terça-feira, 25 de junho de 2013

A COMUNA DE PARIS – CONCLUSÃO


 

   Com algumas divergências sectoriais, uma grande parte da esquerda, extrema-esquerda e anarquistas reclamam para si a herança da Comuna de Paris. O seu exemplo foi de facto modelo inspirador para várias revoluções que se lhe seguiram na História (os conselhos soviéticos da revolução russa ou as colectividades da revolução espanhola.  Uma herança no entanto desfigurada, desvirtuada e desviante. Apesar de Marx ter visto nela a emancipação do trabalho, a vitória de Versailles, ou seja, do modelo burguês, deixou “desempregada” a forma que deveria permitir essa mesma emancipação. A capacidade que poderia ter emancipado mudou de rumo e foi pervertida tornando-se instrumento de alienação. Este processo, durante muito tempo atenuado pelas sucessivas conquistas sociais, adquiriu um carácter de fatalidade absoluta com a queda da esperança nascida na revolução. Ou uma espécie de triunfo do mercantilismo sobre  o trabalho. O tesouro perdido da Comuna não pertence aos seus participantes. Ele é adivinhado pelos seus adversários por ameaçar a sua ordem e por Marx que tenta ler o conceito capaz de transformar o mundo. Dois dias após a “Semana Sangrenta”, a 30 de Maio de 1871, em frente do Conselho Geral da Internacional, Marx lê o seu longo “Adresse”, também conhecido pelo título de “A Guerra Civil em França”, a história imediata da Comuna. Este texto, que Engels define como “o acto de tornar conscientes as tendências inconscientes da Comuna” é o ponto em que o acontecimento vai perder a actualidade por se ter transformado no seu significado para o futuro.

A Comuna não foi nem será um elemento marxista. A leitura que ele faz dela é que a coloca definitivamente na vanguarda de qualquer processo revolucionário futuro. E porquê? Porque se a Comuna inspirou revoluções futuras a emancipação económica do trabalho nunca foi alcançada em nenhum dos casos. Porque a várias transformações do poder acabaram sempre por alienar o modelo operário em função de um modelo capitalista ou mercantil concentrado (p. ex. no próprio aparelho do Estado). Porque a natureza do conceito de “poder” se manteve por mais que esse poder fosse tomado e mudado de mãos.

A grande lição da Comuna de Paris repousa no facto de ter inscrito na memória humana que há um outro caminho para combater a tirania sem ser necessário instalar outra no seu lugar. Que é possível inverter o edifício piramidal da Democracia numa sociedade mais alargada à participação dos cidadãos em liberdade e com respeito pela individualidade de cada um. Que o primeiro beneficiário do lucro do trabalho é o seu produtor, o operário que criou a riqueza. E, finalmente, que é possível outro mundo mais livre e mais justo onde todos podem ter o seu espaço, a sua opinião e a sua vontade atendida. Utopia? Claro que sim, no sentido de que é utopia tudo aquilo que ainda falta fazer. Quantas utopias nasceram naqueles dois breves meses de revolução que hoje são dados adquiridos nas sociedades modernas?

 

Artur

segunda-feira, 24 de junho de 2013

OS ÚLTIMOS DIAS – COMMUNARDS CONTRA VERSAILLAIS


                                            Um grupo de Communards após o fuzilamento

   A partir de 21 de Março os “de Versalhes” desenvolvem a guerra civil e iniciam o seu ataque começando por ocupar o forte do monte Valérie a Oeste de Paris; a 2 de Abril ocupam Courbevoie e Puteaux. As forças dos “communards” reagem com mais entusiasmo do que organização. A 3 de Abril a Comuna lança um contra ataque em direcção a Versalhes sendo as suas forças rechaçadas em Rueil e Châtillon. Duas das suas principais figuras (Flourens e Duval) são mortos. A ordem antiga não permite nem tolera a existência da ordem nova.  A tolerância e o espírito de voluntariado tornam-se elementos de fraqueza ante um dilúvio de dificuldades que se acumulam. Acreditando na força da conciliação, um elemento de acção social, é-se confrontado com a violência, um elemento de acção política.

Como demonstra a correspondência telegráfica de Jules Favre, que havia negociado a paz com os alemães, Thiers beneficia do apoio do chanceler Bismarck. Enquanto que na assinatura do armistício ficou convencionado que o limite de soldados franceses na região de Paris não seria superior a 40 mil, Bismarck liberta rapidamente 60 mil prisioneiros de guerra que se juntarão aos 12 mil disponíveis às mãos de Thiers. No fim da “Semana Sangrenta” serão 130 mil. Face a este exército numeroso a Comuna dispõe oficialmente de um efectivo mal preparado e indisciplinado de 194 mil homens, numero dificilmente conseguido segundo registos da época. As estimativas feitas por analistas contemporâneos vão de 10 mil (Camille Petain) a 41500 (Cluseret, delegado para a guerra desde 5 de Abril).

