terça-feira, 29 de março de 2016

LOUCOS ANOS 70



                                                  (Desde os ecos até ao muro)




No início dos anos 70 a cena psicadélica começa a ficar para trás no caminho dos Pink Floyd e a sua sonoridade torna-se algo estranho e difícil de classificar. A banda alcançava a maturidade inaugurando a sua própria marca. David Gilmour, Roger Waters e Richard Wright conseguem encaixar individualidades, estilos e desempenhos numa sonoridade única. É a grande explosão criativa que contém duas das mais belas obras-primas da história da música ( The Dark Side of The Moon (73)  e Wish You Were Here (75)). Com o empenho e a colaboração de todos os membros da banda o som resultou muito mais elaborado com letras mais filosóficas a vestir o estilo único de uma guitarra de blues de Gilmour, enquadrada por sonoridades mais evidentes do baixo de Waters, tudo conjugado numa extensa harmonia de melodias e teclados de Right. Em estilo de pontuação os coros femininos e o saxofone de Dick Parry.  O máximo da perfeição para toda esta mudança foi atingido com “Echoes", uma canção épica de 23 minutos ocupando todo o lado B do álbum (Meddle (71)),onde longos solos de guitarra e teclado se combinam com mistura de órgãos e sintetizadores. A faixa “Fearless”é prenunciadora do sentimento melancólico que acompanhará os próximos três álbuns da banda. Recebido de forma entusiástica por público e crítica no reino Unido, Meddle é ainda hoje considerado um dos trabalhos mais aclamados da banda.
Obscured by Clouds   foi lançado em 72 enquanto banda sonora para o filme de Barbet Schroeder LA VALLÉE. Embora pouco defendido pela crítica englobava alguns aspectos temáticos que se repetiriam nos álbuns seguintes como, por exemplo, a passagem do tempo, a morte, a vida e a morte do pai Waters na II Guerra Mundial.
Em 1973 acontece o maior sucesso da banda, o álbum que os coloca definitivamente no panteão universal. The Dark Side of the Moon  é apenas um instituição só por si que bateu e ainda hoje continua abater recordes de vendas por todo o mundo. Revelação e identificação para várias gerações, as canções do álbum revestem tentativas de alinhamento da condição humana com os diferentes tipos de pressões que nos assolam no quotidiano. Um conceito concebido por Waters quando numa reunião com a banda em que todos foram desafiados a colocar uma lista de temas sobre a mesa, lista essa a que regressariam várias vezes para compor trabalhos posteriores. A violência e a futilidade da guerra (“Us and Them), a insanidade e as neuroses a relembrar o estado de Syd Barrett (“Brain Damage”), a passagem do tempo (“Time”) são alguns dos pontos altos deste trabalho que conta também com efeitos sonoros incidentais e partes de entrevistas onde se ouve Waters fazer perguntas como : “quando foi a ultima vez que foste violento?”; “tinhas razão?”; “tens medo de morrer?”. A fidelidade do som adquire parâmetros de elevada exigência com o trabalho meticuloso e preciso de Alan Parsons, o engenheiro de som do álbum, enriquecendo a imagem de marca da banda para futuros trabalhos. No colégio interno onde andava houve alguém que teve a ideia de nos acordar às sete da manhã utilizando a instalação sonora onde normalmente soava um cornetim com temas deste álbum. Ainda hoje tenho arrepios e não consigo ouvir até ao fim temas como “Time” e “Money”. Por outro lado, a capa do álbum