quinta-feira, 29 de abril de 2010

O HOMEM INVISÍVEL


O homem invisivel decidiu dar cabo de mim
A sua presença é um convite permanente para a depressão
Estou sempre à espera de mais algum dos seus golpes baixos
Empurra-me para labirintos donde não há evasão

Ele já sabe há muito tempo que eu não posso detê-lo
Já sabe há muito tempo que não tenho meios para o apanhar
Sou eu quem dá a cara
Quem desperdiça a força que ele acaba por neutralizar

O homen invisivel foi uma péssima invenção
Vive à custa do meu mal e não tem nada de bom para dar
Embora, ás vezes, ele faça aliciantes promessas
Nenhuma delas até hoje me conseguiu acalmar

Eu sou apenas mais um entre os seus milhões de vitimas
Muitos já tentaram dar-lhe a volta, atirá-lo ao chão
Mas toda a gente falha
São todos contaminados pela sua má vibração

O homen invisivel já é velho e cheira mal
Extremamente imoral, é capaz de vender a própria mãe
Não acredita no sonho, o seu amor é o dinheiro
E vive no terror constante de perder o que tem

Talvez eu nunca mais chegue a ver-me livre do monstro
Mas enquanto ele anda aí também vai ter que me aturar
Enquanto eu tiver voz
E algum sangue nas veias, ele não vai conseguir descansar

Jorge Palma

terça-feira, 27 de abril de 2010

TU AÍ & FALHAS


Nasci entre ruínas
E nos vícios eu tentei crescer
Quero crescer!

Andei no limite do tempo
Tentei correr contra o vento
Pra quê?

Joguei no destino errado,
Perdi-me por querer saber

Tu aí!

Espero alguém chegar
Queres assim
Alguém pra me orientar
Ficas aí?
Tenho que me aguentar
Até ao fim


FALHAS

Falhas todos temos
Mas crónicos remorsos são por demais indesejáveis
Se agiste mal corta essa
Mas tenta pensar melhor da próxima vez
Não te deixes cair em tentações melancólicas
Porque rebolar no lodo só serve
para te sujares

Será que me vou salvar?

sábado, 24 de abril de 2010

ESQUECI-ME


De repente, esqueci-me. Acho que queria “ser onda” e mergulhar no vaivém do oceano com um romance do Manuel Rui debaixo do braço. Naqueles breves momentos em que parece que tudo faz sentido, naqueles instantes de lucidez absoluta que poisam numa fracção de segundo nas nossas cabeças. Quando, de repente, o universo é um lar acolhedor e nenhuma existência pode ser dispensada. Aí, sim. Sei quem sou, gosto de “me” ser, o “Eu” tem muito mais razões do que desculpas. Uma razão total e absoluta, tão forte e tão breve que quase só se identifica vestida de vaga memória.
Um jantar ao ar livre, algures em África, entre o som dos tambores e os cânticos locais.
Talvez por lá ter nascido, é em África que estes momentos de plenitude existencial mais me visitaram. As manhãs que se espreguiçam numa luz inconfundível, a paisagem luxuriante, os fins de tarde dignos da criatividade de um Deus maior. Também sinto o mesmo nas cidades da minha predilecção, mas em África…parece que tudo corre numa sabedoria milenar, harmoniosa. A atravessar um rio, a caminhar num mercado repleto de estatuetas, vegetais, móveis feitos à mão. A beber um gin tranquilo antes do jantar em frente a um rio onde se escondem hipopótamos, observando na margem uma família de elefantes que bebe água e se diverte em empurrões de toneladas, uns contra os outros.
De repente, esqueci-me. Deixei que os meus fantasmas tomassem conta da direcção da conversa e caí na depressão que eles me causam por esta e por aquela razão antiga, por um passado que não se pode voltar a arranjar, por mágoas que já gastaram o seu tempo de magoar. E fecho a respiração, aguentando como quando a onda grande nos enrola como uma máquina de lavar. Por momentos sinto que me vou afogar, não sei onde é “em cima”, não há Sol que me oriente. O principal é perder o medo, senti-lo, falar com ele, mas à distância. Deixá-lo naquele lugar em que não nos domine. Parar de agitar braços e pernas à toa sem saber em que direcção nadar. Esperar…e “cagar”. Não somos feitos para viver no fundo, portanto, mais cedo ou mais tarde acabamos por vir à tona. Se tivermos que ir para o fundo, que seja quando quisermos.
De repente, esqueci-me. Entrei nas várias salas desta casa à procura de alguma coisa, e encontrei sempre coisas diferentes. Raramente, o que procurava. Mas como onda que julgo ser, vou e venho sem me importar com os dias cinzentos. Se passamos a vida frustrados por nunca conseguir encontrar a definição do absoluto, a manifestação da eternidade, o dedo do divino, se calhar é por termos a memória desses conceitos no nosso interior. Por sermos absolutos, deuses exilados em atmosferas finitas, existências perenes. Há quem diga que a sequência das ondas marca a respiração do mar. Acredito.
Assim como os momentos de harmonia absoluta marcam os traços da nossa verdadeira identidade. Quem me dera ser onda…