Ao longo do mês de Maio os versallais vão conquistando posições até que no dia 21, auxiliados por um traidor que lhes deixa aberta uma entrada, atravessam o portão do bastião 64 entrando pela porta de Saint-Claud. A partir daqui vai seguir-se um enorme massacre que ficará baptizado com o nome da “Semana Sangrenta”. Fuzilamentos, mutilações e todo o tipo imaginável de sevícias será aplicado aos vencidos. Uma repressão que tem o apoio incondicional dos republicanos da Assembleia Nacional, " para preservar a Republica ainda frágil". Será o caso de Léon Gambeta, Jules Ferry, ou Jules Grévy. A maior parte dos escritores (Zola e George Sand p. ex.) é hostil à Comuna. Para François Furet “todos estes mortos voltaram a repetir o feito de 1848 ao atravessarem o fosso que separa a esquerda operária do republicanismo burguês”.
 
 
         Cemitério de Pére Lachaise em Paris - Muro de homenagem aos Communards mortos


Os tribunais pronunciarão 10137 condenações das quais 97 à morte, 25 a trabalhos forçados e 4586 à deportação (a maioria para a Nova Caledónia), e as restantes a penas de prisão com duração variável.

Curiosamente a grande maioria dos dirigentes da Comuna consegue escapar não apenas à morte em combate como às execuções sumárias e ao julgamento dos tribunais. Em nove elementos do Comité de Saúde Pública, um, Delescluze escolhe morrer na barricada, Billioray é feito prisioneiro. Os outros sete conseguem fugir de Paris e rumar ao exílio. Regressarão em 1880 beneficiando de amnistia.
 
Artur

domingo, 23 de junho de 2013

PORTUGAL AO VIVO E PARA A ETERNIDADE – A ALMA PORTUGUESA



    Estádio do Restelo, 20 anos depois. O frio e o vento fora de época foram os únicos intrusos de mais uma noite mágica para a música portuguesa e para o Rock’ n Roll em geral. Um dia depois do Solstício de Verão e a maior Lua Cheia do ano ajudaram a construir a homília para 15 mil fiéis entregues sem reservas à comemoração do “Portugal Ao Vivo” de 1993. Preço dos bilhetes e condições atmosféricas estoicamente superadas pela qualidade da proposta musical desdobrada nas diversas variantes.
Ainda com Sol a hostilidades abriram com Sétima Legião, seguros e empenhados nos seus êxitos de sempre, seguidos por uns Madredeus a compensar as contrariedades de executar a sua música num espaço adverso para o seu registo. Um estádio de futebol ao ar livre para uma banda muito mais adequada ao espaço fechado, ao anfiteatro de acústica concentrada. Mesmo assim um bom desempenho e uma afirmação de qualidade com um elenco renovado. Resistência e Xutos & Pontapés sempre ao seu mais alto nível, a primeira no registo da originalidade e execução de uma música que afirma as suas raízes e desenvolve a sua originalidade num contexto genuinamente português. Aquelas seis ou sete guitarras que tocam todas aos mesmo tempo não estão a tocar flamengo, não são influenciadas por nenhum fandango do exterior mas antes a sequência directa de uma alma herdada por uma cultura de séculos, o aperfeiçoamento de influências e a renovação de uma voz, uma harmonia de cordas, uma identidade que se reafirma e que por cá andará ainda por muitos séculos. Xutos a fechar com a fórmula habitual de se apresentarem em palco. Revisão da matéria dada, êxitos antigos misturadas com duas novas canções à laia de experiência, propostas para auscultar a reacção dos crentes. A “Casinha” a fechar o delírio. Uma banda de profissionais absolutos que sabem como ninguém alimentar e estimular a sua relação com os fãs de todas as gerações. Nada de novo, portanto.

E deixamos o melhor para o fim. No meu entender a melhor e mais surpreendente actuação da noite, os GNR. Já não os via há muitos anos e, como tal, já me tinha esquecido do que normalmente acontece nas suas actuações ao vivo. Na altura como agora, todas as expectativas superadas, a surpresa e a sensação de “papo cheio” no fim. Êxitos antigos com arranjos novos a dar mais um salto na direcção do céu. Particular destaque para “Asas”, “Efectivamente” ou até mesmo o “Dunas”. Profissionalismo, honestidade criativa, respeito pelo público, o Rock N’ Roll no seu mais elevado nível.