representava a refracção da luz. Através de um triângulo a luz entra  num raio único e branco transformando-se à saída num arco-íris, a mesma imagem que poderia ser observada num livro de Física do meu 3º (actual 7º ano). É também por essa época que as tardes de Sábado apresentam uma das mais revolucionárias equipas de humor britânico, os Monty Python, que se apresentaram com a sua série da BBC, “Monty Python Flying Circus”. Para os jovens daquele tempo era uma hora sagrada de nonsense e boa disposição. No final dos anos 60 os Pink Floyd paravam as gravações para assistir ao programa. Mais tarde (75) na sua primeira aventura de longa metragem para o cinema MONTY PYTHON AND THE HOLY GRAIL, os Monty contaram com uma preciosa ajuda à produção de bandas como os Led Zeppelin, os Genesis e os Pink Floyd.
Num esforço para rentabilizar a sua recente chegada à fama a banda lança uma colectânea intitulada A Nice Pair , uma mistura de temas dos dois primeiro álbuns. Foi também nesse período de tempo (72) que o realizador Adrian Maben lançou o primeiro filme concerto dos Pink Floyd, LIVE AT POMPEI. A montagem original para cinema apresentava a banda a tocar em 1971 num anfiteatro em Pompeia sem ninguém presente além dos elementos da banda e a equipa de filmagens. A esta rodagem foram acrescentadas imagens gravadas nos bastidores da banda durante as sessões de gravação de  The Dark Side of The Moon nos estúdios de Abbey Road. Esta última recolha de imagens acabou por integrar futuros lançamentos de LIVE AT POMPEI. É também no meu 3ºano (actual 7º) que com 12/13 anos de idade despertei para a idade adulta e uma das minhas primeiras paixões foi a arqueologia. No espaço das actividades circum-escolares, entre várias imagens de monumentos paleolíticos, ruínas romanas e do Antigo Egipto, as que mais me chamaram a atenção foram as das escavações da cidade de Pompeia destruída em 79 DC por uma erupção do vulcão do Monte Vesúvio. A circunstância de surpresa geral que levou a população a ser apanhada e petrificada pela lava e pelas cinzas marcou-me profundamente. Em contraste, os Pink Floyd tocaram para um anfiteatro vazio de público. Uma comparação fascinante.
Depois do sucesso de Dark Side a banda tinha dúvidas em relação ao rumo a tomar. Numa tentativa de regresso ao experimentalismo começam a trabalhar num novo projecto intitulado Household Objects , que consistia em canções tocadas literalmente em objectos caseiros. No entanto o planeamento do álbum foi posto de lado e decide-se voltar aos instrumentos tradicionais. Apesar de não existir nenhuma gravação final deste trabalho, alguns efeitos foram usados no álbum seguinte, Wish You Were Here (75). Comecemos pelo grande instrumental “Shine On You Crazy Diamond”, um tributo a Barrett onde as letras ilustram bem o seu declínio. Regressam os solos de saxofone, a fusão de jazz com uma slide guitar agressiva, sintetizadores. Seguem-se faixas como “Welcome to the Machine” e “Have a Cigar” em jeito de críticas profundas à industria discográfica, tendo a ultima sido cantada pelo cantor folk Roy Harper. Trata-se do terceiro album dos Pink Floyd a alcançar o primeiro lugar nos tops tanto do Reino Unido como dos Estados Unidos. Tal como o anterior ,The Dark Side of The Moon, o êxito junto da crítica foi retumbante. A partir de 1973 a influência de Waters vai-se instalando ao ponto de se tornar a linha dominante da banda.




