quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

MOONLIGHT SHADOW


Mike Oldfield, Maggie Reilly, amores desencontrados, nostalgia, romantismo, porque sim, porque me apetece...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

ARQUIPÉLAGOS E INSÓNIAS


Ler um livro de António Lobo Antunes (ALA) é como iniciar uma aventura que nunca sabemos como acaba. Entra-se num espaço aparentemente escuro, aparentemente aberto a várias correntes de ar por onde passam várias vozes que se vão atropelando, insistentes em contar a sua história aos pedaços, explicar as suas sensações fragmentadas em frases que se interrompem suspensas nas pausas gráficas de uma linha caótica. Ouvem-se ecos, vêm-se imagens desfocadas, incompletas, ficando-se com a sensação de faltar algo para a explicação total. As palavras desenham estilhaços de vida que só em hipótese serão capazes de se combinar em breves harmonias. Para o leitor comum tudo no início o repele como uma força centrífuga, tudo o quer rejeitar se não se colocar sem reservas à procura, ou melhor dizendo, à descoberta de um espaço equipado de vida e lógica própria. Uma demanda que pode durar todo o livro, teste de resistência à capacidade e à paciência de cada um. Os livros de ALA conseguem-se entender a uma distância considerável, algum tempo depois de lidos, tal é o grau de abstracção e significação directa do desenho das suas palavras. Trata-se de algo diferente de Literatura. Algo que se consegue definir entre a Filologia e o Caos emocional, pequenos universos fechados sobre si onde quem define as regras não se mostra e quem as executa se apresenta sob a forma de sombra, de uma segunda imagem da original.
Lembrar-se-ão alguns de James Joyce e da sua tentativa de escrever ao ritmo da consciência, sem regras nem sequências, uma comporta que se precipita sobre o papel numa enxurrada absoluta e esmagadora. A figura do streamthought na qual Joyce se afasta da Literatura para se aproximar da Filologia ( ex. “Finnegan’s Wake”) e que não deixou continuadores situa-se no campo experimental, naquele espaço em que a Forma se trabalha em termos até aí nunca tentados. No caso de ALA, embora sejam notórias as semelhanças com Joyce, o que se verifica é que o progressivo afastamento de um modelo literário vai-se transformando na construção Filológica Emocional de um universo, o do autor, dos seus fantasmas, ansiedades, medos e delírios.
A obra de ALA não se pode esgotar no entanto no trabalho único e exemplar de destruição e reconstrução das fronteiras da Forma no discurso escrito. Ela é extremamente importante e decisiva na Literatura Portuguesa da segunda metade do século passado na medida em que constitui a radiografia imprescindível ao Inconsciente Colectivo português daquela época. E essa é a porta de entrada para os livros de hoje. Marcas incontornáveis como “Os Cus de Judas”, “Explicação dos Pássaros”, “Auto dos Danados” ou “Fado Alexandrino” constituem a parte essencial do álbum fotográfico de um país que em trinta anos viveu uma guerra, mudou de regime político, reinventou o seu espaço de império colonial para um país europeu, com todas as consequências que este tipo de mudanças violentas pode provocar nas pessoas.
Ler ALA é uma viagem atribulada como atribuladas são as vidas em geral. Por mais que queiramos abarcar o sentido da vida nunca o conseguiremos na plenitude e mesmo algumas certezas que alcançamos, só o são temporariamente. Por mais que queiramos racionalizar, tornar harmonioso, construir uma linha coerente de existência, a nossa tendência para o caos, a ditadura dos instintos e a sede eterna de amor vence e perde num campeonato que só terminará com a morte. De certo não temos nada. Só o eco de uma voz perdida que insiste em contar aspectos da sua história ou imagens incompletas e desfocadas a que nos agarramos como referências que nos evitam o afogamento imediato. Frases que ficam suspensas como os dias, correntes de ar por onde vozes gritam. Difícil? Não acho. Os livros de ALA acabam por ser retratos dos nossos dias. É a proximidade familiar que às vezes nos impede de o reconhecer.

