quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

LIÇÃO PRÁTICA DE DIALÉTICA HEGELIANA POST-MARXISTA

Factos: Passos Coelho foi interrompido quando discursava no Parlamento por um grupo de pessoas entoando a canção "Grândola Vila Morena". Miguel Relvas foi interrompido no denominado Clube dos Pensadores por um grupo de pessoas entoando a mesma canção e insultos variados. Miguel Relvas foi impedido de discursar no ISCTE por um grupo de estudantes entoando a sobredita canção e proferindo insultos avulso. Paulo Macedo discursava no Porto e foi interrompido por pessoas que entoaram "Grândola" e proposições avulsas contra as políticas deste Governo em geral, e contra as políticas de Macedo em particular.

Tese: Algumas almas bondosas e eivadas de espírito democrático manifestaram-se contra tal estado de coisas. Dizem elas que é inaceitável que cidadãos de qualquer categoria, mormente membros do Governo, sejam impedidos de manifestar publica e livremente as suas opiniões, constituindo tais factos uma subversão de um dos princípios fundamentais do Estado de direito e um atropelo a um direito consagrado constitucionalmente.

Antítese: É bom que estes governantes percebam que ainda existem pessoas que não estão dispostas a engolir as mentiras, trapalhadas, mistificações e aldrabices com que nos bombardeiam diariamente. É excelente que estas pessoas, formalmente legitimadas por um mandato que lhes foi concedido pelo soberano (o povo) para governarem em seu nome e que tudo têm feito para subverter o dito Estado de direito, a começar pela desvalorização e achincalhamento da Constituição, percebam que estão apenas a colher aquilo que semearam: embora não pareça, os direitos que sonegam aos cidadãos, a preversão ideológica com que perspectivam tudo aquilo que constitui a cidadania, os actos que diariamente empreendem e que prefiguram uma Revolução Cultural maoísta "soft", têm um correlato directo numa forma de contestação que não pode ser detida à bastonada e que não pode ser calada porque encontrará sempre vias de se fazer ouvir. Para além disso, estas pessoas não precisam de outros palcos para propagarem a sua ideologia manhosa e as suas ideias bacocas; para falarem de "mercados", ajustamento", "reforma do Estado" e outras baboseiras do género bastam-lhes os "microfones com pernas" (Marinho Pinto dixit) que são os jornalistas sempre à cata da última declaração de quem não tem nada a declarar, senão mais um acto da tragédia constituída pela sua governação.

Síntese: Segundo o filósofo Georges Steiner "todo o acto de pensamento é uma acto linguístico". Logo, quem pensa mal só pode expressar mal aquilo que pensa. Inversamente, se fala mal é porque pensa mal. Se compulsarmos as expressões empregues pelo Primeiro Ministro ("mais bom gosto", "pratos que se habituaram", "que se lixem as eleições" e por aí fora) e o discurso pobre e ignorante dos restantes membros do Governo (lexical, semântica e gramaticalmente indigente) só poderemos concluir pela deficiente ou ausente qualidade do seu (deles) pensamento. Ou ainda, como certa vez Marcello Caetano (cruzes canhoto !!!) disse de uma célebre personagem do antigo regime: "Ele tem ideias inteligentes e originais. Pena que as inteligentes não sejam originais, e que as originais não sejam inteligentes". Portanto, o abandalhamento do espaço de comunicação pública com falsidades e mentiras, servidas por um paupérrimo discurso, só poder ser combatido com formas, ainda assim muito suaves, de contestação que impeçam esse mesmo discurso de poluir e emporcalhar a vida pública. Deixem-se ficar acantonados nos seus gabinetes, levando a cabo as suas tenebrosas tarefas, ou façam como o Prof. Cavaco que se deixou de ouvir há cerca de dois meses, não havendo notícia de alguém sentir a falta das suas banalidades e tergiversações. Por outro lado, há que obtemperar a falta de qualidade dos discurso dos nossos governantes e mitigar a irritação suscitada pelas suas aparições e discursos públicos: quem passou a vida inteira metido nos pântanos de mediocridade e selvajaria das juventudes partidárias, aprendendo a forma de conquistar e manter o poder, se possível enriquecendo e fazendo enriquecer os amigos à custa do erário público, não teve tempo de tomar contacto com os grandes cultores da língua portuguesa : Padre António Vieira (não, sr. Primeiro Ministro, não poderá contactá-lo na sua paróquia para lhe pedir uns conselhos), Sá de Miranda, Luís António Verney, os grandes poetas do século XVIII, os grandes prosadores do século XIX, Eça de Queiróz, Camilo Castello Branco et altri. Restam-lhes as patéticas formas vernaculares de discurso, as declarações arrastadas e entarameladas, recheadas de termos técnicos que não significam nada, para além do jargão inóspito com que pretendem ser sérios e demonstrar competência e o folclore surreal daquilo a que os franceses chamam "langue de bois", ou "língua de madeira", para quem não domina a língua de Molière, Racine e Balzac.


P.S.  Disse um dia Baudelaire nas suas "Fleurs du Mal" ("Flores do Mal" para quem não domina a língua de Pascal, Appolinaire, Rimbaud e Lautréamont): "Nada conheço da alma de um patife. Mas conheço a alma dos homens sérios, de fatos de bom corte, de bons hábitos, com amigos influentes: é de estremecer de nojo e de horror".

3 comentários:

Hélder Martins disse...

Caro Arnaldo, "the fire is rising!" ou numa minha tradução livre da língua de Shakespeare, Lord Byron, Francis Bacon, Dickens, Oscar Wilde,Virginia Wolf, George Orwell, Somerset Maugham, "a chama intensifica-se!".
Haja esperança que homens de bem se fartem dos outros e se sintam compelidos a mudar o estado das coisas.
Na Islândia conseguiram...
Ah!... Mas também é outro Universo, não é?...
Um abraço agradecido.

ARNALDO MESQUITA disse...

Helder:

Tens toda a razão: não só a chama se intensifica como, embora eles ainda não tenham percebido, por debaixo da superfície já está tudo a arder. Deixa arder, porque arder está na natureza das coisas.
Um grande abraço

Arnaldo

Artur Guilherme Carvalho disse...

"Quem fala mal, pensa mal, quem pensa mal, vive mal. As palavras são importantes."
Nanni Moretti in PALOMBELA ROSSA"