terça-feira, 24 de abril de 2012

24 de ABRIL 1974 / 24 de ABRIL 2012

"O valor hoje mais caluniado é certamente o valor da liberdade. Bons espíritos (sempre pensei que havia duas espécies de inteligência, a inteligência inteligente e a inteligência estúpida) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo ao caminho do verdadeiro progresso"

Albert Camus


Hoje é dia 24 de Abril. Amanhã será dia 25 de Abril (como vês, gasparzinho, as tuas piadas parvas, grosseiras, torpes e inanes sempre ensinam alguma coisa. Formalmente ainda vivemos num regime democrático (o passos coelho foi eleito democraticamente e democraticamente há-de ser corrido para o caixote de lixo da história dentro de três anos). Mas, por entre os dislates proferidos pela canalha, com o tom solene e o ar grave das grandes ocasiões ou das verdades escritas na pedra, vamos percebendo que estes políticos/negociantes querem fazer da liberdade um uso exclusivo e unilateral, considerando-o mais como um direito (do mais forte) do que um dever, não receando pô-la, tão frequentemente quanto puderem, como uma liberdade de princípio ao serviço de uma opressão de facto. Essa é apenas uma das facetas deste regresso a 24 de Abril de 1974. Outra, igualmente preocupante, revela-se no desprezo que esta gentalha devota às instituições democráticas, elas próprias garante do funcionamento do regime. Dou um exemplo : a teixeira da cruz, num discurso cheio de baboseiras, não se eximiu a referir 4 (quatro) vezes a situação de bancarrota do país, numa óbvia tentativa de pressionar o Tribunal Constitucional no que concerne à decisão sobre o confisco do 13º mês e do subsídio de férias dos funcionários públicos. Bem podem andar o passos coelho e o gasparzinho a tentarem convencer o mundo inteiro de que estamos no bom caminho, a recuperar economicamente, que o futuro é risonho e outras patranhas do mesmo quilate; bem pode o portas continuar o seu périplo digno de Ulisses (a grande questão é: será que tem uma Penélope à sua espera ? E, tendo-a, será que ela vai esperar eternamente ?) promovendo a excelência do nosso (des)governo (armado de pastéis de nata e couve portuguesa), bem podem bradar alto e bom som que o genial gasparzinho nos vai tirar do buraco e alcandorar-nos ao sétimo céu da produtividade e da competitividade (e de outras saloices que trazem sempre na boca); basta uma pequena entrevista entre-portas (?) de uma qualquer teixeira da cruz para ir tudo por água abaixo, ou seja, o afã de desvalorizar o Tribunal Constitucional é tão premente, de tal modo urgente, que a criatura nem se deu conta da facada que estava a dar na nossa imagem externa e interna. Mas, têm o que merecem: o desprezo a que votam as instituições democráticas tem um equivalente exacto no desprezo que o povo sente por eles.
Ontem, dia 23 de Abril (a que segue o dia de hoje, dia 24 de Abril), soubemos que a Associação 25 de Abril (com a legitimidade moral que lhe assiste) emitiu um comunicado no qual explica as razões pelas quais não participará este ano nas comemorações oficiais do 25 de Abril (e que pode ser lido na
íntegra aqui http://www.25abril.org/ ), assumindo uma posição ética e moral coerente com o comportamento e as atitudes dos militares que fizeram o 25 de Abril e constituindo o sobressalto cívico que urgentemente necessitamos. Desse manifesto respigo três excertos:

"O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder. As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana.

O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho.

Sem uma justiça capaz, com dirigentes políticos para quem a ética é uma palavra vã, Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais."

Pegando na expressão "desvaloriza o trabalho", resta-me dizer que esta é, talvez, a faceta mais hedionda da actual ofensiva bandalha e liberal contra o mundo do trabalho. São tão estúpidos que consideram o salário como um custo, logo, algo que tem que ser reduzido à sua expressão mínima, em vez de o consideraram uma relação social; tão canalhas que consideram os direitos sociais como custos, não percebendo que uma sociedade é tanto mais rica quanto mais eficiente for na distribuição da riqueza. Estas verdades, de tão evidentes, não atingem os altos cumes em que as suas estúpidas inteligências vagueiam. A recompensa espera-os no fim da linha (se ainda houver linha), quando estiverem bem aboletados nas empresas dos parasitas que agora privilegiam e servem. Comemoremos pois o 25 de Abril, enquanto a canalha comemora o 24.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O PRIMEIRO HOMEM