ARTUR

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

JOÃO AGUARDELA 1969 - 2009

UM RIO EM EXPOSIÇÃO



Estas duas fotografias em suporte de tela da Sofia P. Coelho, estão em exposição para venda na loja de decoração de interiores NASCENTE DESIGN na zona da Expo em Lisboa. As dimensões serão feitas conforme o pedido.
Para mais informações consultar www.nascentedesign.com. ou ainda
www.flickr.com/photos/sofia67 yahoo

sábado, 17 de janeiro de 2009

PAUSAS DE MORTE



Acabei de ler num blog que costumo visitar com alguma frequência, que a sua autora se cansou da blogosfera, que se lhe esgotaram temporariamente as razões para nela trabalhar. As ideias secaram, os assuntos esmoreceram de actualidade ou de interesse e, como tal, regressou à “vida”. Ou seja, exactamente o mesmo que me acontece a mim de tempos a tempos. Cansamo-nos porque essa é a nossa natureza. Fomos feitos de pausas e de celebrações de morte e não vale a pena tentar compreender o porquê desse ritmo de estados de espírito porque nunca conseguiremos chegar a uma conclusão definitiva. Cansamo-nos da actividade profissional de todos os dias, cansamo-nos do nosso(a) companheiro(a), do amigo de sempre, do livro que estamos a ler, da “vidinha” estúpida que somos obrigados a carregar todos os dias…cansamo-nos de nós… São fases, momentos inevitáveis que nos pintam os dias em aguarelas cinzentas em que nem sequer nos apetece chorar porque nem a tristeza conseguimos sentir. Apenas e só um interminável cansaço, uma universal saturação de tudo e de todos. Acontece mesmo com a criação, com a estética, com o romantismo dos ideais, com uma série de coisas que aparentemente chegariam isoladas, a arrebatar de nós este sentimento cansado e indiferente.
Nestas fases sinto por vezes a sensação de exílio, de morar num estado de vida de aluguer sem dele fazer parte, embora não consiga encontrar o caminho para casa. Tudo me é estranho e de compreensão impossível (“ quando vejo não percebo e quando percebo, não consigo compreender” – diz um personagem de um livro meu…). Viaja-se para as terras do vazio com um bilhete sem data de regresso, através de um caminho inócuo, imparcial, desprovido de brilho. E lá acabamos por chegar a esse sítio onde não há amor que nos valha nem raiva que nos acorde. Uma dormência que adormece, uma indiferença que não aquece nem arrefece. É verdade, muita gente se queixou disso ao longo dos séculos utilizando para tal as mais variadas formas de expressão disponíveis, capazes de ser comunicadas ao resto da espécie.

Nestas alturas lembro-me de Van Gogh, de uma esplanada numa rua de um café de Paris ao entardecer e de um quarto colorido e desproporcionado geometricamente. Lembro-me de que o homem não vendeu um único quadro enquanto foi vivo e que o Fernando Pessoa só conseguiu publicar um livro antes de morrer. Sem conseguir melhorar o estado de espírito, não deixo de me interrogar. Não deixo de confirmar o sentido nenhum desta tanga de existência, desta merda de condição que é a nossa. Não deixo de me lembrar da frase de Kafka, aquela que diz que o Messias chegará um dia depois de já não fazer sentido nenhum a sua chegada. Quando já não houver ninguém para o receber. O sentido, a razão, o porquê. Três palavras sem sentido que talvez o venham a ter quando já não nos fizer falta. Temos um sentido, um rumo, uma razão para esta vida acontecer??? Se temos, nunca o encontrei. Não o encontro nas crianças bombardeadas na escola na faixa de Gaza, não o encontro nos campos de extermínio do terceiro Reich, não o encontro na ganância, na intolerância, no ódio, numa espécie (a que por acaso pertenço) que se destrói alegremente desde que pôs o pé na Terra, pelas razões mais estúpidas de que sempre se consegue lembrar. De impor a sua verdade a outra verdade, o seu deus a outro deus. Como se isso fizesse alguma diferença. Como se sobre os ossos e o sangue dos mortos se pudesse alguma vez levantar o que quer que fosse de útil, novo, melhor em algum sentido para os que cá ficam.
Compreendo perfeitamente este sentimento de por vezes até conseguir ficar farto de mim mesmo. Se a minha espécie não me merece qualquer consideração… Então fecho os olhos e penso no Van Gogh, no Fernando Pessoa, no Kafka. No enjoo de mim próprio acaba por aparecer um amigo antigo. Aquele onde percebo um sentimento de amor por todos estes gajos que já estiveram onde eu estou naquele momento.
ARTUR