UM HOMEM RAPADO E CARECA

Numa história mais ou menos conhecida, um homem com cabeça e sobrancelhas integralmente rapadas andou pelo estúdio enquanto a banda procedia às misturas de “Shine On you Crazy Diamond”. Por algum tempo ninguém o reconheceu até que alguém percebeu tratar-se de Syd Barrett. Quando lhe perguntaram como é que tinha ficado assim, rapado e obeso, ele respondeu que tinha uma frigideira na cozinha e que comia bastante carne de porco. Numa entrevista em 2001 para um documentário da BBC, SYD BARRETT: CRAZY DIAMOND (posteriormente lançado em DVD como THE PINK FLOYD STORY AND SYD BARRETT STORY) este episódio é relatado na íntegra. Rick Right diz: “Uma coisa que nunca mais esquecerei. Vinha para as sessões de gravação. Passei pelo estúdio e vi este tipo sentado lá ao fundo. Não o reconheci. Perguntei a alguém quem era ele. Disseram-me que era o Syd. Não queria acreditar. Tinha rapado o cabelo todo…sobrancelhas, tudo…andava aos saltos para cima e para baixo, foi horrível. Acho que o Roger estava a chorar, todos nós estávamos perturbados. Sete anos sem nenhum contacto, e de repente quando vamos gravar aquela faixa, ele aparece. Carma, coincidência? Não sei, mas aquilo foi muito poderoso”.
No mesmo documentário, Nick Mason: “Quando me lembro disso, ainda me consigo lembrar dos olhos dele, mas…tudo o resto estava diferente”.
Roger Waters: “ Eu não tinha ideia de quem seria ele durante algum tempo…”
E por fim David Gilmour: “ Nenhum de nós o reconheceu. Rapado…careca e bastante gordo”. Na versão definitiva de 2006 do documentário, as entrevistas estão em formato completo sem cortes. Aí podemos apreciar muito mais detalhes dos sentimentos e acções dos antigos companheiros de Barrett. A figura ficou de tal maneira inscrita nas suas memórias que voltaria a ser repetida no filme de Alan Parker THE WALL, interpretado por Bob Geldorf.




ANIMALS

Influenciado pelo trabalho do escritor britânico George Orwell (“Animal Farm”/ “O Triunfo dos Porcos”), Animals (77)  apresenta desde logo duas novidades. Em primeiro lugar o facto de ter sido gravado num novo estúdio , o Britannia Row. Em segundo lugar, e muito provavelmente pela influência do punk rock , encontra-se muito mais centrado na sonoridade da guitarra. Para trás ficam as passagens de saxofone e os corais femininos utilizados nos dois álbuns anteriores. O resultado acaba por dar um trabalho de hard rock enquadrado entre duas partes de uma peça acústica. Os temas, influenciados pela obra de Orwell, são reflexos humanos, metáforas da sociedade contemporânea. Cães, porcos e ovelhas ocupam as suas funções na estrutura dentro da qual todos vivem. A crítica não conviveu muito bem com o álbum, chegando mesmo a classificá-lo de entediante e vazio. A capa inicial era para ser uma imagem de um porco gigante insuflável a voar entre as torres da estação energética de Battersea Power Station. No entanto o vento acabou por atrapalhar os planos de controlar o balão. O porco acabou por se tornar um dos mais memoráveis símbolos dos Pink Floyd sendo mais tarde muito utilizado nos seus concertos.
Seguir-se-ia The Wall, mais uma obra prima tão vasta e tão rica que só por si justifica um artigo inteiro.



EU E OS PINK, LONDRES E O MEU TIO

A minha tia mais nova emigrou no início dos anos 70 para Inglaterra, onde ainda hoje vive. No ano em que nasceu o meu primo (74) passei o primeiro de vários natais na casa dos meus tios. O meu tio Frank, quando o conheci tinha uma loja de discos. Era fã de musica clássica mas deitava uma breve olhadela à música contemporânea sempre que entendesse necessário. Vários dos meus primeiros discos/cassettes foram-me dados por ele. Guiava um Austin Woody com frisos exteriores de madeira com Maltesers lá dentro perdidos no chão que rolavam para a frente sempre que travava. Comecei a gostar mais de Pink Floyd por causa dele. Ao Domingo depois do jantar costumávamos ir para o seu escritório ver o resumo da jornada do futebol (fui sócio correspondente do Liverpool durante três anos por causa dele). No berço o meu primo dormia embalado e na aparelhagem, muito baixinho, ouvia-se Pink Floyd.
“Se Bach ou Beethoven fossem vivos nos dias de hoje, a música que eles fariam seria muito parecida com a dos Pink Floyd” – dizia-me enquanto bebia o seu sherry.
No Natal de 78 a sua prenda para mim foram duas caixas com seis álbuns dos Pink Floyd e dois posters. Um deles, as pirâmides de Gizé retratadas com uma lente azul, esteve anos na parede do meu quarto. A obra quase toda à excepção dos dois primeiros álbuns. Apesar de gostar bastante dos Floyd o Punk atraía-me mais, tinha mais movimento. O movimento e a agitação são característicos de um jovem adolescente. Os Floyd ficavam para tempos mais calmos. Voltaria a Inglaterra, voltaria aos Pink Floyd e à casa dos meus tios. Por mais que me afastasse, por mais que não ligasse ou não quisesse saber, os Pink Floy acabavam sempre a bater à minha porta. Por todas as razões e mais uma.