Num dos mais mágicos lugares da cidade de Lisboa, no estádio de futebol mais bonito de Portugal com a maior Lua Cheia do ano as guitarras tocaram até chegar ao céu, os corações bateram mais depressa, Portugal voltou a deixar a sua marca no rasto e no pó das estrelas. No céu voltámos a escrever a nossa ALMA. Alma que não querendo ser mais nem menos que as outras, será sempre diferente. Fica a sugestão várias vezes feita por estes dias. Seria muito bom, agradável, simpático e cultural, uma iniciativa destas todos os anos. A Alma Portuguesa agradece.

 

Artur

A COMUNA DE PARIS III



AS IDEIAS E AS SEMENTES

 

Da autonomia do cidadão e da comuna decorrem diversos direitos que, para se realizarem na plenitude pressupõem uma absoluta independência administrativa bem como as condições necessárias para que o indivíduo se realize enquanto homem e trabalhador. Para tal são impostas as seguintes medidas: eliminação do exército regular e da policia, laicidade e gratuitidade do ensino, separação da Igreja e do Estado, responsabilização e revogabilidade dos detentores de funções públicas, direito ao trabalho e garantia para o trabalhador de participação na riqueza produzida, liberdade de imprensa, protecção da infância e da velhice, direito à saúde, sistema de garantia comunal contra o desemprego, a indigência, a miséria e todas as causas resultantes da opressão. Segundo Marx, a Comuna de Paris foi “a forma política encontrada que permitiu realizar a emancipação económica do trabalho” E porquê? Por “ se apresentar na sua essência enquanto um governo da classe operária.”

Á partida são tomadas medidas de carácter simbólico como a adopção da bandeira vermelha e a retoma do calendário republicano (ano 79 da República). A proclamação de 22 de Março anuncia que os membros da assembleia municipal estarão sempre sob vigilância, sujeitos a críticas, controlados e responsabilizados pelos seus actos. É a consagração do governo do, pelo e para o povo. Uma democracia directa assente na cidadania activa, renovada pelo espírito da constituição de 1793 que consagra o direito à insurreição, “o mais sagrado dos direitos e o mais imprescindível dos deveres” (artigo XXXV da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1793).

 

 A Imprensa

A liberdade de imprensa é restaurada a 19 de Março pelo comité central da Gare du Nord e os jornais anti- communards continuam a ser publicados nomeadamente Le Journal des Débats et La Liberté  fiel às políticas de Thiers. Mas em breve a Comuna irá perseguir e tentar silenciar as publicações “favoráveis aos interesses do exército inimigo”. O que não consegue na plenitude na medida em que os jornais da oposição facilmente aparecem e desaparecem nas ruas de Paris. Por outro lado a imprensa fiel à Comuna não consegue ser distribuída fora de Paris dada a vigilância e o controle montado pelas forças fiéis ao governo de Thiers.

 

                               Nathalie Lemel
 
                                                                                                                    Elisabeth Dmitrieff
 
A Emancipação Feminina

Durante este período, e sob a orientação de Elisabeth Dmitrieff (uma aristocrata russa) e Nathalie Lemel é constituído um dos primeiros movimentos femininos de massas, a Union des Femmes pour la Defense de Paris et les soins aux Blessés. A União começa por reclamar o direito ao trabalho e a igualdade salarial. Por influência deste grupo a Comuna irá reconhecer a união de facto ao atribuir, p. ex., uma pensão às viuvas dos soldados mortos, casados ou juntos maritalmente, tal como aos órfãos, legítimos ou não.

 

A Justiça

A maior parte dos profissionais da justiça havia saído de Paris (ficaram apenas dois notários em actividade) por isso era necessário colmatar essa ausência. Uma tarefa muito difícil de executar com ideias a mais e meios a menos. Instaura-se o casamento por livre consentimento (com uma idade mínima de 16 anos para as raparigas e 18 para os rapazes), as crianças desde que legitimadas são consideradas como de absoluto direito; é decretada a gratuitidade de todos os actos notariais (doações, testamentos, contrato de casamento); fica proibida a detenção ou a busca sem mandato; é criada uma inspecção das prisões.

 

O Ensino

No ensino passa-se um pouco a mesma coisa que com a justiça. A maior parte do pessoal administrativo havia abandonado a cidade, os professores do ensino secundário e superior eram pouco apoiantes da Comuna, deixando liceus e faculdades abandonadas. Édouard Vaillant, é encarregado de reformar o sector prevendo-se medidas que visem a uniformização da formação primária e profissional. São inauguradas duas escolas de formação profissional, uma para rapazes e outra para raparigas. É interdito o ensino confessional e declarada a laicidade da escola, os símbolos religiosos são retirados das salas de aula. Em alguns bairros é decretado o ensino laico e gratuito. Os professores recebem uma remuneração de 1500 francos anuais e 2000 os directores das escolas. Haverá igualdade salarial entre homens e mulheres.