domingo, 4 de janeiro de 2009

CRÓNICAS FASSBINDER III


Mantendo quase inalterável a sua equipa, R.F. rodeava-se de um núcleo de actores (Hanna Schygulla e Ute Lamprecht entre outros) que transformaram as rodagens dos filmes num trabalho familiar. Homosexual e consumidor de drogas assumido, R.F. seguiu o caminho da vertigem até ao limite do trilho, até à morte. A tentativa de compreensão do crime, as transgressões dos comportamentos sexuais e uma certa estética do “rasca”, constituem-se em instrumentos de trabalho na sua obra. Fazendo um cinema de vanguarda sempre minoritário foi revelando uma parada de personagens recrutadas na fina-flor da marginalidade; prostitutas, homossexuais (femininos e masculinos), impotentes, travestis, bêbados, drogados, terroristas, maridos enganados. No fundo acabou por se tornar um exemplo expressivo da época ainda hoje marcada pela ambiguidade e ambivalência, pela náusea e pelo grito, onde os fascistas se confundem com os terroristas, as lésbicas com os homosexuais, os chulos falocratas com os agentes da Lei e o Poder com o Mal. Máscaras a um tempo complacentes e dolorosas. Como ferramenta de trabalho, a marginalidade, longe de ser escolhida como alternativa figurativa da sociedade instituída, não passou de um pretexto. De facto, ao representar a marginalidade, em vez de exibir heróis, R.F. retrata a imbecilidade humana através do egoísmo e da satisfação mediática que influenciam e condicionam as nossas vidas. Por isso foi inconveniente, por isso foi maldito. Por isso também, as relações do poder estão tão bem documentadas na temática dos seus filmes. R.F. filma os homosexuais burgueses mais esclarecidos, os trabalhadores emigrados perseguidos pelos trabalhadores nativos, os marginais marginalizados, as mulheres submetidas pelos homens, os homens possuídos pelas mulheres, os homens traídos pelos homens, os empregados explorados pelos patrões, os filhos subjugados pelos pais…
As relações sociais e a emocionalidade delas emergente desfilam em cada cena com a força esmagadora de quem, não nos querendo ensinar nada, simplesmente nos convida a melhor sabermos quem somos. Assumindo como dado adquirido o omnipresente lado mau da nossa consciência, Rainer Fassbinder parte dessa absoluta necessidade de o dar a sentir para que uma incómoda e nauseante vontade de crime e expiação tenha lugar. O Mal é parte integrante do Homem, que o pratica como qualquer outro acto quotidiano, e a sua erradicação só se torna possível através de um complexo processo de paixão auto-contemplativa que passará forçosamente pela prática de actos moralmente negativos. Para que a expiação e, consequentemente, a libertação, possam ocorrer. Ou, dito nas suas próprias palavras: “Provavelmente é preciso atravessar o inferno para se conseguir chegar a um mundo melhor…”

