sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

LUIS BUÑUEL - A CONSAGRAÇÃO


Luis Buñuel
   O tempo passado no México é considerado por muitos críticos como o período de maturação da obra buñueliana antes de atingir a maturidade no seu regresso à Europa e a VIRIDIANA (1961). No entanto, através de um olhar um pouco mais atento podemos encontrar em todas as fases da sua obra (Primórdios; México; regresso à Europa) não só uma constante temática sucessivamente desenvolvida, como uma linha de continuidade que aprimora, robustece e desenvolve essa mesma temática. Temas, mensagens e propostas narrativas saltam de uns títulos para os outros complementando um universo significativo intenso e permanente.

VIRIDIANA
Depois de LOS OLVIDADOS (1950) Buñuel vai-se apropriando aos poucos da autoria do argumento bem como da liberdade de encenação. A VIDA CRIMINOSA DE ARCHIBALDO DE LA CRUZ (1955) abre-lhe o caminho para as primeiras co-produções francesas (CELA S’APPELLE L’AURORE (56); LA MORT EN CE JARDIN (58); LA FIÉVRE MONTE A EL PAO (60). A partir daqui Buñuel consegue abordar a temática política dispondo de muito mais meios, desenvolvendo e aprofundando a sua proposta narrativa. As co-produções com os Estados Unidos (ROBINSON CRUSUOE, THE YOUNG ONE) aproximam-se cada vez mais do seu universo. NAZARIN e EL anunciam VIRIDIANA, rodado em Espanha, Palma de Ouro no Festival de Cannes e novo escândalo com as vozes do Vaticano a gritar “sacrilégio”. Se em NAZARIN o padre se transforma numa freira, em VIRIDANA uma verdadeira orgia de mendigos que parodia a Última Ceia ao som de “Hallelujah” de Haendel compõem dois pontos altos da sátira religiosa. A caridade (virtude principal do cristianismo) é não só um paliativo ineficaz como também um instrumento de submissão e tirania. É como dar os peixes e não ensinar a pescar. Quem recebe deixa de ter instinto para procurar a sua vida e quem dá mantém sobre o beneficiado um ascendente inútil e sem sentido no que à condição humana diz respeito. Pobres e ricos, ninguém se aproveita na hora da apresentação da boçalidade, do sentido do ridículo, da mesquinhez ou da canalhice. Pobres e ricos todos guardam em si o que de melhor e de pior se pode encontrar na espécie humana sem distinções. A estranha humanidade dos filmes de buñuel fazem lembrar o Goya dos quadros negros. Estes monstros erigidos pelo sono da razão possuem uma vitalidade animalesca que desfigura a beleza dos protagonistas, espaço aproveitado pelo realizador para exercer a sua crítica às normas e aos padrões da sociedade.

Do mesmo modo, os filmes que destacam a parte irracional da crença religiosa – onde se incluem SIMÃO DO DESERTO (65) e A VIA LÁCTEA acabam por se conjugar com aqueles em que irrompe a sexualidade reprimida. É assim que EL encontra correspondência com TRISTANA (70), a segunda adaptação do escritor Pérez Galdóz, assim como BELLE DE JOUR (67) e CET OBSCURE OBJECT DU DÉSIR (77).

                                 
                                         O CHARME DISCRETO DA BURGUESIA
A base do método surrealista utilizado por Buñuel é o sonho, porta de entrada para o mundo do inconsciente, embora o realizador saiba fazer muito bem a distinção entre “sonho”, “fantasia” e “delírio”. Ao mesmo tempo, em L’AGE D’OR a própria narrativa se baseia numa linguagem “sonhada”, composta por deslocações irracionais, ou aquilo que Buñuel chamava a “continuidade descontínua”, técnica que ele não deixará mais de utilizar nos seus últimos filmes tais como LE CHARME DISCRET DE LA BOURGEOISIE (72) e LE FANTÔME DE LA LIBERTÉ (74). Nestes dois filmes, que representam a essência da arte buñueliana, o tema é ao mesmo tempo desprovido de sentido e logicamente impossível. A própria verosimilhança narrativa, o facto de ser absurda a explicação dos símbolos e das metáforas não significa que o filme não quer dizer nada. Pelo contrário, a sua (des)construção narrativa insinua uma lucidez, uma observação acerca das pretensões sociais e ideológicas, nas quais buñuel se mantém fiel ao Surrealismo e às suas convicções revolucionárias.

Como sabemos, o Surrealismo não encontrou grande aceitação na área cinematográfica. Buñuel ocupou essa vaga de forma permanente e quase absoluta impedindo que se desenvolvesse um estilo, uma escola como p. ex. o Neo- Realismo. Ainda assim é possível encontrar exemplos, não de continuadores mas de cineastas que acusaram a sua influência total ou parcialmente ao longo dos seus filmes. Estou-me a referir em concreto a Pedro Almodôvar na sua primeira fase (até MATADOR) e a Emir Kusturica. Poderemos dizer em síntese que, não tendo vingado, o Surrealismo não se afastou totalmente do Cinema.

 

Artur

 

1 comentário:

Hélder Martins disse...

Andy Warhol mais ao nível do cinema experimental, David Lynch ou até mesmo o Hitchcock, para além de alguns menos conhecidos do grande público (os italianos Dario Argento e Gabriele Salvatores) fizeram também incursões na abordagem cinematográfica surrealista. Quem não se lembra da série Twin Peaks?
Nada no entanto, nem com o impacto nem com a genealidade do Luis Buñuel...
Obrigado Artur