 

Cultos

Em termos de culto a Comuna decreta o fim da Concordata de 1802 que definia o catolicismo enquanto religião da maioria dos franceses. Na fase final do Império as classes populares parisienses são bastantes hostis ao catolicismo, demasiado cúmplice dos sectores conservadores e do regime em geral. A 2 de Abril a Comuna decreta a separação da Igreja e do Estado bem como o confisco dos bens das congregações religiosas.

 

Em pouco tempo a mudança torna-se uma realidade e a cidade, ao se apropriar da sua autonomia vê-se confrontada com um novo tempo, uma modernidade portadora de soluções adequadas. Mas o passado não se deixa intimidar nem se retira com facilidade.

 

sábado, 22 de junho de 2013

A COMUNA DE PARIS II


 
 
A CONSTRUÇÃO
 
CONCEITO DE COMUNALISMO

 

A “iluminação colectiva” ou a acção determinante de uma comunidade em se organizar, defender ou afirmar não resulta de um explosão inesperada de inspiração ou sequer na sequência de uma noite em que foi distribuída droga estragada nas ruas. Ela ocorre quando a força dos acontecimentos e o movimento da sociedade atingem uma súbita e absoluta sintonia na leitura da História. Já percebemos que as convulsões sociais tinham sido frequentes nas décadas anteriores e como os regimes haviam sido depostos com frequência. No séc. XIX uma insurreição nas ruas era uma situação frequente. Então porque é que um acontecimento que tem a duração de breves meses inspirou e estimulou o interesse tanto de historiadores como de teóricos políticos ao longo de várias gerações até aos nossos dias? É o que vamos tentar perceber de seguida. Por ter sido tão breve, a primeira revolução proletária conservou toda a sua virtude; por ter sido reprimida com uma brutalidade exagerada para que a sua ideia fosse eliminada para a eternidade, a memória da Comuna de Paris ganhou ecos reforçados.

A Revolução de 1789 tinha sido a revolução dos burgueses, esta era a altura de o povo ter a sua. Esta é a primeira ideia de fundo que vai animar a Comuna de Paris no seu ponto de partida. Não se tratava de inventar a Democracia visto que ela já existia. Tratava-se de afinar o seu funcionamento, corrigir os seus defeitos. No essencial a Democracia reside na relação de confiança que os cidadãos delegam nos seus representantes através do exercício eleitoral. Só que na maior parte das vezes, aqueles que são eleitos tendem a afastar-se dos seus eleitores e a sua actuação não consegue ser controlada. A Comuna começa por tentar dar uma resposta a esta questão viciada e pervertida. Através do Comunalismo a proximidade será a primeira prerrogativa dos delegados eleitos. Assim os representantes do povo estarão mais perto dos seus eleitores, serão controláveis e passíveis de serem demitidos. O Comunalismo assenta em quatro princípios essenciais: associação, autonomia, federação, união. A “federação” opõe-se ao conceito de Estado porque é resultante de uma “união” por “associação” livremente consentida pelas colectividades autónomas; o Estado assenta num modelo de autoridade centralizador e convergente. A “união” é diferente da “unidade”. A Federação é o resultado de uma escolha, o exercício de uma responsabilidade. Ela assenta no desenvolvimento harmonioso dos grupos autónomos e dos indivíduos que os constituem num movimento de reciprocidade. Uma grande parte desta concepção deriva do pensamento de Proudhon, para quem a associação “é o termo complementar do individualismo pois o indivíduo sem poder vive isolado”. Substituído o eixo centralizador pelo da união não haverá mais lugar para um chefe dentro do grupo comunal. A associação é a garantia da liberdade, que só se pode verificar no âmbito da colectividade.

A 26 de Março são feitas as eleições com uma população desfalcada já que uma grande parte dos habitantes havia seguido com o governo para Versalhes. O Conselho eleito reflectirá essencialmente a representação das classes populares e da pequena burguesia parisiense. Assim vamos encontrar 25 operários, 12 artesãos, 4 empregados de serviços, 6 comerciantes, 3 advogados, 3 médicos, 1 farmacêutico, 1 veterinário, 1 engenheiro, 1 arquitecto, 2 artistas plásticos e 12 jornalistas. Estão representadas todas as tendências políticas republicanas e socialistas até ao grupo dos anarquistas. Em breve duas tendências começam a ganhar forma no Conselho da Comuna. Primeiro a maioria, os jacobinos, brancos (blanquistes) e independentes. Para eles a política traz consigo o elemento social; reconhecem-se enquanto continuadores da facção dos “montagnards” de 1793, não sendo contrários às medidas centralizadoras, ou autoritárias; votarão todas as medidas de reforma social da Comuna. A minoria, ou os minoritários era um grupo constituído por radicais e “internacionalistas” proudhonianos empenhados em promover as reformas sociais e anti-autoritárias; são fervorosos adeptos da “Republica Social”.

