13.
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
#5 Considerações: Cul-de-Sac
quarta-feira, 22 de setembro de 2021
#4 Considerações: Cul-de-Sac
10.
terça-feira, 21 de setembro de 2021
JOSÉ-AUGUSTO FRANÇA 1922-2021
«O autor deu um duplo objectivo ao seu trabalho: por um lado quis esclarecer as relações profundas da arte e da história política de Portugal desde o século XIX; e por outro examinar as reacções de um pequeno país aos principais movimentos da pintura europeia. Quanto às relações entre a arte a história, J.-A. França evitou sempre pôr em equação um conteúdo estético e um conteúdo histórico; preferiu confrontar ritmos, mostrando que os avanços do modernismo (futurismo ou surrealismo) corresponderam em cada caso, a uma crise das instituições. O autor aborda assim, de uma maneira concreta, dois problemas históricos importantes: o dos “períodos”, “durées” ou estruturas, e o dos “atrasos” de civilização.»
Menos conhecido será, talvez, o papel desempenhado por França na constituição, desenho e desenvolvimento da secção cinematográfica do JUBA (Jardim Universitário de Belas Artes). A esse propósito, remetemos o leitor para os números 16 e 21 desta rubrica Textos & Imagens, nos quais se explicita com algum pormenor a acção do ensaísta nessa organização e nas suas actividades.
À obra que hoje nos ocupa – Dez Anos de Cinema – não são estranhos, muito pelo contrário, as duas vertentes do labor multifacetado do autor (ensaio, romance, intervenção pública, etc.), nem os pontos de vista que desenvolveu no decurso da sua colaboração com o JUBA, como esperamos demonstrar ao longo deste texto.
A primeira nota a reter é o facto de França tender a considerar infrutíferas quaisquer tentativas de pensar a modernidade prescindindo do cinema, e tal tese é sustentada pelo período cronológico abrangido, constituído por textos publicados na revista Seara Nova entre 1949 e 1959, precisamente “quando o cinema começou a ser moderno”. Esta tendência é vincada pelo próprio autor na breve Introdução:
«Começados há dez anos, quando a crítica cinematográfica decente, em Portugal, quase se limitava a um nome, o de Roberto Nobre, terminam-se estes balanços agora, na altura em que parece estar a nascer uma nova crítica. Eles cobrem um período, por assim dizer intervalar, durante o qual se gerou e desenvolveu o movimento dos cineclubes e ao fim do qual despontou uma gente mais nova, de formação cineclubista e com interesses culturais, estéticos e sociológicos alargados, uma consciência crítica atenta aos valores da modernidade.» (pp. 7-8)
Ou seja, todo um programa contido num único parágrafo: por um lado, a consciência da pobreza (ou, talvez, da ingenuidade e desatenção) da crítica cinematográfica portuguesa, cujas lacunas estes modestamente designados «balanços» parecem destinados a colmatar; a percepção do limiar de uma nova era que corrigirá a anterior através da emergência de uma nova geração oriunda do cineclubismo (França confere aos cineclubes uma ímpar importância pedagógica e formativa); a noção da relação determinante do cinema com as dimensões estética, cultural e sociológica e, como já referimos, a inextricável valorização da arte cinematográfica na compreensão e interpretação da modernidade estética e sociológica.
«Cinema português, não. Perdido em problemas económicos e anedotas financeiras, ele tem aos ombros a tragédia da falta de gente que o realize. Que venha outra, nova, porque a que há (e exceptuando Manuel de Oliveira), de todo em todo não presta.» (p. 204)
Para compreender este diagnóstico, ou este retrato em tons negros da cinematografia nacional, é preciso ler de fio a pavio cada um dos «balanços» e verificar o modo exigente como o autor avalia em cada ano a produção portuguesa, a sua aflitiva indigência de meios económicos e expressivos, a falta de argumentos sólidos e a ausência de autores, sobretudo quando contrastada com as realidades europeia e norte-americana; uma tendência que é marca de água da sua metodologia analítica e que é expressa em termos definitivos na nota de Roland Barthes que acima reproduzimos. Como se compreende, França aplica ao cinema a mesma metodologia que emprega na avaliação da situação e evolução da arte portuguesa ao longo do século XX: sempre em relação de oposição ou tentativa de confluência com as suas congéneres de outras latitudes.
