AS IDEIAS E AS SEMENTES
Da autonomia do cidadão e da
comuna decorrem diversos direitos que, para se realizarem na plenitude
pressupõem uma absoluta independência administrativa bem como as condições
necessárias para que o indivíduo se realize enquanto homem e trabalhador. Para
tal são impostas as seguintes medidas: eliminação do exército regular e da
policia, laicidade e gratuitidade do ensino, separação da Igreja e do Estado,
responsabilização e revogabilidade dos detentores de funções públicas, direito
ao trabalho e garantia para o trabalhador de participação na riqueza produzida,
liberdade de imprensa, protecção da infância e da velhice, direito à saúde,
sistema de garantia comunal contra o desemprego, a indigência, a miséria e
todas as causas resultantes da opressão. Segundo Marx, a Comuna de Paris foi “a
forma política encontrada que permitiu realizar a emancipação económica do
trabalho” E porquê? Por “ se apresentar na sua essência enquanto um governo da
classe operária.”
Á partida são tomadas medidas de
carácter simbólico como a adopção da bandeira vermelha e a retoma do calendário
republicano (ano 79 da República). A proclamação de 22 de Março anuncia que os
membros da assembleia municipal estarão sempre sob vigilância, sujeitos a
críticas, controlados e responsabilizados pelos seus actos. É a consagração do
governo do, pelo e para o povo. Uma democracia directa assente na cidadania
activa, renovada pelo espírito da constituição de 1793 que consagra o direito à
insurreição, “o mais sagrado dos direitos e o mais imprescindível dos deveres”
(artigo XXXV da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1793).
A Imprensa
A liberdade de imprensa é
restaurada a 19 de Março pelo comité central da Gare du Nord e os jornais anti-
communards continuam a ser publicados nomeadamente Le Journal des Débats et La
Liberté fiel às políticas de Thiers.
Mas em breve a Comuna irá perseguir e tentar silenciar as publicações
“favoráveis aos interesses do exército inimigo”. O que não consegue na
plenitude na medida em que os jornais da oposição facilmente aparecem e
desaparecem nas ruas de Paris. Por outro lado a imprensa fiel à Comuna não
consegue ser distribuída fora de Paris dada a vigilância e o controle montado
pelas forças fiéis ao governo de Thiers.
Nathalie Lemel
Elisabeth Dmitrieff
A Emancipação Feminina
Durante este período, e sob a
orientação de Elisabeth Dmitrieff (uma aristocrata russa) e Nathalie Lemel é
constituído um dos primeiros movimentos femininos de massas, a Union des Femmes pour la Defense de Paris et
les soins aux Blessés. A União começa por reclamar o direito ao trabalho e
a igualdade salarial. Por influência deste grupo a Comuna irá reconhecer a
união de facto ao atribuir, p. ex., uma pensão às viuvas dos soldados mortos,
casados ou juntos maritalmente, tal como aos órfãos, legítimos ou não.
A Justiça
A maior parte dos profissionais
da justiça havia saído de Paris (ficaram apenas dois notários em actividade)
por isso era necessário colmatar essa ausência. Uma tarefa muito difícil de
executar com ideias a mais e meios a menos. Instaura-se o casamento por livre
consentimento (com uma idade mínima de 16 anos para as raparigas e 18 para os
rapazes), as crianças desde que legitimadas são consideradas como de absoluto
direito; é decretada a gratuitidade de todos os actos notariais (doações,
testamentos, contrato de casamento); fica proibida a detenção ou a busca sem
mandato; é criada uma inspecção das prisões.
O Ensino
No ensino passa-se um pouco a
mesma coisa que com a justiça. A maior parte do pessoal administrativo havia
abandonado a cidade, os professores do ensino secundário e superior eram pouco
apoiantes da Comuna, deixando liceus e faculdades abandonadas. Édouard
Vaillant, é encarregado de reformar o sector prevendo-se medidas que visem a
uniformização da formação primária e profissional. São inauguradas duas escolas
de formação profissional, uma para rapazes e outra para raparigas. É interdito
o ensino confessional e declarada a laicidade da escola, os símbolos religiosos
são retirados das salas de aula. Em alguns bairros é decretado o ensino laico e
gratuito. Os professores recebem uma remuneração de 1500 francos anuais e 2000
os directores das escolas. Haverá igualdade salarial entre homens e mulheres.
Cultos
Em termos de culto a Comuna
decreta o fim da Concordata de 1802 que definia o catolicismo enquanto religião
da maioria dos franceses. Na fase final do Império as classes populares
parisienses são bastantes hostis ao catolicismo, demasiado cúmplice dos
sectores conservadores e do regime em geral. A 2 de Abril a Comuna decreta a
separação da Igreja e do Estado bem como o confisco dos bens das congregações
religiosas.
Em pouco tempo a mudança torna-se
uma realidade e a cidade, ao se apropriar da sua autonomia vê-se confrontada
com um novo tempo, uma modernidade portadora de soluções adequadas. Mas o
passado não se deixa intimidar nem se retira com facilidade.
2 comentários:
Gostei particularmente daquela parte dos "primeiros movimentos femininos de massas".
De massas, mas não só: considerado o carácter cosmopolita de Paris envolveu também "pastas", esparguetes e afins...
Brioches, croissants e duchéses. Comia-se bem já naquela época...
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