Há duas maneiras possíveis de ler “O Primeiro Homem” de Albert Camus, ambas encantadoras. Se já conhecíamos a obra do autor, estamos na presença íntima do seu Ser, como quem conversa com um amigo durante uma noite inteira. Se, por outro lado, pouco ou nada sabíamos dele, este é um excelente ponto de partida para a descoberta do trabalho de um dos maiores pensadores do século XX. Prematuramente desaparecido num acidente de viação em 1960, Camus trazia consigo um manuscrito do seu último romance que, nas suas próprias palavras, versava sobre aqueles que amava. Daí que “O Primeiro Homem” se possa designar numa primeira abordagem como um romance de ternura. Ao escrever sobre aqueles que marcaram os seus primeiros anos de vida, Camus acaba por desenhar alguns dos contornos mais importantes da sua personalidade e da sua obra, apresentando-se a si próprio. Todo o romance é autobiográfico sem alterações de maior na transposição da realidade para a ficção. O percurso de Jacques Cormery, nascido numa noite de Outono de 1913 na planície argelina, pouco ou nada se afasta do percurso do seu autor, Albert Camus, nascido a 7 de Novembro do mesmo ano, num pequeno complexo vitícola próximo de Mandovi na Argélia. O pai, Lucien Camus, Henri Cormery no romance, era descendente de uma família alsaciana que nos finais do séc. XIX integrou os primeiros grupos de colonizadores desembarcados em solo argelino. È precisamente a figura paternal, ou a sua procura (Por ausência? Por ignorância?), a primeira a ser desenvolvida logo após a descrição acidentada do nascimento. Camus foi um entre milhões de órfãos que integraram a herança da I Guerra Mundial. Mobilizado em 1914, Lucien/Henri é ferido na batalha do Marne, vindo a falecer no mesmo ano no hospital improvisado de Saint Brieuc. A morte do pai gera, entre outras, duas passagens marcantes no romance. Numa vamos encontrar a saída clandestina de Henri do seu aquartelamento na noite da véspera da sua partida para França. Sem autorização, Henri beijará os filhos, despedindo-se da família pela ultima vez. Episódio simples, comovente e absoluto, se o soubermos sentir na carne. Ao longo de toda a sua vida, embora Jacques procure saber quem era o seu pai, encontra na mãe uma enorme barreira de palavras vagas, um silêncio de quem nada mais quer ter a ver com o sofrimento passado. Já com 40 anos, quando visita a campa do pai em Saint Brieuc, apercebe-se pela leitura da pedra tumular, de que ele teria morrido com 29 anos. Aí…a vaga de ternura e piedade que de repente lhe encheu o coração não era o movimento de uma alma que conduz o filho à evocação do pai desaparecido, mas a perturbada compaixão que um homem feito experimenta perante a criança injustamente assassinada. O caos tirava lugar à ordem, numa situação em que o pai era mais novo que o filho. Albert Camus visitou a campa do pai pela primeira vez em 1947, tinha então 34 anos. A mãe, Catherine Camus, conserva o seu nome no romance, apesar de ao princípio ser designada por “Lucie”. Oriunda de uma família espanhola de Menorca, os Sintés, é descrita na passagem do nascimento da seguinte forma: …tinha um rosto terno e regular, os cabelos de espanhola bem ondulados e negros, nariz pequeno e direito e um belo e quente olhar castanho. Ambas as famílias do escritor têm de comum a pobreza. Descendiam das vagas de deserdados da sorte, “despejados” pelas potências europeias nas suas colónias, o que, para além de reforçar a autoridade nos territórios ocupados, ainda resolvia alguns problemas criados pelo desequilíbrio social. Muitos morriam sem sequer terem tempo de pegar no arado ou na enxada. Os sobreviventes aravam a terra… com a espingarda à bandoleira e o quinino na algibeira. Com a morte do pai os Camus/Cormery vêem-se obrigados a retirar para Argel, para a casa da avó materna, no bairro pobre de Belcourt. É aí que Camus irá viver a sua infância e adolescência com a mãe, o irmão, a avó e dois tios, num apartamento de três assoalhadas sem água corrente nem electricidade (*). A avó integra desde tenra idade a família nuclear do escritor/Jacques. Símbolo da ordem e da sobrevivência, será também a trave mestra da consciência familiar. Uma tirana que “servia de pé à mesa” e que impunha a disciplina aos netos ante o vazio resultante da apatia da filha. É em relação aos tios que realidade e ficção não caminham juntas. Não sabemos se dos dois tios existentes na casa da