A História tem um fecho que
esconde o lado mais negro da humanidade. Um fecho de onde sai um cheiro
nauseabundo a tirania e pedaços de excrementos feitos de intolerância,
extermínio e medo. De vez em quando consegue-se fechar essa cloaca imunda, de
vez em quando ela volta-se a abrir. Nos dias que correm o fecho voltou a estar
aberto sem que se consiga prever com grande exactidão o momento em que se
conseguirá voltar a fechar. De cada vez que abre o fecho expele cada vez mais sofisticada
matéria.
Hoje o buraco chega de mansinho
com cantiguinhas de liberdade e democracia em vez de discursos empolgantes e
radicais, paradas militares e fanatização/bebedeira colectiva. Hoje o buraco
repete exaustivamente que és livre para melhor te escravizar, para melhor te
tornar num autómato ao serviço da sua causa. Hoje já não é preciso encerrar-te
em guetos e obrigar-te a usar estrelas de David ao peito; hoje não te arrancam
de casa à força de insultos e coronhadas; hoje não separam os avós e os netos à
entrada do campo, deixando os adultos em idade produtiva longe dos fornos
crematórios ou do Zyklon B. Não!
Hoje convencem-te que és livre e
que tens dinheiro, que podes ter tudo o que quiseres para depois te
escravizarem enquanto toda a tua força de trabalho se esgota nos juros dos
empréstimos que te fizeram; hoje não mandam a tropa a tua casa aos gritos a
meio da madrugada. Em vez disso enviam-te um aviso das Finanças, aumentam-te os
impostos a um ponto que não os poderás conseguir pagar, tiram-te a casa que
nunca foi tua e mandam-te ir viver para debaixo da ponte. Hoje não constroem
campos de extermínio, exterminam os direitos básicos da população, o direito à
saúde, à educação, ao trabalho. Exterminados os direitos começarás a ser um
nada cada vez maior com o passar dos dias. Um nada atacado pelo medo, pela
depressão, um nada que se acabará por dissolver ao saltar de uma ponte, ao
disparar um tiro na cabeça. E o nada que já existia confirma-se no nada que
deixou de ser. Começarão pelos mais fracos, velhos e crianças, não precisando
de os separar á entrada do campo. Separam-nos na secretaria com as eternas
desculpas de que não há dinheiro para tanta gente, não há dinheiro para um
estado social, não há dinheiro para nada. Apenas para manter de pé as instituições
da ganância, da usura e da pilhagem legalizada. As mesmas que sustentam a
secretaria, o escritório das leis, a manipulação da justiça.
Mas hoje como ontem, por mais
sofisticados que sejam, por mais subtis que se consigam insinuar, por mais catastróficas
que as suas acções possam ser, há sempre um erro, um erro que insistem em
cometer. Esquecem-se que depois do dilúvio, da seca sem fim, da fome, da
injustiça, da brutalidade e da carnificina, depois de todas as atrocidades e de
todos os genocídios haverá sempre quem sobrevive, haverá sempre alguém que
termina a viagem como gado até ao campo, haverá sempre alguém que acorda e, que
no acto de acordar acorde os outros. Esquecem-se sempre da força das vítimas
que espezinham que aumenta em cada hora que passa. Esquecem-se que são muitos,
muitos mais que eles, os filhos do fecho do cu do mundo, e que em qualquer
momento vão perceber que têm muito mais força que eles. Subestimam a sua força
e esse será sempre o seu eterno erro. No fim encontram sempre o fecho, o cu do
mundo e da História e voltam a fechá-lo a sete chaves. Haverá sempre alguém que
acabará por dizer: Basta! Falo daqueles que ficarem do lado de cá. Os que
estiverem do outro lado também não descansarão enquanto não voltarem a fechar o
fecho. Assombrarão os carrascos fazendo-os urrar de medo e remorso, inspirarão
os rebeldes a pendurá-los bem alto no poste dos traidores. Sim, esses que nunca
acabam continuarão vivos e voltarão a fechar o cu da História para que a
Humanidade consiga voltar a respirar durante mais algum tempo em paz.
Artur
1 comentário:
Democracia. Uma utopia num estado que insiste em não limpar os cadernos eleitorais, subvertendo os resultados em mais de 10%. Uma utopia para um povo alienado pela desinformação recebida de um jornalismo vergado ao poder. Utopia que resulta dos actos de sucessivos desgovernos que do povo se governam desavergonhadamente. O povo acordará quando a corda já não esticar mais. Aí sim, os políticos não dormirão.
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