério e a esbanjar verdades na televisão, olha o político a apanhar bonés e a enfiá-los nas nossas cabeças.
Isto é tudo uma treta - diz o esclarecido - a mim não me enganam, foi tudo um ganda grupe que os chineses inventaram enquanto cozinhavam morcegos.
Já lá para dentro - diz a autoridade - ninguém sai até que alguém vos chame.
Então e o Natal? Então e quem é que me vai pagar a despesa dos balúrdios que fazia sem pagar impostos? Cheguem-se mas é à frente porque a economia não pode parar.
Vá podem saír por alguns dias, mas vejam lá como é que se portam. Mas ninguém se importa, todos querem chegar primeiro, à frente de tudo e de todos. Primeiro Eu e depois Eu e no fim ainda eu. Que se lixem as regras, estava só ali…são só cinco minutos… não quer dizer nada…
E os tordos voltam a adoecer, a encher as enfermarias, a cair do céu às centenas. E toca a andar tudo já para dentro outra vez. Ninguém sai, ninguém pia. E mais especialistas e mais donos da verdade e mais cientistas de formação instantânea e mais enterradores de bonés. E mais, Eu já tinha dito, está tudo mal feito, a culpa é daquele e do outro. E as avestruzes correm em todas as direcções, enterram a cabeça na areia pensando que ninguém as consegue ver. De cu para o ar e a brisa a entrar em vez de sair com contaminações na bagagem.
Olha a vacina liindaaaa! grita o vendedor de rua, Olha a bela vacina. E todos correm para lá. Olha a beeela vacina, onde é que está a vermelhinha, não estou aqui para enganar ninguém, olha o belo cobertor leva dois e poupa um pintor.
E a avestruz corre, corre desenfreada de nada e direcção enquanto o fogo alastra pelo campo todo e não lhe deixa espaço onde se esconder.
Olha a política, olha a economia, olha um mundo antigo inteiro que se recusa a queimar consumido pelas chamas, olha os mortos, olha o desnorte, a paranóia.
Olha a vermelhinha embrulhada no cobertor para a vacina mais colorida. Olha para aqui, olha para ali, olha para dentro de ti e procura, tenta encontrar. Estás morto dentro de tanto ruído, desorientado debaixo de tantos sinais de trânsito, estás perdido num amontoado caótico de um mundo em pedaços que insistem em ficar de pé. Não há chuva tão cedo antes de tudo arder. Não há rumo, não há doença nem cura. Só este ar estúpido de avestruz científica que ora corre para lado nenhum ora enterra a cabeça pensando que ninguém a consegue ver. E acabas em silêncio num quarto às escuras a falar sozinho de cu para o ar enquanto uma brisa passa pela janela fazendo questão de entrar trazendo consigo o elixir da vida a solução de vendedor de esquina e o arrepio da morte. Ou da sorte ou do caminho que continuará mas que te vai obrigar a reinventar, a ser outro animal se por acaso conseguires voltar a atravessar a savana queimada onde outra savana começará a nascer.
Sei lá…
Artur
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