avó de Albert, algum correspondia a Etiénne (às vezes Ernest, no livro). Sabemos que entre o sobrinho Jacques e o tio existiu uma enorme cumplicidade que se prolongou por toda a vida. Sabemos também da existência de um outro tio, Gustave, casado com uma irmã da mãe, que se poderia designar como um “talhante voltairiano”, quase anarquista. Gustave escolheria algumas das primeiras obras para o sobrinho ler. Quando morreu, Camus escreveu: "Foi o único homem que me fez imaginar um pouco o que poderia ser um pai "(*) Gustave é também referenciado no romance, ainda que de uma forma muito breve. Em Argel a infância de Jacques/Albert decorre de forma despreocupada, entre corridas clandestinas à praia com os amigos, breves assaltos às frutas em exposição à porta das lojas, brigas com o irmão Henri e as sempre existentes idas à caça com o tio Etiénne. Com a entrada para a escola primária, Camus vai conhecer um dos homens mais importantes na escolha do seu futuro. Trata-se do professor Germain Louis ( Monsieur Bernard no romance) que, ao reconhecer capacidades no jovem garoto, não hesita em influenciar a família no sentido de o deixar trabalhar para a otenção do estatuto de bolseiro do liceu. A única forma de um miúdo de uma família pobre seguir os seus estudos, libertando-se assim da impossibilidade financeira a que estava condenado. O professor primário Germain Louis ajudá-lo-á fora do horário escolar a vencer esta barreira, e a prosseguir na direcção de uma vida melhor. Da pobreza, Albert Camus só tomará consciência com a sua chegada ao liceu. Na escola comunal de Bel Court tudo tinha passado despercebido porque todos eram miseráveis. Inicialmente Albert Camus terá vergonha desse estatuto e, mais tarde, envergonhar-se-á de ter tido vergonha (*). Imediatamente antes do liceu, a avó obriga Jacques a frequentar a catequese. É aí que Camus escreverá uma das mais belas passagens de “O Primeiro Homem”. Um dia, por ser uma criança irrequieta, Jacques é surpreendido pelo padre a fazer caretas para os companheiros. Para o usar como exemplo, o padre prega-lhe um enorme estalo na cara que quase o derruba. A reacção de Jacques é sintomática. Não chora nem odeia, porque …em toda a sua vida foram a bondade e o amor que fizeram chorar e nunca o mal ou a perseguição que, pelo contrário lhe robusteciam o coração e a decisão. Com o liceu surge também de forma mais acentuada, uma das suas primeiras paixões: o futebol. Camus chegou mesmo a ser guarda-redes da equipa principal do RUA (Racing Universitaire d’Argel) (ver foto da capa do livro publicada no início deste texto). A ele fará referência na “Peste”, uma das suas obras mais importantes a par de “O Estrangeiro”. “O Primeiro Homem” termina nas recordações adolescentes, no despertar do desejo, bem como da consciência da passagem para homem. Jacques sente-se então invadido por uma ainda maior vontade de viver, de mesclar-se com aquilo que a terra tinha de mais quente. Por escrever ficou a referência a uma tuberculose prematura aos 17 anos que o obriga a cessar a actividade desportiva. Depois do desperdício que foi a morte do pai, encontra pela segunda vez as terras do absurdo, onde não existe ordem nem lógica que regule a existência humana. A partir daí amará mais intensamente, até aos limites da paixão, na eminência do seu fim sem motivo. O seu primeiro texto impresso é publicado quando tem 18 anos e com 26 termina “O Estrangeiro”, que lhe granjeará em 1957 o Prémio Nobel da Literatura. Da vida de Jacques Cormery ficou também por escrever a passagem de Camus pela Resistência Francesa aquando da ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Ficámos sem saber quais seriam as considerações de Jacques sobre a guerra e o dilema de “matar ou morrer” em que os homens se confrontam neste tipo de situações. Com uma escrita sóbria, essencial e humanista que caracteriza toda a sua obra, o pensador que escrevia ou o escritor que pensava, atravessa o rosário falando de si, apresentando aqueles que amou e que o amam na simplicidade da pobreza. Albert Camus dizia muitas vezes que só por aquela gente humilde e iletrada ter de alguma forma direito a registo, já valia a pena escrever. Sentia-se no entanto triste por saber que essa mesma gente nunca leria as suas palavras. Também Camus nunca chegou a ler “O Primeiro Homem” sob a forma acabada de livro. Por isso ele lhe foi dedicado pelas palavras da sua mulher.