Artur Guilherme Carvalho

Grafite s/ papel #12

sábado, 3 de janeiro de 2009

CRÓNICAS FASSBINDER II


Crónicas Fassbinder II

Se muitos consideram perceptíveis os filmes de R.F., não será por se repetirem mas por neles existir uma unidade de forma e fundo que, ao penetrá-los os acabou por ordenar de forma estruturada. Recorrendo ao Expressionismo e ao Naturalismo, R.F. propôs-se compor um vasto painel da história contemporânea alemã onde o “kitsch”, melodrama e o anti-teatro dos primeiros tempos se juntaram à admiração e paródia que gostava de fazer aos filmes americanos dos anos 40 e 50. Representando uma nova sensibilidade estética, ética e erótica, R.F. pressentia as crises da Alemanha como crises pessoais.
O passado recente marca a sua influência através da psicose do tempo da ascensão nazi (A SEGUNDA DIMENSÃO); a condição dos alemães durante o nazismo simbolizada na cantora com ligações às altas patentes do Reich e à resistência judaica (LILI MARLEEN); a metáfora da Alemanha dividida após a guerra e a relação com o ocupante americano (O CASAMENTO DE MARIA BRAUN); de novo a reconstrução alemã em pano de fundo (LOLA); e por fim o excelente apontamento televisivo de mentalidade colectiva do povo alemão entre duas guerras no princípio do séc. XX ( BERLIN ALEXANDERPLATZ).
Ao reflectir a Alemanha do seu tempo, R.F. escolheu algumas das suas manifestações mais incómodas desde a homosexualidade (O DIREITO DO MAIS FORTE Á LIBERDADE, AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT), ao terrorismo urbano ( A TERCEIRA GERAÇÃO e o documentário A ALEMANHA NO OUTONO, de parceria com outros autores), passando pelos problemas da emigração e da exclusão social ( O MEDO DEVORA A ALMA) compondo um quadro sociológico interessante de seguir e até mesmo de se tornar alvo de estudo nalgumas disciplinas de Ciências Humanas.

Grafite s/ papel #11

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

CRÓNICAS FASSBINDER I


Quando pensamos em Fassbinder e no seu trabalho, “enormidade” será talvez o vocábulo mais adequado, quer para definir a versatilidade do seu talento, quer a vastidão da sua obra.
Nascido em 31 de Maio de 1946 em Blad Worishofen na Baviera, perto de Munique, Rainer Werner Fassbinder fez da sua breve existência de 36 anos um percurso meteórico que, ao percorrer intensamente as áreas do teatro, da rádio, da televisão e do cinema, fortaleceu a cultura e revitalizou a cinematografia alemãs, inscrevendo o seu nome na galeria dos imortais do cinema europeu. A extensão e complexidade do seu legado artístico tornam incompleto e ultrapassável qualquer artigo que sobre ele se escreva.
Com 41 longa metragens produzidas, tudo começa no palco quando no ano de 1968 resolve fundar, de parceria com Hanna Schygulla, Kurt Raab e Per Raben, o “Anto-Theater”. Daí para o cinema foi um curto passo para este confesso admirador de Godard. O arranque da sua obra evidencia as suas preferências na medida em que os seus primeiros filmes se inspiram na “Nouvelle Vague”. Estavam dados os primeiros passos para o Novo Cinema Alemão onde, além de Fassbinder, Margueritte Von Trotta, Volker Schlondorf e Jean-Marie Straub marcariam uma das épocas mais ricas e inovadoras da cinematografia germânica desde a fase expressionista dos anos 20 e 30. No início dos anos 70, juntamente com Peter Lilienthal e Thomas Shamoni, Fassbinder funda a produtora Filverlag des Autoren que mais tarde se vem a revelar imprescindível na difusão do Novo Cinema Alemão no estrangeiro.
O cinema de R.F. foi uma permanente corrente de inadaptação que se poderá caracterizar por um sentimento de vertigem desenvolvido entre a santidade e o demoníaco, sempre sobre a estreita linha de fronteira da morte. O seu trabalho acusou sempre, para além do peso influenciador da herança cultural, um enorme compromisso com a Alemanha do seu tempo. No teatro começou pelas adaptações livres de clássicos como Sófocles, Goethe, Ibsen, Tchekov ou Genet, que resultariam mais tarde em memoráveis traduções cinematográficas como AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT, ou QUERELLE, o seu último filme. A Literatura alemã tem também algum destaque quando adapta escritores como Theodore Fantane (ORGULHO E PRECONCEITO) OU Alfred Doblin num colossal seriado televisivo intitulado “Berlin Alexanderplatz”.