Artur

terça-feira, 20 de abril de 2010

POR AQUI ME VEJO

Aqui me tens, imagem que me reflectes no espelho sem expressão definida. Olhos que interrogam, que hesitam na duvida de reconhecer o olhar que reflectem. Aqui me tens como naquelas tardes de Primavera em que a rua era o mundo e tudo era possível de acontecer. Ali me tinhas, sozinho e no entanto livre, embriagado de poder fazer o que quisesse, escolher qualquer direcção ao acaso. Por ali estava de atenção suspensa sobre a espuma das ondas de uma praia morna, sentindo a humidade da areia no passo. Ali me tinhas, eu e o mundo perdidos de tempo para esbanjar, afogados num universo de interrogações, num mar de dúvidas, alimentados pela vontade imensa de conhecer, de saber de correr os quatros cantos do mapa da existência.
Ali estive, nas escolhas e nas lutas, nas dores e nas alegrias, no infinito e doloroso processo de quem cresce sozinho, acompanhado apenas por uma imagem no espelho.
Assim me tens, caçador inveterado de dúvidas, perplexo espectador eterno que nunca compreendeu grande coisa.
Assim me tens, enfraquecido pelo pó dos dias, enferrujado pelo bafo da humidade a desacelerar o andamento, a gemer mais vezes do que a rir, mas contente. Contente por saber que tudo isto, por mais estúpidos que sejam os dias, tudo isto terá que terminar como numa viagem de comboio. As estações vão acontecendo em linha, nunca em círculo. E a linha terá o seu fim, a última estação antes de perceber melhor o quadro inteiro. Talvez uma aproximação nocturna debaixo de chuva, um apeadeiro solitário e abandonado como a existência. Um átrio arejado e limpo e um espelho para onde caminharei sem pressa. Alguém do outro lado que me vem buscar, um vulto que se próxima à medida que caminho para ele. Uma troca de cumprimentos solitários envoltos num sorriso cansado. Aqui me tens, morte.
Artur

segunda-feira, 19 de abril de 2010

CASAS QUE OLHAM PARA NÓS





(Fotos de Sofia P. Coelho)

Casas que olham para nós, cenários, amigos que acompanham o passo. Sorriem insinuantes de fachada maquilhada. Inventam surpresas de beijos escondidos na ternura das suas cores claras. Abrem paisagens de mistérios, de segredos guardados na memória de janelas. Casas que olham para nós, caixas de brinquedos que se abrem sempre com o prazer da primeira vez. Reencontros com a nossa imagem, com os dias que foram, com as histórias que voltam a acordar...

domingo, 18 de abril de 2010

PEIXOTO DA FONSECA 1920 - 2010


Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca pertencia a várias agremiações portuguesas e estrangeiras, entre as quais a Sociedade da Língua Portuguesa, de que foi fundador, a Academia Brasileira de Filologia, a Sociedade Romena de Linguística Românica e a International Society of Phonetic Sciences.

Membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa desde a sua criação, foi condecorado com a Ordem das Palmas Académicas, por "serviços prestados à cultura francesa".

Bolseiro da Gulbenkian e dos Governos português, espanhol, francês e romeno, apresentou comunicações e conferências em numerosos congressos internacionais relacionadas com a literatura e a cultura romenas.

Director da revista "Auditorium"


Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca dirigiu a revista pedagógica Auditorium e publicou numerosíssimos artigos em revistas e jornais portugueses e estrangeiros.