Artur

(*) Grenier, Roger – “Albert Camus, Soleil et Ombre” Ed. Gallimard, Paris, 1987

quinta-feira, 19 de abril de 2012

IN GREED WE TRUST

"Estamos dispostos a suprimir a Política, para a substituir pela Moral. É o que chamamos uma Revolução"

Albert Camus

1. Para além de ser a direita mais estúpida da Europa (quiçá, do Mundo), a direita portuguesa é também a mais ignorante e analfabeta. A ela se pode aplicar o célebre dito que se aplicava aos Bourbons: "Não aprenderam nada, não esqueceram nada". O sinal mais evidente da sua estupidez e ignorância, além de outras "virtudes" que não me apetece enumerar, é a falta de memória histórica. De facto, esta canalha ignara está a levar a cabo um trabalho de destruição de estruturas e determinações que levaram séculos a construir, não sabendo eles que só o que tem história pode ser definido. Enfim, a estupidez e a ignorância não são um crime, nem uma desculpabilização; do ponto de vista ético essas características são neutras. O que deixa de ser neutro, passando a ser criminoso, é o facto de o governo - vamos chamar-lhe assim, para efeitos de conversa - ocupado por esta gente, utilizar a estupidez e a ignorância para poderem levar a cabo a sua "obra ao negro". Desenganem-se aqueles que pensam que esta gente tem um programa ideológico; para tal, era necessário que tivessem ideologia e esta, por sua vez, pressupõe ideias. Não, o que esta gente tem é uma missão a cumprir, consistindo no empobrecimento da população do país, no enfraquecimento da sua força laboral e na entrega dos recursos à canalha hedionda e aos mesmos bandalhos que nos conduziram a esta situação: banqueiros, financeiros, políticos corruptos e demais gentalha sem honra, sem escrúpulos e sem moral.

2. Notícias do CDS, uma boa e outra assim-assim. Primeiro a boa: o finório do portas continua desaparecido e para mim está bem assim. Só que ainda me lembro quando o rei dos garnizés ia a Espanha atestar o depósito de combustível, acompanhado de numerosos jornalistas, protestando com voz esganiçada e olhinhos em alvo contra o preço dos combustíveis em Portugal e a inoperância do governo nessa matéria. Outros tempos e outras moralidades... Ou quando, tomando para si as dores das grávidas e das parturientes, protestava contra o fecho das maternidades, sempre com a boca cheia de "sentido de Estado", "bem público" e outras baboseiras do mesmo género. E também me lembro quando andava pelas feiras, a defender a "lavoura" (ou seriam antes os "lavouradores" ?), protestando em biquinhos de pés contra o atraso do pagamento das indemnizações. O que nos leva à notícia assim-assim: enquanto o país permanece em seca extrema e severa, a cristas, coitadita,  continua a ir a reuniões em Bruxelas. À saída, esforçada e fervorosa, lá vai dizendo que "a reunião correu muito bem, foi muito produtiva, as medidas estão muito bem encaminhadas". No entanto, passados vários meses e dezenas de reuniões, nem uma só medida foi implementada, não passando de retórica e anúncios ocos de rápida resolução de todos os problemas da agricultura/lavoura, para além das pescas, do ambiente e da ordenação do território. Perdão, esquecia-me de um grande sucesso: o gasparzinho inventou mais um imposto (o da segurança dos bens alimentares) e a cristas já o anunciou com pompa e circunstância.

