quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

NAGISA OSHIMA

                                                                      1932 - 2013

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

JUSTE UNE IMAGE

Num café anónimo de uma cidade qualquer a noite levanta-se devagar. Lá dentro um casal prepara-se para beber um café ou comer qualquer coisa. Cá fora um cão faz o reconhecimento do terreno com o nariz enquanto espera o regresso do dono. Nesta imagem tranquila, o mundo não tem lugar com as suas misérias e desgraças do costume. Celebra-se um momento de paz, uma simples situação em que por momentos tudo está no lugar onde devia estar, tudo faz sentido, todas as formas e todas as cores se encaixam entre si em harmonia. Descendente da esplanada nocturna de um café em Arles (Van Gogh), esta também poderia ser a primeira imagem de um filme de Wenders, um “estado das coisas” ou um “movimento em falso”, da sua primeira fase. Esta podia ser a imagem que antecede as rodagens de um filme de Scorcese, no momento exactamente posterior à sua equipa ter molhado as ruas para melhor fazer sobressair as luzes e as formas nocturnas da cidade. Mas não. É apenas a imagem de dois amigos meus entretidos no seu fim de dia, com um cão cá fora a cheirar as pedras do chão. Não será nada de espectacular, muito menos original. Nas palavras de Goddard, não será uma imagem justa, será simplesmente uma imagem. Uma imagem que me aquece a alma pela simplicidade tranquila com que se apresenta. Uma imagem onde cabem os meus dois amigos João e Ana na rotina do seu tempo. Apenas uma imagem…

Artur

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

LANÇAMENTO


Convido todos os que quiserem e puderem a estar presentes no lançamento do meu último romance.

Artur Guilherme Carvalho

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O DESENCONTRO DO LOBO


Chego cansado do trabalho e encho-me com o amanhecer como se fosse o mais deslumbrante milagre da vida. A luz vai-se erguendo tímida e incerta, devolvendo à cidade as formas perdidas no escuro da noite. A estrada assume o seu destino, as casas erguem-se orgulhosas no alinhamento das ruas, as pessoas caminham em todas as direcções, o carro assume vontade própria e pára à porta da tua casa. Como um autómato encontro no bolso a chave que nunca tive e subo as escadas que nunca subi para te encontrar, ou voltar a ver na cama onde nunca dormi. Acordas do sonho com um sorriso de boas vindas e sentas-te lentamente como se todas as manhãs estivesses à minha espera. A tua boca que eu não beijo de forma sôfrega e desesperada diz o nome que nunca soube dizer e que por acaso é o meu. Os corpos falam entre si recordando as formas que nunca conheceram como velhos amigos. E recordam manhãs de despedida entre promessas e lágrimas de eternidade, noites desenfreadas de paixão inexistente, carícias nunca executadas, obstáculos e mais obstáculos que nos mantiveram longe, muito longe de nós. As horas dos encontros em que nunca nos encontrámos desfilam num corrupio de memórias, enquanto o chá e as torradas passam de mão em mão. Deixei de te ver quando caiu o nevoeiro antes da minha última batalha contra os invasores, deixei de acreditar em ti depois de uma intriga que me convenceu que tudo estava perdido para o nosso lado, toda a nossa história é um desfile de desencontros e mal entendidos, excelentes objectos de romances e filmes, canções e quadros. Tal como aquela lenda medieval de uma mulher que caminhava de noite com um lobo e de um cavaleiro que galopava de dia com um falcão fêmea no braço. A maldição que os possuía só os deixava ser homem e mulher duas vezes. Ao entardecer e ao nascer do dia. Por isso erravam juntos, humano e animal. Assim, lentamente crescem as penas no teu corpo logo a seguir a terminares o chá. Os teus braços abrem-se cada vez maiores até serem asas. Já nem sobra tempo para um adeus. Escolhes a janela da cozinha e voas lá para fora. Agarrado a um resto de torrada fica um homem a uivar antes de adormecer, fica a memória de um lobo que de noite se arrastou por entre as sombras da floresta. Na manhã que nunca te encontrei as memórias desaparecem enquanto o Sol nasce, os encontros assumem o seu destino na linha do tempo, os corpos regressam às suas formas escondidas pela noite, o carro ganha vontade própria e o destino é sempre um desencontro mal combinado, uma piada de mau gosto de que ninguém se lembra antes de rir.