Colaborou em diversas miscelânias e nas actualizações da "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira" . Publicou, entre outras obras, o "Método Prático da Língua Romena", o "Dicionário Francês-Português/Português-Francês da Larousse", "Textos Literários Seiscentistas", "O Português entre as Línguas do Mundo", "Crónicas da Tomada de Lisboa", "Glossário Etimológico das Crónicas dos Portugaliae Monumenta Historica" e "Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores Galego-Portugueses".

O decano dos professores do Colégio Militar morreu na passada Sexta-Feira,dia 16 em Lisboa, de pneumonia.

Fonte: jornal EXPRESSO de dia 17 de Abril

sábado, 17 de abril de 2010

O SILÊNCIO DOS HERÓIS

Hoje apetece-me falar de heróis. Uma tarefa nada fácil num país especializado em pavões e miúdos que nunca crescem e passam a vida a comparar o tamanho das pilas. Mas os heróis são uma parte fundamental na construção de um país, na edificação da Memória Colectiva. Normalmente são homens que cumprem as ordens que lhes são dadas mais aquelas que lhes dita a consciência. Sacrificam a própria existência e morrem por elas ou regressam na condição do anonimato. Raramente evocam o seu tempo de glória e vivem em silêncio. Como aquele pai que nunca contou ao filho quantos inimigos abateu nos seus anos de guerra. Nem a sensação que lhe ficou desses dias. Porque há coisas que vivem e morrem dentro de um homem e só a ele dizem respeito…ou fazem sentido. Desta massa anónima e silenciosa de homens submetidos às ordens recebidas e ao silêncio dos seus actos, tive a sorte de conhecer alguns. Arrancar-lhes pedaços do seu passado era tarefa inglória, esforço inútil. Conheci muitos pelo nome, inscrito em paredes de mármore num convento secular, ao som do toque dos mortos. Sacrificados em nome da Pátria, desde as guerras peninsulares até à do Ultramar…ou Colonial. Podia-vos contar uma ou duas histórias sobre eles. Um morreu agora há dias. Era pai de um amigo meu. Conhecia-o desde os meus dez anos. Sabia vagamente que tinha sido militar, retirado das fileiras na sequência de ferimentos em combate. A propósito de um documentário sobre os prisioneiros do Exército Português na Índia, encontro-o na lista dos entrevistados. Fiquei surpreendido. Então, ao fim de décadas de nos conhecermos, nunca me disse que tinha estado prisioneiro na Índia? Ele focou em mim aquele olhar terno de tio mais velho. “Há coisas que não tem interesse nenhum contar.” Apenas isto. Nem contabilização de culpas, nem considerações históricas, nem relatos de episódios sofridos na carne. Apenas um silêncio feito de nobreza e orgulho.
Também vos posso contar a história de um outro, que não conheci, mas que também se encontrava na Índia nessa altura a chefiar um posto de polícia. As ordens vieram para iniciar a retirada e, de caminho, dinamitar todas as pontes que ficassem para trás. Quando se preparava para colocar as cargas explosivas numa dessas pontes foi surpreendido pela chegada de um régulo da região. Ele pedia-lhe por tudo para não destruir aquela ponte já que ela era fundamental para o seu povo. Habitavam numa das margens mas trabalhavam os campos na outra. Sem a ponte, além da fome, os prejuízos para aquela debilitada população seriam incalculáveis. Ele compreendeu e cedeu. Chegado às suas linhas, relatou o sucedido sem subterfúgios. Esse pequeno acto de insubordinação custou-lhe um castigo e uma carreira. Morreu em silêncio, sem nunca se queixar da sorte ou sequer da incompreensão alheia.
Também vos posso contar aquela passada no norte de Moçambique em que um oficial de cavalaria morreu numa emboscada. No dia do aniversário daquela instituição onde os nomes dos heróis se inscrevem em paredes de mármore no átrio da entrada, está previsto que, havendo dois ou mais antigos alunos na mesma povoação, devem jantar juntos. O corpo do morto aguardava num armazém o seu regresso à Metrópole. E chegou o dia do aniversário da instituição. Dois ou três resolveram cumprir a tradição. O oficial abatido também era antigo aluno. A mesa foi posta a contar com ele. Um talher, um guardanapo, um copo. No lugar da cadeira colocaram o caixão fechado. O jantar decorreu com toda a normalidade.
Numa escola antiga de samurais pode ler-se: “ O caminho do guerreiro é o silêncio”. Eu acrescento: o caminho, a vida, e a morte.
Artur

quinta-feira, 15 de abril de 2010

REGISTO SILENCIOSO




(Fotos de Sofia P. Coelho)