3. Confesso, gasparzinho, tu aborresce-me de morte. Não é tanto porque nos foste vendido como um génio e uma sumidade que iria resolver quase todos os problemas do país, uma espécie de Nobel da Economia que poderíamos ter pelo preço irrisório de um salário de ministro e, por fim, te tenhas revelado tão incompetente como todos os outros; não é sequer pela tua profunda fealdade, por esse corpo raquítico e enfezado, nem pelas tuas expressões grotescas que revelam que és tão feio por dentro como por fora, uma fealdade que se completa com uma gesticulação ridícula e descabida; não é pelas tuas piadas parvas e pífias, que conferem uma nova definição ao conceito de parvoíce, como aquela de explicares aos deputados e à Nação que 2015 virá a seguir a 2014; não é pelo teu modo de falar, pausado e vagaroso, que apenas serve para disfarçar o facto de não teres nada para dizer; não é pelo facto de seres uma não-personagem, um santo com pés de barro, nem por seres nefasto e fazeres mal à saúde; nem por seres um cego conduzindo outros cegos para o abismo. Também não é por me provocares uma avassaladora fúria homicida cada vez que tenho o desprazer de te ver, eu que sou o mais pacífico dos seres humanos, nem por me instilares cólera e ira, a mim que sou um cidadão cordato. Essencialmente, é por me obrigares a explicar-te as coisas de um modo didático e sendo-o, poder parecer pedante ou ridiculamente erudito. Isto porque me obrigas a explicar-te as coisas tal como julgas explicar-nos: como se fôssemos parvos ou atrasados mentais e tu fosses a suprema inteligência num mar de indig~encia mental, como se todos nós tivessemos a idade mental dos teus lacaios (tens que concordar que a supracitada piada do 2015 a seguir ao 2014, além de parva, fez-te descer à categoria do palhaço rico a gozar com o palhaço pobre, uma coisa tristíssima, pindérica, labrega, que ridiculariza quem procura gozar e não o suposto gozado), como eu dizia, obrigas-me a explicar-te tudo. Assim, vou falar de pessoas de quem tu nunca ouviste falar, protagonistas e visões e autores de pensamentos que nem ousas sonhar. Uma delas chama-se Hannah Arendt, discípula de Martin Heidegger (este fica para depois, agora não tenho tempo nem paciência para te explicar quem foi) e uma das intelig~encias mais poderosas do século XX. Se tivesses lido "As Origens do Totalitarismo", terias percebido que a tese central do seu pensamento consiste na consideração de um estado totalitário como um sistema em ruptura radical com o senso comum, que este é inseparável da interrogação sobre o sentido e sobre o sentido dos lçimites. Se não percebeste, levanta o bracinho e eu volto a explicar. Longe de mim comparar-te a Eichmann nos métodos : o alemão matava 5 ou 6 mil pessoas por dia, através de métodos violentos; tu, pelo contrário, asfixias lentamente um país, reduzindo ao empobrecimento e à miséria milhares dos teus conterrâneos. Portanto, nenhuma semelhança entre os dois, pelo menos no que toca aos métodos. Porque é que me disponho então a explicar-te sumariamente o pensamento de Hannah Arendt ? Porque há uma semelhança em abstracto entre ti, a tua actuação e o conceito de "banalidade do Mal". Tenho pena de ti e essa piedade tem origem no facto de viveres num sistema totalitário: provocas o vazio no teu interior fugindo da realidade, isto é, evacuas da tua experiência e da tua imaginação (existindo ela, o que está por demonstrar) a presença concreta dos outros; exprimes "clichés" atrás de "clichés" e colocas entre ti mesmo e o mundo o écran desses lugares-comuns (Roland Barthes dizia que a estupidez é a euforia do lugar), assim te eximindo de avalaires o mal que introduzes nesse mesmo mundo; o teu pensamento e a tua sensibilidade (se é que a tens, o que fica por demonstrar) colocam-se a si mesmos num estado de banalidade que é mais do que a simples ausência de pensamento ou de senbilidade : é antes de tudo uma intencional ausência de si. É triste e cruel. Sim, gasparzinho, o mal existe e tu és só um dos seus avatares.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