 

Artur

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

LABIRINTOS


Os sonhos ficam localizados á entrada dos territórios da lucidez. A peça final de um puzzle que se andava a montar há bastante tempo, a solução de um problema, a iluminação necessária para arrumar uma contradição. Sem ser através de palavras ou de uma outra qualquer construção racional, as mensagens dos sonhos vêm até nós sob a forma sensorial/vibratória, não são para ser lidas nem inteligíveis. Alojam-se no Ser e espalham a sua vibração, comunicando assim a sua mensagem. Restam-me 10/15 anos de vida útil e tenho sido ao longo dos anos um verdadeiro campeão do desperdício de tempo. A Vida é uma dádiva, sem dúvida, mas uma dádiva armadilhada, um presente embrulhado em papel de absurdo. É uma dádiva na medida de todas as possibilidades que nos oferece através das experiências e dos contactos com os outros seres, mas carrega consigo um sem fim de exigências, de pressupostos, de obrigatoriedades que têm de comum estarem sempre a afastar-nos do nosso caminho, da nossa verdadeira natureza. Daí que a frustração seja na maior parte dos casos a nossa companheira mais presente. Antes de morrer gostaria de escrever mais um livro ou dois. Mas antes de poder-me dedicar a essa tarefa tenho de preencher uma série de requisitos, de cumprir um sem fim de prioridades, satisfazer uma data de obrigações, que não sei se terei tempo para o que realmente (me) importa. Não se escolhe ser escritor, ou criador em geral. A escrita está dentro de quem escreve como o ar que respira, o ar que tem de ser trabalhado pelo sistema respiratório e devolvido à atmosfera. Não se trata de uma escolha mas antes de uma descoberta, a da nossa natureza, a da identidade do Ser. Escreve-se por inúmeras razões, sendo a mais evidente a de tentar evitar rebentar por dentro.

Por isso compreendo perfeitamente a frase de Kafka quando dizia que na sua vida lhe interessava apenas e só a Literatura. Tudo o resto era um desperdício, uma perda de tempo. Um tempo que nos fazem perder desde que nascemos com uma encenação barata que mais não é que a justificação permanente de um sistema, de uma condição, de um modo de vida em que se embeleza a condição de escravo de uma maioria para o enriquecimento de um punhado de espertos. Os padrões culturais e religiosos vão cumprindo o seu papel de domesticação de uma espécie (a nossa) afastando-a das suas raízes, da profundidade do seu Ser. A raiva, o ódio, a violência são expressões desse afastamento, cuidadosamente aproveitados para beneficiar sempre no mesmo sentido. São as válvulas de escape que nada aliviam para que todos se sintam mais aliviados.

De modo que vivemos numa condição onde reina o “tragicamente patético” ou o “pateticamente trágico”. Exemplos, apenas dois. Os eternos programas de debates, tão uniformemente iguais em todas as estações de televisão do mundo inteiro, onde especialistas em generalidades se espremem para debitar conceitos, repetir cantigas antigas, em suma, pavonear um determinado tipo de conhecimento inútil, inodoro e inconsequente. Após os seus números tudo vai continuar a acontecer exactamente da mesma maneira. As tragédias, as tragédias que são noticiadas até à exaustão, os massacres, as guerras, as mortes de crianças, sem que nada aconteça que as consiga evitar. Tenho que ficar longe destes debates estéreis e destas tragédias absurdas para preservar a minha sanidade mental. Tenho que me fechar ainda mais no espaço da minha natureza e trabalhar a partir daí. A idade afasta-me cada vez mais do erro ou da vontade de errar porque cada vez tenho menos forças para pedir desculpa e para repetir o que no passado foi lido como errado. O sonho da última noite enviou-me mais um aviso. Tenho mais 10/15 anos de vida útil à minha frente e é melhor equacionar e destacar o que é realmente importante. Além da família e dos amigos, tenho que deixar feitos mais um ou dois livros, isso sim é que importa. A insanidade do mundo não cabe toda nas minhas costas, é um peso excessivo, um problema que não me cabe resolver. A intoxicação de uma informação inútil e permanente não me serve para nada. Os sonhos falam comigo. Felizmente com cada vez mais tempo, cada vez mais dentro dos territórios da lucidez.

 

Artur