Um pouco por toda a parte a população junta-se e discute o momento, propõe soluções,  pressiona os eleitos e ajuda a administrar a própria Comuna. A construção do futuro torna-se um trabalho colectivo.

A partir de 29 de Março o Conselho da Comuna formará dez comissões (executiva, militar, da subsistência, finanças, justiça, segurança, trabalho, industria, serviços públicos e ensino). A Comuna irá administrar Paris até ao dia 20 de Maio. Inúmeras medidas  vão ser tomadas e aplicadas durante esses 70 dias de actividade legislativa considerável, sendo a sua maioria abolida após o fim da Comuna. Algumas só voltarão a ser recuperadas várias décadas depois.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A COMUNA DE PARIS - I


I – ORIGENS

 

 

Durante praticamente todo o séc. XIX a França atravessa uma série de experiências políticas mais ou menos autoritárias ao longo das quais a democracia e o regime republicano se configuram em breves experiências passageiras. Primeiro Império,  Restauração, Monarquia de Julho e Segundo Império, são as referências historiográficas que ilustram este percurso. A Comuna de Paris vai encontrar as suas referências na Primeira República e no governo revolucionário de 1792, além da insurreição popular de Junho de 1848, durante o período da Segunda República, reprimida brutalmente pelo governo saído da revolução de Fevereiro de 1848.

Em Julho de 1870 Napoleão III entra em guerra contra a Prússia, uma guerra que o conduz rapidamente à derrota. Enquanto os estados germânicos ocupam o norte do país, um governo de defesa nacional instala-se fora de Paris. Humilhados, os franceses apercebem-se que o império alemão se faz proclamar na galeria dos espelhos do Palácio de Versalhes. A 28 de Janeiro de 1871 Jules Favre e o chanceler alemão Bismarck assinam um armistício que prevê o intervalo das hostilidades durante quinze dias, período prolongável por mais tempo, bem como a convocação de uma assembleia nacional encarregue de decidir acerca da continuidade da guerra ou da conclusão da paz. Esta guerra de 1870 tinha deixado marcas profundas na população que havia atravessado um cerco extremamente duro, e que apesar da terrível fome conseguiu mesmo assim resistir cerca de três a quatro meses ao inimigo. A ideia do armistício é por isso extremamente mal recebida pela população. De acordo com o historiador Jean-Jacques Chevalier “ os insurgentes eram acometidos de um patriotismo de esquerda associado à vergonha do desespero da derrota”.

A assembleia, para além de nomear três bonapartistas para lugares chave como o Governador (general Vinoy), o comandante da guarda nacional (general d’Aurelie de Paladines) e o chefe da Prefeitura de Policia (Louis Ernest Valentim), transfere o cerco para Versalhes e começa de imediato a fazer leis anti populares como o fim do soldo pago aos guardas nacionais e o fim da moratória sobre os efeitos do comércio, medida que provocará a falência a vários artesãos e comerciantes.

Por outro lado a limitação gradual tanto do direito à greve como à da liberdade de imprensa ao longo dos anos conjugaram-se no desenho do aumento da insurreição popular. Várias vezes as classes desfavorecidas parisienses haviam derrubado regimes políticos (1830, 1848) através das suas acções revolucionárias quando pressentiam que as suas pretensões não eram atendidas. Com a assembleia eleita em 1870, composta por dois terços de deputados monárquicos de várias tendências e bonapartistas, os parisienses sentem-se desconfiados.

O acordo do armistício permitiu aos germânicos ocupar partes da cidade de Paris como os Champs- Elysées. Acto considerado de provocação pela população, quando durante o cerco os inimigos nunca haviam conseguido entrar na cidade.

A insurreição da Comuna de Paris tem início a 18 de Março de 1871. Um acontecimento que tem raízes prévias na guerra contra a Prússia, o cerco de Paris e a derrota. O povo de Paris decide resistir numa demonstração de personalidade e numa afirmação de mudança política, sentindo-se traído pelo seu governo que optou por negociar com o inimigo e desprezar a vontade de encontrar soluções para uma reforma da sociedade.

 
A 17 de Março de 1871 Adolphe Thiers e o seu governo decidem enviar o exército a Paris a meio da noite para recuperar os canhões da Guarda nacional estacionados em Montmartre. Considerando-se proprietários desses canhões pelo simples facto de os terem pago através de subscrição pública durante a guerra contra a Prússia, os parisienses opõem-se à ideia. Capturam o general que comanda a operação e fuzilam-no imediatamente. Ao amanhecer a população reforça a sua oposição. Um pouco por toda a parte os representantes governamentais são capturados, levantam-se barricadas nas ruas, uma parte substancial do exército adere ao movimento popular. Era o início da insurreição.

