Eram
doces os dias daquele puto afortunado, e ainda mais os fins-de-semana em família
com os pais e com o casal idoso que tomava conta dele durante a semana,
aproveitando assim de uma penada todos os que mais lhe importavam.
Almoços
de domingo numa Sintra calma e tranquila da segunda metade dos anos sessenta,
ainda não adulterada por atentados arquitectónicos, nem sobrepovoada. Um
recanto pitoresco, reservado a uns quantos privilegiados pelo doce bafo das
queijadas, dos travesseiros e das circunstâncias da vida.
Havia
idas estivais à Praia das Maçãs no embalo mágico de um comboio que na linha
iniciada em Sintra, se punha a correr em carris que seguiam sinuosamente lado a
lado com os carros, e nalguns pontos atrevidamente atravessavam a estrada,
rompendo por uma paisagem de encanto, enquanto o “carocha” do pai ficava a
folgar no estacionamento.
Noutros
domingos, era a travessia de um deserto de campo aberto e vegetação rasteira entre
o Cacém e Paço de Arcos ou Carcavelos, recompensada pela chegada a praias plenas
de ar a mar, algas frescas e pequenas poças por entre as rochas deixadas pela maré
baixa, carregadas de brindes – conchas, pequenos peixes e caranguejos.
Podiam
ser tardes passadas no jardim de Queluz onde no seu triciclo de motor eléctrico
oferecido pelo padrinho, procurava percorrer todas as possibilidades dos
percursos na terra batida, antes que as pilhas acabassem.
Havia
cinema em tardes passadas a ver o único canal de televisão, e a aproveitar a
reposição das “novidades” do Ribeirinho, de Leitão de Barros ou dos filmes do
Sabu, Tarzan e companhia.
Ás
vezes, menos frequentes, eram as viagens de meio dia de duração até chegar ás
Caldas da Rainha onde visitava a família materna, ou ainda mais raras e
homéricas até à “antípoda” aldeia da família paterna, perdida nas serras de Proença-a-Nova.
De
vez em quando, lá calhavam visitas ao Jardim Zoológico de Lisboa. No entanto, muito
estranhavam os pais quando ao perguntarem-lhe se preferia ir ver a bicharada ou
os aviões, prontamente trocava uma tarde de macacada, leões e elefantes, por contemplações
infindas a partir das colinas no topo sul da pista do aeroporto de Lisboa, dos
aviões a chegar e a partir não sabia para onde.
Fascinado
por aquelas partidas para o desconhecido, mas por onde iam os pássaros, teve ali
uma centelha aos três anos, daquilo que o atrairia mais tarde como modo de
vida.
Voar.
Hélder
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