ROSA, ROSAE



Este chama-se rosalino (tem cara disso, por acaso) e tem como missão perseguir e desmantelar a Função Pública. O pensamento badalhoco dos bandalhos neoliberais tem vindo a transformar a natureza semântica da expressão; de substantivo, ou nome comum composto, transmuta-se no linguajar bárbaro do gang em adjectivo e, num salto qualitativo pornográfico-liberal, em anátema. Agora que o mito da suma sabedoria do gasparzinho se desmoronou, e ficou à vista a sua extraordinária incompetência; face ao analfabetismo político (e não só) do passos coelho, da irrelevância da cristas, da manha e do xico-espertismo do portas e da ganância e avidez do relvas, há que desviar a atenção do pagode e atribuir a um qualquer bode expiatório as culpas dos problemas que, não se resolvendo, antes se vão agravando: se a economia não cresce, se os indicadores vão de mal a pior, se a pobreza, a miséria e o crime crescem assustadoramente, a culpa é dos funcionários públicos, esses parasitas que asseguram o funcionamento da máquina estatal (na administração, nos impostos, na segurança, no fornecimento de bens e serviços, na educação, na saúde, na justiça, etc, etc.), contribuem para a produção de riqueza, pagam impostos (até ao último centavo) e fazem descontos para a Segurança Social. Não é, portanto, um bode expiatório qualquer; é uma parte essencial e estruturante do nosso tecido social, económico e cultural, que não pode ser desprezada nem espezinhada, muito menos diabolizada ou ostracizada como se fosse lixo para a canalha neoliberal reciclar a seu bel-prazer. De qualquer modo, este rosalino já teve o seu prémio: deixaram-no blindar o estatuto dos trabalhadores do Banco de Portugal, pondo-os a salvo das medidas de austeridade, cortes de salários, pensões e subsídios a que eles despreocupadamente submetem todos os outros trabalhadores. Está-se mesmo a ver porquê: é que este e o gasparzinho são funcionários dessa entidade e, quando forem corridos a pontapé, têm já a vidinha garantida, a reformazinha assegurada e as alcavalas à mão de semear.

domingo, 8 de abril de 2012

TEMPO



"Ninguém vive do Presente, porque está nele. Essa é a parte da vida, que não a nossa. Vivemos, ou da saudade, ou da esperança. Nisto somos almas, que são súbditas do Tempo, como as plantas e os que não pensam. (...)

A vida humana é feita de esperança, e por isso a vida das nações, que é a vida humana maior, é feita de profecias."

Fernando Pessoa

quinta-feira, 5 de abril de 2012

ALBERT, SAINT ALBERT




Dedicado à Teresa Tainha, leitora benevolente, atenta, fiel e crítica, no dia do seu aniversário.


No dia 4 de Janeiro de 1960, pelas 13 h e 55 m, na estrada que liga Sens a Paris, morria Albert Camus num acidente de automóvel conduzido pelo editor Gaston Gallimard. Passados todos estes anos, todos estes acontecimentos que ele não viveu, um movimento natural leva-me a perguntar: que teria ele pensado ? ou melhor, o que pensa ele ? Na verdade, não o sei já ?  Os factos repetem-se com a mecânica de uma máquina duplicadora e Camus teria dado, antes da sua morte, as respostas que o nosso presente exige. É neste ponto que a História, por vezes, parece obedecer à sua visão. Os Grandes Inquisidores invadiram Praga; os franceses torturaram e mataram indiscriminadamente na Argélia; no Vietname os homens arderam nas fogueiras acesas por outros homens, pelos políticos e religiosos que Albert Camus denunciou; a sociedade capitalista (de mercado, dizem eles) suscita a revolta metafísica que ele previu; o dogma marxista colapsou definitivamente; a Burguesia de Função ergue o domínio que ele decompôs nos seus mais ínfimos mecanismos; os terroristas islâmicos deitaram abaixo as Torres Gémeas; e não é que até os regionalismos e a ressurgência um pouco por todo o lado, até na sua amada França (veja-se o caso dos assassinatos de Toulouse) das etnias e do fanatismo religioso encontram a sua definição naquilo que escreveu sobre a verdadeira unidade, baseada no respeito e não no apagar das diferenças ?

Escutemos o que ele diz sobre o nosso tempo. E reconheçamos que poucos autores obtiveram na difícil passagem que se seguiu à sua morte esta continuidade, sem um único fio a romper-se, um só instante de esquecimento.