 
Artur

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O GIGANTE ACORDOU

A todo o povo brasileiro, ao gigante que acordou e ao futuro com dignidade, justiça e paz, este blog deixa aqui o seu abraço solidário. 

CADAQUÉS - ESPANHA






                                                    Por Sofia P. Coelho

JAMES GANDOLFINI

                                                                     1961 - 2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

ROCCO EM MILÃO


João Bénard da Costa chamou-lhe um filme equívoco e sublime, cheio de desvios e "atravessado por inspirações e pulsões contraditórias".  O conde Luchino Visconti di Modrone, aristocrata descendente dos Duques de Milão, marxista, ex-militar e criador de cavalos de corrida, tinha cinquenta e quatro anos quando se sentou com um grupo de amigos a escrever o argumento do filme Rocco e i suoi fratelli (Rocco e os seus irmãos). Havia já realizado a encenção de diversas obras de Shakespeare, Goldoni e Beaumarchais, criado cinco longas-metragens e dispunha-se, ainda segundo Bénard da Costa, a retomar a trilogia iniciada com La Terra Trema que não teve continuidade. Ao redor da mesa sentaram-se ,a princípio, Visconti, Suso Cecchi d'Amico e Vasco Pratolini, que constam como autores do argumento. E, pelos vistos, tinham muito presente a novela "Il Ponte della Ghisolfa", de Giovanni Testori, da qual extraíram alguns episódios. O guião e os diálogos definitivos estão assinados por D'Amico, Pasquale Festa Campanile, Massimo Franciosa, Enrico Medioli e Visconti.
Torna-se evidente que na redação do texto entraram em choque frontal dois postulados que reflectem concretamente a contradição interna de Visconti: por um lado, o neorealismo mais pragmático e analítico, que nos descreve um drama social numa larga exposição, que ocupa toda a primeira parte do filme, na qual o protagonista é o núcleo familiar que vive a angústia da emigração, o desenraízamento e a miséria. Por outro lado, uma vez estabelecidos os princípios de denúncia dessa situação (comum a muitos milhares de pessoas emigradas das regiões mais pobres de Itália para os grandes centros industriais do norte), justamente quando a família começa a sair da miséria, somos submergidos num melodrama absolutamente impúdico e individualista ("Verdi e o melodrama italiano foram o meu primeiro amor; a minha obra tem sempre algo de melodramático", declarou Visconti aos "Cahiers du Cinéma"), numa tragédia grega onde o conflito não se estabelece na luta de classes mas no confronto entre irmãos, essa febre de amor-ódio entre o bom Rocco e o perverso Simone. Se todas as famílias contêm em si os germes de conflitos insanáveis ou de psicoses fatais, esta família torna-se o palco de uma luta fatal entre o Bem e o Mal, sem possibilidade de redenção. Essa família que chega à estação de combois de Milão e que, como um rebanho atrás do pastor, segue e suporta a mãe, é constituída por cinco irmãos anónimos, calados, inúteis, sem iniciativa ante uma mãe-deusa, "factotum", uma força da natureza, um terramoto, uma mãe impulsiva e torpe que afugentará dos seus filhos ("unidos como os cinco dedos de uma mão") todo o objecto de desejo, todas as mulheres que se revelam como concorrentes. Personagem de outro mundo (da remota Lucânia, de onde todos vieram), esta mãe primária e inocente aprenderá de imediato, e da forma mais dolorosa, que a cidade não se rege pelas mesmas leis e regras da sua região natal. Na metrópole convivem muitos mundos. O que era inquestionável no sul profundo, é contundentemente invalidado na cidade, bastando assomar-se à casa do vizinho para perceber o choque de culturas e a incomunicabilidade entre a miséria e o passado que irrompe desde a Lucânia e o presente que se encontra em Milão: os mais pobres, na cidade, têm a riqueza ao alcance da mão, não podem ignorá-la, não podem deixar de a invejar, de aspirar a alcançá-la, custe o que custar.
Não estamos em Hollywood e Visconti dedica-se aos grandes perdedores, aos enormes vencidos: aos que, para ganharem a vida e alcançarem os seus sonhos aprendem boxe, ou seja, a sofrer e a provocar danos para o prazer alheio. A cidade, Milão, representa uma civilização prevertida que se diverte com gladiadores modernos, que goza vendo como estas personagens se destróem no ringue. E destróem-se realmente: a dimensão dessa destruição é representada por Simone. E quando Rocco, aceita entrar no mundo do boxe, tememos que a sua sorte será a mesma e que o seu destino seja um reflexo exacto da degradação do irmão. Tememos que, tal como deseja, nunca regresse à Lucânia e não volte a ver a Lua erguer-se sobre as montanhas. E mesmo que Ciro trabalhe na Alfa-Romeo e Vincenzo progrida no seu trabalho, mesmo que haja uma esperança remota para Lucca, a família desagrega-se: já não estão unidos como os cinco dedos de uma mão. De certo modo, Rocco é um veículo para o pensamento de Visconti que, em várias ocasiões afirmou que os italianos não mereciam a Itália, deplorando a tendência para negligenciarem o imenso legado cultural, permitindo a degradação de monumentos e paisagens. E neste filme lamenta que os camponeses do sul se vejam obrigados a demandarem o norte, que se desenraízem e se metam numa aventura cujas regras de jogo não conhecem, acabando degradados e destruídos. Podem triunfar modestamente, sobreviver, melhorar a sua condição; nunca mais serão os mesmos. Algo dentro deles se quebrou e não poderá nunca ser reconstruído.
A partir da vasta representação da catástrofe da desintegração familiar, Visconti deixa de interessar-se pela dimensão social do relato, dedicando-se ao melodrama dos dois irmãos e da prostituta. Dando por adquirido que ficou claro o modo como aqueles rapazes humildes, despistados e campónios do princípio do filme tenham chegado a ser como são, passa a relatar uma intensa e perturbadora história de amor e de ódio. Se a moral da primeira parte do filme faz referência aos movimentos migratórios e às terríveis consequências do desenraízamento, a moralidade do melodrama fala-nos de um antigo conceito de família, totalmente alheio à grande cidade, que o converte numa devastadora enfermidade. Uma enfermidade estarrecedora que transforma radicalmente em ódio todo o amor que não seja materno-filial ou fraterno. E teríamos que regressar aqui a uma reflexão acerca da psicose familiar, ou da família como um nó de insuportáveis tensões emocionais que a transforma por vezes numa trituradora de indivíduos e das suas consciências. "É necessário um sacrifício para que a casa se erija solidamente.", diz alguém no filme. E, se identificarmos casa com família, trata-se de conseguir que a família Parondi conservasse a sua solidez, o sacrifício foi realizado. A vítima foi Nadia, a mulher cobiçada e partilhada por Rocco e Simone e que tanto perturbou as suas vidas. E o filme acaba com os dois irmãos estendidos na cama, chorando juntos, consolando-se mutuamente, enquanto a mãe-bruxa grita, quase com gozo, que finalmente se livraram da puta. Mas o sacrifício não serviu para nada: os sacrifícios aos deuses são próprios das antigas mitologias, ou de outras civilizações que nada têm que ver com os néons da cidade, nem com os asfalto, nem com os Alfa-Romeos produzidos na indústria onde trabalha Ciro. Este irmão, o integrado nas regras do jogo, vaticina que Rocco (empenhado até ao pescoço para pagar as dívidas de Simone), condenando a lutar boxe até as forças se esgotarem, jamais voltará à saudosa região de oliveiras, da Lua e do arco-íris.