The Garden of the Thousand Shapes #3: The Infinite Flower #1

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

DER BLAUE ANGEL


Josef Von Sternberg

Alemanha, (1930)

Simbólico a uma série excessiva de níveis, O ANJO AZUL contém em si uma história de decadência, um sopro de vertigem a que nenhum personagem consegue escapar, revisitando uma parábola tão antiga como a Humanidade.
Num raro momento de cooperação entre os estúdios da UFA (Alemanha) com a produtora Paramount, o realizador americano de origem austríaca Josef Von Sternberg (1894-1969) desloca-se á Europa para realizar aquele que será o seu único filme naquele continente após uma carreira bem sucedida em Hollywood desde 1925. Com ele regressa também o actor alemão Emil Jannings, escorraçado com o advento do sonoro e a sua terrível incapacidade de disfarçar o sotaque germânico.
Com a revelação da até aí secundaríssima actriz, Marlene Dietrich, O ANJO AZUL marca o ponto de partida para uma dupla de sucesso em Hollywood nos anos seguintes. De facto, Sternberg e Dietrich seguiram para a América tendo ambos feito cinco filmes entre 1930 e 35.
Baseado no livro “O Professor Unrat” de Heinrich Mann (1871-1950), irmão de Thomas, publicado em 1905, o filme será uma adaptação muito livre em que a parte final é completamente alterada. No livro o Professor apaixona-se por uma cantora de “cabaret”, sendo essa ligação objecto de duro castigo. Unrat perde a cátedra. Determinado em se vingar da sociedade, o Professor passa a militar num movimento político de esquerda, até que é preso. E é precisamente esta parte da vingança, tão ao gosto de um autor de confissão socialista, que não agrada nem a Sternberg nem a Jannings. Ainda hoje se especula porque é que Heinrich Mann – senhor de um feitio difícil e um carácter rigoroso – aceitou a adaptação. Mas foi o que aconteceu.
Naquela cidade carregada de arquétipos cinematográficos típicos dos anos 20 (reconstituição em estúdio de ruas sombrias e tortuosas, manipulação ostensiva de efeito irreal da banda sonora, iluminação expressionista, etc.), todos os caminhos vão dar ao “Anjo Azul”. Os alunos de Rath, que ele surpreende com uma fotografia de Lola, a curiosidade do Professor austero, os viajantes do outro lado do mar…
Rath acaba por se apaixonar pela cantora, pela dona da voz das canções altivas e tristes, por um objecto de desejo. Acaba por ir viver com ela. Esta paixão dará lugar a uma rampa inclinada de decadência verificada no processo de desarticulação do professor para se estatelar na cena em que ele sobe ao palco para imitar um galináceo. O outrora rigoroso e austero Professor dá lugar, por amor, a um velho decadente dentro de uma vestimenta ridícula feita à base de penas a tentar imitar um galo para gáudio de uma assistência ruidosa de gargalhada rápida e alarve. Este é talvez o momento mais triste e doloroso do filme. O da consagração da humilhação pública. A alternativa às lágrimas que Rath não chora por orgulho e por paixão cega.
Mas não é só ele que chega ao fundo do poço. Debaixo de toda uma sensualidade ostensiva e uma capa de mulher-vampiro, Lola acaba também ela enquanto vítima do mundo onde vive. Está simbolicamente assinalado na gargalhada que solta na cara do Professor quando este lhe pede em casamento. No final, esta atitude de escárnio acabará por se juntar ao riso de Mazzepa, uma esperança no coração dela. Na canção final, vestida de negro, a repetição da mesma música apresenta-se agora despida de erotismo, onde toda a fetichização joga em sentido inverso da aparição inicial. Mazzepa e Rath viram as costas, o ruído dos espectadores deixa-se de ouvir, tudo vai ficando gradualmente afunilado de silêncio.
Para Rath há um percurso, acordado pelo foco da lanterna do guarda da noite. Uma possibilidade de regresso à antiga existência. Para Lola tudo é diferente. O seu mundo continuará a repetir-se. As canções continuarão a ser cantadas embora o pássaro nunca se consiga libertar da sua gaiola.
História de amor, clássico de uma época do Cinema de todos os tempos, O ANJO AZUL revela-se encantador tanto na sua simplicidade como na forma como é construído. A grande Escola Alemã dava aqui um dos seus últimos contributos triunfantes para a História do Cinema, marcando a decadência do fim da Alemanha de Weimar a poucos anos do Partido Nacional Socialista ganhar as eleições.
Por todas estas razões, O ANJO AZUL é uma obra de arte obrigatória para qualquer cinéfilo que se preze.

Artur Guilherme Carvalho

A Cidade dos Imortais