Artur Carvalho

terça-feira, 8 de março de 2016

LONGE DOS HOMENS





LONGE DOS HOMENS

David Oelhoffen

França, 2014

Perdido no interior da Argélia, um homem dirige uma escola primária rodeado de pedras, areia e uma imensa vastidão de território onde nada cresce. Um dia a sua rotina é interrompida pela visita de dois homens, um policia e um prisioneiro. Com as sublevações dos rebeldes e a escassez de homens, Daru é nomeado para escoltar o preso até à povoação mais próxima para aí ser julgado pelo homicídio de um primo. Assim começa a história de LONGE DOS HOMENS, uma adaptação do conto “O Hóspede” inserido na colectânea “O Exílio e o Reino” de Albert Camus. Cercados de pobreza e aridez os homens tentam contrariar as possibilidades de vida insistindo em habitar e continuar a viver num espaço que nada lhes dá. Às vezes respeitam-se, às vezes matam-se e no fim todos acabam por morrer. É neste cenário tantas vezes referido na obra de Camus que o filme se vai desenvolvendo, desenhando na figura do mestre-escola o máximo possível de um exilado na sua própria terra. Alguém que ali nasceu, que ali cresceu e que no entanto é visto pelos locais como um estrangeiro. Enquadrado na aridez do deserto e na solidão humana, David Oelhoffen vai escavando sem pressa nem sobressalto uma narrativa segura que se afirma ao longo dos caminhos de pedra, dos conflitos das armas e da ausência de felicidade. “O Hóspede” é a mola de arranque que o realizador usa como ponto de partida. O filme no entanto vai adquirindo a sua identidade ao lhe acrescentar alguns pormenores e personagens que apenas enriquecem a narrativa original. E sai reforçado desse esforço. Se lhe juntarmos uma excelente fotografia, uma extraordinária banda sonora de Nick Cave e Warren Ellis e uma soberba interpretação de Vigo Mortensen ficamos perante uma das melhores adaptações de Camus para cinema.
Ficamos a saber mais alguma coisa cerca de Daru, que tinha sido combatente na Segunda Guerra Mundial no exército francês, que era viúvo e descendente de emigrantes espanhóis, que no fim vai ter que abandonar a sua escola e procurar a vida noutro lugar.
Dissemos que o filme acrescenta à narrativa em que se baseia. Mas esse acrescento veio apenas reforçar, tornar mais nítida a história que se pretendeu contar nos anos 50.
No meio de um conflito em que não quer tomar partido, confrontado com uma justiça em que não acredita, ocupado com a sua escola, filho de um território que não o reconhece, Daru quer apenas continuar a ensinar as crianças a ler. E no meio de tanta injustiça, debaixo das balas de uma guerra de que não faz parte, hostilizado pelos seus compatriotas enquanto um ser estrangeiro, o mestre-escola tem ainda tempo de afirmar a vida na medida em que tudo faz para devolver o seu preso à liberdade. E assim acaba por acontecer. Mohamed e Daru despedem-se numa encruzilhada do planalto. Daru empurra-o para a sua vida contrariando todas as tendências dominantes naquelas paragens. Porque a solidariedade, a colaboração e a ajuda são os únicos valores que fazem sentido quando mais nada é favorável à condição humana.
Um excelente filme premiado nos festivais de Veneza e Toronto. Um hino à Humanidade.


Artur

quinta-feira, 3 de março de 2016

S/ título

ENQUANTO HOUVER PORTUGAL

                                     
                                                    PARABÉNS COLÉGIO MILITAR

                                                 
                                                    03 - 03 - 1803    -      03 - 03 - 2016