Podemos dizer que Camus não inventou nada, e é verdade, uma verdade sumária e redutora. Como escritor e filósofo descende em linha recta dos Gregos, de Nietzsche, Dostoievski, Unamuno (Pascal e Molière, acrescentaria ele); entre os contemporâneos, Gide, Malraux, Montherlant, sendo essas influências bem menores. Todos, no entanto, foram ultrapassados, num golpe de asa. Em todo o caso, Intermediários, seria a palavra mais justa. De facto, a obra de Albert Camus não ignora nenhuma paísagem, preocupando-se apenas com as terras essenciais, sobrevoando aquelas que o não são, sem nelas pousar.Para quem contempla as poderosas marés do Eterno Retorno, as pequenas vagas tornam-se insuportáveis. Ora, é de pequenas vagas que vive uma literatura de época. O olhar de Camus dirige-se para os cumes, talvez inacessíveis: a literatura de puro divertimento nunca o interessou, nem sequer o estilo, embora o possuísse num grau de clareza quase tão insuportável como olhar o Sol de frente.

Foi um moralista, como a maior parte dos escritores franceses. Como eles, foi-lhe impossível escapar a séculos de moral e racionalismo cristãos. Herdou a Grécia e o Cristianismo e aceitou a sua herança. Foi sempre fiel à terra, às obras dos homens, à dimensão humana aliada às forças materiais, lembrando constantemente que a justiça é, antes de mais, um equilíbrio pessoal incessantemente ameaçado, o esforço contínuo de uma dupla visão ("O Avesso e o Direito").

Vivemos num tempo em que a tecnocracia moral e a burguesia material sustituíram o tipo de moral que Camus professava, sem que eu deixe de pensar que o burguês de hoje, o tecnocrata dos becos políticos e o especialista das eficácias fragmentárias valem infinitamente menos que esse moralista (quase, quase um santo), morto em 4 de Janeiro de 1960. Nesse dia levava uma pasta que continha a obra inacabada que viria a ser publicada com o título "O Primeiro Homem". Aí se pressente a dureza do caminho que percorreu, do bairro popular de Belcourt, em Argel,ao Prémio Nobel da Literatura, passando por todas as glorificações que consagraram o homem, o combatente, o escritor e o filósofo. No entanto, o mais comovente dessa obra, o mais profundo, o mais trágico e sublime encontra-se nas páginas em que descreve o encontro com a campa do pai, morto em 1914 na batalha do Marne (viu pela primeira vez a França e morreu), tinha Camus um ano de idade, descobrindo ser "o primeiro homem", e aquelas outras em que o adolescente penetra pela reflexão e pelos estudos na grande explicação das coisas e observa a mãe, calma, profunda, impenetrável e silenciosa como o mar (mère/mer, mãe/mar, Camus aproximará rapidamente essas duas palavras) que, em toda a eternidade de miséria e aquiescência vive na intimidade das coisas.

DR. PINÓQUIO

Somos governados por uma gentalha cobarde, imoral e, sobretudo, mentirosa. Isto não é uma interpretação. São factos. Vejamos: anteontem, um obscuro burocrata europeu, depois de uma conferência de imprensa de avaliação do cumprimento do programa de ajustamento português, deu-se ao luxo de responder a questões de jornalistas num esconso corredor de uma qualquer ala da Comissão Europeia. Uma das perguntas referia-se ao corte do 13º e 14º mês dos funcionários públicos portugueses, tendo o sábio apressadamente considerado que tal corte poderia vir a tornar-se definitivo. Logo o gasparzinho veio desmentir tal vatícinio, assegurando que esse corte só vigoraria durante o período de aplicação do programa da "troika", isto é, durante 2012 e 2013. Ontem, o passos coelho anunciou com aquele ar de contrição beata e aquela máscara de constrangimento que afivela na altura de anunciar as medidas de roubo, pilhagem e confisco a que já nos habituou, que tal corte se estenderá a 2014, sendo os vencimentos roubados gradualmente repostos a partir de 2015. Ou seja, revelando grande cobardia e mendácia, aproveitou o deslize do burrocrata europeu para introduzir uma medida há muito pensada. Isto diz tudo sobre o carácter e a personalidade do indivíduo.
Já uma vez aqui disse que a direita portuguesa é a mais estúpida da Europa. Pois bem, agora acrescento que não só é a mais estúpida, como também que é a mais canalha e sebosa de todo o Universo conhecido. Aproveitam a crise para os seus ajustes de contas, sobretudo com os funcionários públicos e o "Estado", exactamente o mesmo Estado que lhes proporcionou os cursos que lhes permitiram tornarem-se advogados, economistas e políticos e assim rastejarem para fora das tocas e  das pedras onde nasceram para enriquecerem eles próprios e permitirem o enriquecimento dos amigos à custa do esforço colectivo, eternamente abancados à mangedoura do Orçamento.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