A SOFIA VOLTOU...FALTA O JOÃO

 
 
Por Sofia P. Coelho

sexta-feira, 14 de junho de 2013

MY HEART BELONGS TO DADDY



1954, Califónia. Milton Greene fotografa Marilyn Monroe sentada num descapotável negro (um Cadillac ?) numa rua de Los Angeles, com três palmeiras barbudas e desidratadas como únicas testemunhas. À vista desarmada parece ser meio-dia e nem uma brisa no horizonte (as palmeiras não se mexem), apesar da cabeleira sabiamente despenteada da actriz, destinada a evidenciar e sublinhar o seu temperamento juvenil. Sabemos que as madeixas rebeldes fazem as crianças turbulentas e inversamente. Vestida de calças de ganga e uma camisa rosa apertada por cima da cintura, a actriz posa como uma "college girl", apertando contra o peito uma fotografia de Abraham Lincoln: um casal improvável e fantasmático. Olhos de corça para a mulher-criança no seu paroxismo hollywoodiano contra as sobrancelhas austeras do pai da Nação captado para a eternidade e, no papel improvisado do padre, Milton Greene oferece-lhes a benção fotográfica. Portanto, um casamento impossível, não somente pelas razões cronológicas manifestas, mas também porque convoca duas figuras antinómicas e irreconciliáveis : em 1954 os velhos pais não se deitam (pelo menos oficial e publicamente) com as mulheres-crianças, e isso por razões sociais, culturais ou tecnológicas: na mesma ordem 1) os velhos pais são o produto de uma educação puritana consolidada à força de água benta; 2) alguns leram Freud e Lévi-Strauss a propósito do princípio universal da proibição do incesto, o que não os ajudou a libertarem-se; 3) o Viagra ainda não tinha sido inventado.





