sábado, 22 de junho de 2013

A COMUNA DE PARIS II


 
 
A CONSTRUÇÃO
 
CONCEITO DE COMUNALISMO

 

A “iluminação colectiva” ou a acção determinante de uma comunidade em se organizar, defender ou afirmar não resulta de um explosão inesperada de inspiração ou sequer na sequência de uma noite em que foi distribuída droga estragada nas ruas. Ela ocorre quando a força dos acontecimentos e o movimento da sociedade atingem uma súbita e absoluta sintonia na leitura da História. Já percebemos que as convulsões sociais tinham sido frequentes nas décadas anteriores e como os regimes haviam sido depostos com frequência. No séc. XIX uma insurreição nas ruas era uma situação frequente. Então porque é que um acontecimento que tem a duração de breves meses inspirou e estimulou o interesse tanto de historiadores como de teóricos políticos ao longo de várias gerações até aos nossos dias? É o que vamos tentar perceber de seguida. Por ter sido tão breve, a primeira revolução proletária conservou toda a sua virtude; por ter sido reprimida com uma brutalidade exagerada para que a sua ideia fosse eliminada para a eternidade, a memória da Comuna de Paris ganhou ecos reforçados.

A Revolução de 1789 tinha sido a revolução dos burgueses, esta era a altura de o povo ter a sua. Esta é a primeira ideia de fundo que vai animar a Comuna de Paris no seu ponto de partida. Não se tratava de inventar a Democracia visto que ela já existia. Tratava-se de afinar o seu funcionamento, corrigir os seus defeitos. No essencial a Democracia reside na relação de confiança que os cidadãos delegam nos seus representantes através do exercício eleitoral. Só que na maior parte das vezes, aqueles que são eleitos tendem a afastar-se dos seus eleitores e a sua actuação não consegue ser controlada. A Comuna começa por tentar dar uma resposta a esta questão viciada e pervertida. Através do Comunalismo a proximidade será a primeira prerrogativa dos delegados eleitos. Assim os representantes do povo estarão mais perto dos seus eleitores, serão controláveis e passíveis de serem demitidos. O Comunalismo assenta em quatro princípios essenciais: associação, autonomia, federação, união. A “federação” opõe-se ao conceito de Estado porque é resultante de uma “união” por “associação” livremente consentida pelas colectividades autónomas; o Estado assenta num modelo de autoridade centralizador e convergente. A “união” é diferente da “unidade”. A Federação é o resultado de uma escolha, o exercício de uma responsabilidade. Ela assenta no desenvolvimento harmonioso dos grupos autónomos e dos indivíduos que os constituem num movimento de reciprocidade. Uma grande parte desta concepção deriva do pensamento de Proudhon, para quem a associação “é o termo complementar do individualismo pois o indivíduo sem poder vive isolado”. Substituído o eixo centralizador pelo da união não haverá mais lugar para um chefe dentro do grupo comunal. A associação é a garantia da liberdade, que só se pode verificar no âmbito da colectividade.

A 26 de Março são feitas as eleições com uma população desfalcada já que uma grande parte dos habitantes havia seguido com o governo para Versalhes. O Conselho eleito reflectirá essencialmente a representação das classes populares e da pequena burguesia parisiense. Assim vamos encontrar 25 operários, 12 artesãos, 4 empregados de serviços, 6 comerciantes, 3 advogados, 3 médicos, 1 farmacêutico, 1 veterinário, 1 engenheiro, 1 arquitecto, 2 artistas plásticos e 12 jornalistas. Estão representadas todas as tendências políticas republicanas e socialistas até ao grupo dos anarquistas. Em breve duas tendências começam a ganhar forma no Conselho da Comuna. Primeiro a maioria, os jacobinos, brancos (blanquistes) e independentes. Para eles a política traz consigo o elemento social; reconhecem-se enquanto continuadores da facção dos “montagnards” de 1793, não sendo contrários às medidas centralizadoras, ou autoritárias; votarão todas as medidas de reforma social da Comuna. A minoria, ou os minoritários era um grupo constituído por radicais e “internacionalistas” proudhonianos empenhados em promover as reformas sociais e anti-autoritárias; são fervorosos adeptos da “Republica Social”.

Um pouco por toda a parte a população junta-se e discute o momento, propõe soluções,  pressiona os eleitos e ajuda a administrar a própria Comuna. A construção do futuro torna-se um trabalho colectivo.

A partir de 29 de Março o Conselho da Comuna formará dez comissões (executiva, militar, da subsistência, finanças, justiça, segurança, trabalho, industria, serviços públicos e ensino). A Comuna irá administrar Paris até ao dia 20 de Maio. Inúmeras medidas  vão ser tomadas e aplicadas durante esses 70 dias de actividade legislativa considerável, sendo a sua maioria abolida após o fim da Comuna. Algumas só voltarão a ser recuperadas várias décadas depois.

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