PROTESTO VEEMENTE


Segundo a imprensa de ontem, a IGAI (Inspecção Geral da Administração Interna) recomenda sanções disciplinares contra os elementos policiais envolvidos nas agressões a jornalistas e manifestantes no dia 22 de Março. Ora, eu que sou Inspector Geral do Abandalhamento da Inducação (IGAI), venho protestar veementemente contra tal recomendação, considerando-a desde já como iníqua e injusta. Como é que é possível recomendar uma sanção disciplinar contra este bravo e corajoso combatente, este Aquiles do chuço e do chanfalho, este novo Mouzinho de Albuquerque, este Paiva Couceiro da Buraca ? Por mim, recomendaria antes uma condecoração (pode ser a Torre e Espada) a entregar pelo Cavaco no dia 10 de Junho, perante as forças em parada e a multidão comovida pela consagração do Herói.

Entretanto, aproveito a ocasião para fazer um balanço da governação CDS-PP, elogiando as prestações dos três mais valorosos ministros do gang que agora nos (des)governa. São eles: o mota soares, com aquele ar de rato de sacristia devoto do onanismo e o fervor e o empenho que os patrões lhe exigem, lá tem vindo a desmantelar paulatinamente o estado social, tirando a todos os que necessitam a fim de favorecer os grupos económicos do Centralão de interesses, negócios e trafulhices (eu sei que é uma visão maniqueísta, mas gosto assim : o mundo que se divide entre o bem e o mal, o branco e o negro é bem mais inteligível e negociável que o asséptico  universo do politicamente correcto e moralmente neutro). Atribuo-lhe nota 8 pelo esforço e pelo empenho. Já não posso ser tão benevolente em relação a assunção cristas: entre rezas, candomblés e a tonga da milonga do cabulété, a senhora anda desnorteada e acrabunhada, sem saber o que fazer à seca, à agricultura, às pescas, ao ambiente e ao que demais houver e couber no MAMAOT, restando-lhe ir a Bruxelas de mão estendida, à espera de umas migalhas que os euroburocratas deixem cair no seu regaço, migalhas essas que, assim Deus o queira, hão-de aproveitar imenso ao cadáver da nossa agricultura e à falência generalizada dos nossos agricultores. Dou-lhe nota 3, sendo que um dos valores ponderados corresponde à aplicação demonstrada nas aulas de catequese dominicais ministradas pelo Padre Amaro. Finalmente, o rei da capoeira, paulo portas ele mesmo, o maior finório da política portuguesa. De volta à pose de "Estado", deixou-se daquelas declarações em voz esganiçada, proferidas em bicos de pés, de bonézinho parolo ou chapéu à caçador, durante uma visita à Feira de Gado da Corujeira ou do Nabo da Merdaleja, em defesa da "Lavoura", entretanto entregue ao descalabro da governação da Cristas. também tem estado calado no que se refere ao inquietante incremento da criminalidade violenta, da inoperância das polícias (exceptuando no que toca a agredir jornalistas) e da ineficária da justiça, não vá acontecer que a realidade nua e crua lhe estrague a fantasia de grande estadista e estradista que percorre o globo em nome da diplomacia económica que lhe vai tão bem e que só a ele tem aproveitado, visto que os resultados para o país foram até esta data absolutamente nulos. Assim, dou-lhe um 5, uma nota encorajadora, não pelos resultados, mas pela pose de estadista responsável e sereno e pelo silêncio a que se tem remetido, poupando o país à retórica balofa e vazia a que nos vinha habituando. No entanto, previno-o solenemente, vou mantê-lo sob vigilância e, tal como as agências de rating, posso baixar-lhe a notação à primeira bacorada ou proclamação inchada e patrioteira.