Itália, no presente. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano e septuagenário convicto (mas não inteiramente convencido) das virtudes das técnicas artificiais de rejuvescimento (ou de reboco da fachada), convida-se com todos os seus implantes capilares para a celebração dos dezoito anos da jovem Noémie Letizia, que lhe chama afectuosamente paizinho e salta sobre os seus joelhos depois de ter aprendido a  pronunciar FORZA ITALIA ! Não foi a primeira vez que o Cavaliere se rendeu ao apelo pré-púbere, mas desta vez a pulsão custou-lhe o divórcio. Nesta fotografia deslumbrante, vemos a jovem na mesma pose que Marilyn Monroe, em versão Renascimento italiano: cabeleira loura ao jeito de Boticelli, sorriso de Mona Lisa, segura nas mãos o retrato do Presidente e parece prestes a sussurar, como Norma Jean, "My heart belongs to daddy". O seu corpo, provavelmente, também. Esta comparação incongruente por falsas lolitas interpostas, susceptível de provocar diversos ataques cardíacos ao clube de fãs de Abrahem Lincoln, pouco satisfeitos de o verem em companhia de tão ridícula figura, tem o mérito de apontar para um deslizamento semântico assaz interessante: se Lincoln representa (e não apenas para Marilyn) o arquétipo do velho pai em vias de extinção, Berlusconi, ele mesmo, encarna a caricatura da antiga beldade em expansão. Segundo Pasolini, que conhecia bem a matéria das circunvoluções familiares, a história, é a paixão dos filhos que procuram compreender os pais. É preciso que os segundos deixem respirar os primeiros. O cineasta Marco Tullio Giordana declara numa entrevista de 2008 aos "Cahiers du Cinéma", enervando-se com a vulgaridade e cinismo do governo italiano: "As pessoas que dirigem este país são velhas, mas não são da Antiguidade, esses velhos que dispunham do saber e da experiência. Trata-se de velhos que detestam os jovens e com eles rivalizam. Esses filhos querem as jovens filhas dos jovens."


Portugal, 2013. Desde alguns dias, sente-se a Primavera a martelar no menor interstício urbano. A miséria do Inverno parece desaparecer a toda a velocidade para dar lugar a uma energia vegetal e animal que estás prestes a fazer vergar tudo. Pequenos caules de ervas pálidas alinham-se como soldados de sentinela, desde que haja três milímetros quadrados de terra entre os paralelipípedos. Cachos de jovens estudantes aglutinados nas esplanadas dos cafés ou dispostos em grupos informes sobre o relvado dos parques, exprimindo barulhentamente o seu contentamento assim que surgem no horizonte decotes, saias minis e outros signos da feminilidade já estival, que julgam exibida em sua intenção, e somente em sua intenção. Podemos sentir a seiva a inchar em tudo o que é dotado do menor filamento de ADN, do limoeiro ao castanheiro, passando pelo labrador retriever ou pela andorinha nas alturas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

REBEL REBEL


ENTRETANTO NA TURQUIA...

Atrás de um vidro faz-se uma pausa, do outro lado as botas da polícia anunciam mais episódios de corrida e "escondidas", mais jogos na noite. Nos separadores da História, a liberdade e a tirania marcam encontro, momento agitado e violento que acaba sempre com dores para todos os lados. Desta vez, nesta esquina do tempo é a Democracia que se encontra com a Democracia, separadas por uma fina barreira de vidro, um espelho que se partiu. A Democracia que entende tudo poder porque se elege de quatro em quatro anos e a Democracia dos cidadãos preocupados em corrigir os seus excessos, os seus devaneios políticos, os males da tirania que nela se escondem. O eterno encontro do Homem com a História, da Humanidade com a estranheza da sua condição. Na Turquia...

domingo, 2 de junho de 2013

GALINÁCEOS



Gostava de ter escrito esta redacção para o Dia da Criança que ainda há em mim.
Sai hoje. Melhor tarde que nunca, como poderiam dizer os empreendedores.

Na capoeira da minha mãe há um estrado vertical, onde as galinhas e o galo se dispõem de acordo com a sua hierarquia para passar a noite.
Como a minha mãe sabe que dos diferentes níveis os galináceos se aliviam sem respeito pelos que estão por baixo, o estrado em escada está com uma inclinação que protege os que estão nos níveis inferiores de ficarem sujos com os que de cima fazem enquanto dura a escuridão.
O galo fica sempre por cima e não permite que galinha nenhuma esteja no nível dele. Assim tem as penas sempre impecáveis e vistosas.
Não põe ovos mas é esteticamente bonito e canta bem conseguindo a reverência das galinhas que o admiram.
As galinhas põem ovos todos os dias. Produzem realmente.
Se não fosse a minha mãe, acordavam todos o dias com um bonito cantar de despertar do galo mas completamente cagadas.
A minha mãe faz muita falta no governo para pôr os galos no sítio, onde não caguem em cima de quem produz.

Hélder