domingo, 23 de junho de 2013

A COMUNA DE PARIS III



AS IDEIAS E AS SEMENTES

 

Da autonomia do cidadão e da comuna decorrem diversos direitos que, para se realizarem na plenitude pressupõem uma absoluta independência administrativa bem como as condições necessárias para que o indivíduo se realize enquanto homem e trabalhador. Para tal são impostas as seguintes medidas: eliminação do exército regular e da policia, laicidade e gratuitidade do ensino, separação da Igreja e do Estado, responsabilização e revogabilidade dos detentores de funções públicas, direito ao trabalho e garantia para o trabalhador de participação na riqueza produzida, liberdade de imprensa, protecção da infância e da velhice, direito à saúde, sistema de garantia comunal contra o desemprego, a indigência, a miséria e todas as causas resultantes da opressão. Segundo Marx, a Comuna de Paris foi “a forma política encontrada que permitiu realizar a emancipação económica do trabalho” E porquê? Por “ se apresentar na sua essência enquanto um governo da classe operária.”

Á partida são tomadas medidas de carácter simbólico como a adopção da bandeira vermelha e a retoma do calendário republicano (ano 79 da República). A proclamação de 22 de Março anuncia que os membros da assembleia municipal estarão sempre sob vigilância, sujeitos a críticas, controlados e responsabilizados pelos seus actos. É a consagração do governo do, pelo e para o povo. Uma democracia directa assente na cidadania activa, renovada pelo espírito da constituição de 1793 que consagra o direito à insurreição, “o mais sagrado dos direitos e o mais imprescindível dos deveres” (artigo XXXV da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1793).

 

 A Imprensa

A liberdade de imprensa é restaurada a 19 de Março pelo comité central da Gare du Nord e os jornais anti- communards continuam a ser publicados nomeadamente Le Journal des Débats et La Liberté  fiel às políticas de Thiers. Mas em breve a Comuna irá perseguir e tentar silenciar as publicações “favoráveis aos interesses do exército inimigo”. O que não consegue na plenitude na medida em que os jornais da oposição facilmente aparecem e desaparecem nas ruas de Paris. Por outro lado a imprensa fiel à Comuna não consegue ser distribuída fora de Paris dada a vigilância e o controle montado pelas forças fiéis ao governo de Thiers.

 

                               Nathalie Lemel
 
                                                                                                                    Elisabeth Dmitrieff
 
A Emancipação Feminina

Durante este período, e sob a orientação de Elisabeth Dmitrieff (uma aristocrata russa) e Nathalie Lemel é constituído um dos primeiros movimentos femininos de massas, a Union des Femmes pour la Defense de Paris et les soins aux Blessés. A União começa por reclamar o direito ao trabalho e a igualdade salarial. Por influência deste grupo a Comuna irá reconhecer a união de facto ao atribuir, p. ex., uma pensão às viuvas dos soldados mortos, casados ou juntos maritalmente, tal como aos órfãos, legítimos ou não.

 

A Justiça

A maior parte dos profissionais da justiça havia saído de Paris (ficaram apenas dois notários em actividade) por isso era necessário colmatar essa ausência. Uma tarefa muito difícil de executar com ideias a mais e meios a menos. Instaura-se o casamento por livre consentimento (com uma idade mínima de 16 anos para as raparigas e 18 para os rapazes), as crianças desde que legitimadas são consideradas como de absoluto direito; é decretada a gratuitidade de todos os actos notariais (doações, testamentos, contrato de casamento); fica proibida a detenção ou a busca sem mandato; é criada uma inspecção das prisões.

 

O Ensino

No ensino passa-se um pouco a mesma coisa que com a justiça. A maior parte do pessoal administrativo havia abandonado a cidade, os professores do ensino secundário e superior eram pouco apoiantes da Comuna, deixando liceus e faculdades abandonadas. Édouard Vaillant, é encarregado de reformar o sector prevendo-se medidas que visem a uniformização da formação primária e profissional. São inauguradas duas escolas de formação profissional, uma para rapazes e outra para raparigas. É interdito o ensino confessional e declarada a laicidade da escola, os símbolos religiosos são retirados das salas de aula. Em alguns bairros é decretado o ensino laico e gratuito. Os professores recebem uma remuneração de 1500 francos anuais e 2000 os directores das escolas. Haverá igualdade salarial entre homens e mulheres.

 

Cultos

Em termos de culto a Comuna decreta o fim da Concordata de 1802 que definia o catolicismo enquanto religião da maioria dos franceses. Na fase final do Império as classes populares parisienses são bastantes hostis ao catolicismo, demasiado cúmplice dos sectores conservadores e do regime em geral. A 2 de Abril a Comuna decreta a separação da Igreja e do Estado bem como o confisco dos bens das congregações religiosas.

 

Em pouco tempo a mudança torna-se uma realidade e a cidade, ao se apropriar da sua autonomia vê-se confrontada com um novo tempo, uma modernidade portadora de soluções adequadas. Mas o passado não se deixa intimidar nem se retira com facilidade.

 

2 comentários:

A.Teixeira disse...

Gostei particularmente daquela parte dos "primeiros movimentos femininos de massas".

De massas, mas não só: considerado o carácter cosmopolita de Paris envolveu também "pastas", esparguetes e afins...

Artur Guilherme Carvalho disse...

Brioches, croissants e duchéses. Comia-se bem já naquela época...