Portas e janelas empilhadas por ordem de equilíbrio, colmeias geométricas com vidas dentro. Histórias. Pedaços de tempo sussurrados na brisa do fim da tarde, olhares vagabundos sobre um Tejo eterno de despedidas e regressos, lágrimas e sorrisos. Fachadas sonolentas nas noites de Estio, que as paixões acendem e o desgosto geme nas cordas de uma guitarra. Revoluções e vinho tinto, jogos eternos de futebol, correrias atrás do relógio para chegar atrasado. Reis e cardeais, arraia miúda, marginais, os figurantes da eternidade. Portas e janelas, testemunhos de linhas direitas, pequenos enquadramentos da Vida registada no silêncio que se espreguiça...e acontece.
Artur

Ornamenta #191


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ornamenta #185


HISTÓRIA DE UMA CANÇÃO


A 19 de Abril de 1945 a Broadway assistiu à estreia de um espectáculo que foi considerado por muitos como o melhor do género do séc. XX. Intitulava-se “Caroussel” e era da responsabilidade autoral da dupla Richard Rogers (musica), e Óscar Hammerstein II (letras). Em dois quadros deste musical, houve na altura a introdução de um tema que se tornou famoso até aos dias de hoje. A canção “You’ll never walk alone” popularizou-se ao ponto de ser utilizada em cerimónias de festas de graduação nos EUA e entoada em vários estádios de futebol por apoiantes de clubes. Neste último caso, o Liverpool F.C. foi o clube que mais se destacou, colando o seu emblema ao sucesso de uma canção desde o início dos anos 60. As palavras que dão o nome ao tema encimam um dos portões de acesso ao estádio de Anfield (Shankly Gate).
(Shankly Gate no Estádio de Anfield)
Mas o êxito de “You’ll never Walk Alone” não se resume a cânticos anónimos de adeptos de futebol ou de estudantes em festa de graduação. Vários cantores famosos incluíram o tema no seu reportório ao longo do tempo. Assim, Frank Sinatra, Judy Garland, Johny Cash, Tom Jones e Elvis Presley (só para citar alguns), emprestaram a sua voz ao tema em gravações registadas para a posteridade. Em 1971, no álbum “Meddle”, os Pink Floyd aproveitam uma gravação das bancadas a entoar este tema em Anfield para a inserir numa das faixas. Por fim, “You’ll Never Walk Alone” tocou no funeral do guarda-redes Robert Encke, no AWD- Arenastadium do Hannover no passado dia 15 de Novembro de 2009.
Por tudo isto, “You’ll Never Walk Alone” é uma canção que, atravessando o tempo, adquiriu contornos de hino humano, com aplicações desportivas, festivas, e de homenagem fúnebre. Ouvir o repórter Nuno Luz em Liverpool enquanto comentava o jogo com o Benfica, a dizer que a canção em questão era da autoria dos Beatles, provocou-me a necessidade deste breve esclarecimento. Os Beatles, quando muito, ouviram a canção em miúdos das primeiras vezes que se deslocaram a Anfield com os pais ou tios para assistir a um jogo. Se não sabem…não inventem.

Artur

terça-feira, 6 de abril de 2010

FOI O VELHO QUE DISSE...

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e
o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa,
privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E
finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os
Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas
privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação
do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a
todos.»

José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148

Ornamenta #182


segunda-feira, 5 de abril de 2010

Cine Clube de Faro


No dia 6 de Abril de 1956, o Cine Clube de Faro iniciava a sua actividade no cinema Sto António em Faro. 54 anos depois, esta verdadeira instituição de utilidade pública, manteve ininterrupta a sua cruzada pela divulgação, debate e crítica da actividade cinematográfica, apoiando o desenvolvimento cultural da sua região e contando com sócios tão ilustres como o poeta Ramos Rosa ou o Professor Joaqquim Magalhães. Para sócios, colaboradores e dirigentes os meus mais sinceros votos de parabéns. Que venham mais 50...ou 100. Que venha sobretudo a continuidade do espírito que tem mantida acesa esta chama imensa. Um grande abraço e "À vitória, Farense, À vitóóóóóória"
Artur

sexta-feira, 2 de abril de 2010

X-Acto

Amanhã começa o meu programa de rádio x-acto que podem ouvir on-line a partir das 5 da tarde na Rádio Zero.