Luis Buñuel
O tempo passado no México é
considerado por muitos críticos como o período de maturação da obra buñueliana
antes de atingir a maturidade no seu regresso à Europa e a VIRIDIANA (1961). No
entanto, através de um olhar um pouco mais atento podemos encontrar em todas as
fases da sua obra (Primórdios; México; regresso à Europa) não só uma constante
temática sucessivamente desenvolvida, como uma linha de continuidade que
aprimora, robustece e desenvolve essa mesma temática. Temas, mensagens e
propostas narrativas saltam de uns títulos para os outros complementando um
universo significativo intenso e permanente.
VIRIDIANA
Depois de LOS OLVIDADOS (1950)
Buñuel vai-se apropriando aos poucos da autoria do argumento bem como da
liberdade de encenação. A VIDA CRIMINOSA DE ARCHIBALDO DE LA CRUZ (1955)
abre-lhe o caminho para as primeiras co-produções francesas (CELA S’APPELLE
L’AURORE (56); LA MORT EN CE JARDIN (58); LA FIÉVRE MONTE A EL PAO (60). A
partir daqui Buñuel consegue abordar a temática política dispondo de muito mais
meios, desenvolvendo e aprofundando a sua proposta narrativa. As co-produções
com os Estados Unidos (ROBINSON CRUSUOE, THE YOUNG ONE) aproximam-se cada vez
mais do seu universo. NAZARIN e EL anunciam VIRIDIANA, rodado em Espanha, Palma
de Ouro no Festival de Cannes e novo escândalo com as vozes do Vaticano a
gritar “sacrilégio”. Se em NAZARIN o padre se transforma numa freira, em
VIRIDANA uma verdadeira orgia de mendigos que parodia a Última Ceia ao som de
“Hallelujah” de Haendel compõem dois pontos altos da sátira religiosa. A
caridade (virtude principal do cristianismo) é não só um paliativo ineficaz
como também um instrumento de submissão e tirania. É como dar os peixes e não
ensinar a pescar. Quem recebe deixa de ter instinto para procurar a sua vida e
quem dá mantém sobre o beneficiado um ascendente inútil e sem sentido no que à
condição humana diz respeito. Pobres e ricos, ninguém se aproveita na hora da
apresentação da boçalidade, do sentido do ridículo, da mesquinhez ou da canalhice.
Pobres e ricos todos guardam em si o que de melhor e de pior se pode encontrar
na espécie humana sem distinções. A estranha humanidade dos filmes de buñuel
fazem lembrar o Goya dos quadros negros. Estes monstros erigidos pelo sono da
razão possuem uma vitalidade animalesca que desfigura a beleza dos
protagonistas, espaço aproveitado pelo realizador para exercer a sua crítica às
normas e aos padrões da sociedade.
Do mesmo modo, os filmes que
destacam a parte irracional da crença religiosa – onde se incluem SIMÃO DO
DESERTO (65) e A VIA LÁCTEA acabam por se conjugar com aqueles em que irrompe a
sexualidade reprimida. É assim que EL encontra correspondência com TRISTANA
(70), a segunda adaptação do escritor Pérez Galdóz, assim como BELLE DE JOUR
(67) e CET OBSCURE OBJECT DU DÉSIR (77).
O CHARME DISCRETO DA BURGUESIA
A base do método surrealista utilizado por Buñuel é o sonho, porta de entrada para o mundo do inconsciente, embora o realizador saiba fazer muito bem a distinção entre “sonho”, “fantasia” e “delírio”. Ao mesmo tempo, em L’AGE D’OR a própria narrativa se baseia numa linguagem “sonhada”, composta por deslocações irracionais, ou aquilo que Buñuel chamava a “continuidade descontínua”, técnica que ele não deixará mais de utilizar nos seus últimos filmes tais como LE CHARME DISCRET DE LA BOURGEOISIE (72) e LE FANTÔME DE LA LIBERTÉ (74). Nestes dois filmes, que representam a essência da arte buñueliana, o tema é ao mesmo tempo desprovido de sentido e logicamente impossível. A própria verosimilhança narrativa, o facto de ser absurda a explicação dos símbolos e das metáforas não significa que o filme não quer dizer nada. Pelo contrário, a sua (des)construção narrativa insinua uma lucidez, uma observação acerca das pretensões sociais e ideológicas, nas quais buñuel se mantém fiel ao Surrealismo e às suas convicções revolucionárias.
Como sabemos, o Surrealismo não
encontrou grande aceitação na área cinematográfica. Buñuel ocupou essa vaga de
forma permanente e quase absoluta impedindo que se desenvolvesse um estilo, uma
escola como p. ex. o Neo- Realismo. Ainda assim é possível encontrar exemplos,
não de continuadores mas de cineastas que acusaram a sua influência total ou
parcialmente ao longo dos seus filmes. Estou-me a referir em concreto a Pedro
Almodôvar na sua primeira fase (até MATADOR) e a Emir Kusturica. Poderemos
dizer em síntese que, não tendo vingado, o Surrealismo não se afastou
totalmente do Cinema.
Artur
1 comentário:
Andy Warhol mais ao nível do cinema experimental, David Lynch ou até mesmo o Hitchcock, para além de alguns menos conhecidos do grande público (os italianos Dario Argento e Gabriele Salvatores) fizeram também incursões na abordagem cinematográfica surrealista. Quem não se lembra da série Twin Peaks?
Nada no entanto, nem com o impacto nem com a genealidade do Luis Buñuel...
Obrigado Artur
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