De qualquer modo,a sua finíssima intuição apresenta-lhe já o obrigatório e iminente surgimento de uma nova geração, de novas perspectivas, enfim, de autores capazes de iniciarem uma revolução no estado de coisas da nossa cinematografia. Como sabemos hoje, essa intuição foi certeira e realizou-se. Aliás, é no próprio devir do cinema que França encontra a sua maior virtude modernista; reconhecendo que todo o saber, independentemente do seu objecto, é sempre provisório, admite que a arte cinematográfica tem um significado sociológico imediato, comprometido e indomado, tornando-se assim um elemento fundamental da fenomenologia do século XX e remetendo para uma atenção constante a esse sociológico que atravessa todos estes «balanços»: o sociológico é aqui sociologia do espectador, patente na seguinte afirmação:
«Feito para o público “que tem sempre razão” pelo que quer e pelo que necessita, ele cria-lhe os desejos e as necessidades. Elemento número um de uma mito-sociologia actual, o cinema rodeia-nos invisivelmente, explica-nos o mundo, enche-nos o sonhar colectivo, espreita-nos e fabrica-nos.» (p. 194)
Outra característica determinante no pensamento do autor no que diz respeito à década cinematográfica que analisa, é a constatação de que o cinema, pela primeira vez, se incorpora num movimento universal de expressão, podendo agora intervir, actuar para além dos limites que absurdamente lhe foram impostos e das proposições que lhe foram atribuídas. Tal movimento de expressão universal é por ele fulgurantemente definido nestes termos:
«No romance que se diria pós-faulkeriano (e pós-becketeano, desde já), no teatro de novas vias de conhecimento, e de proposição de uma nova consciência, de Beckett, de Adamov, de Ionesco e de Sheadé, na poesia, depois de Ezra Pound, na pintura de um Bazaine, de uma Vieira da Silva, de um Bissière, de um De Staël, em correntes da música e do ballet contemporâneos, novas estruturas psicológicas estão a traduzir-se, efabulativamente ou não, na criação de um espaço e de um tempo ambíguos – que a ciência física e a filosofia verificam.»[1]
Ou seja, França pensa a modernidade cinematográfica também pela via do fim de um desligamento do cinema pela problemática estética geral e pela adesão total aos valores da vida (valores viventes). E, ainda, pela exigência e interrogação. Se, como alguém disse, a crise é a tónica e a característica determinante da modernidade, toda a crise é, para além do pessimismo e do optimismo entorpecedores, criativa e fecunda. É este – julgamos nós – o maior dos ensinamentos destes escritos que, como todos os grandes textos da contemporaneidade, assumem plenamente o estatuto provisório do saber que procuram alcançar e comunicar. Para finalizar, não resistimos a reproduzir, como corolário, aquilo que Hervé Bazin afirmou a propósito da obra Charles Chaplin – Le Self-Made Myth[2]:
«Voici un travail critique capital auquel on ne pourra désormais manquer de se référer. Ses 250 pages de réflexions méthodiques sur le mystère chaplinesque constituent sans doute l’effort critique le plus poussé et le plus complet sur le phénomène Chaplin considéré dans sa signification éthique et sociologique.»[3]
Arnaldo Mesquita
José-Augusto França, Dez anos de cinema. Lisboa, Sequência, [s.d.], 218 p.
Tipologia documental: livro
Cota: 70
segunda-feira, 20 de setembro de 2021
PESCADOR DE INSTANTES
Vi este cenário na
Baixa Pombalina e lembrei-me daquela vez em que pusemos o Pesssoa a cambalear a
caminho de casa a chamar o Ricardo Reis. Devias ter visto. Um gajo de oculinhos
e gabardina coçada aos tombos.
Ou ligo a outra
Estou na Rua onde
fizemos aquele clip com a chuva artificial da mangueira dos bombeiros. O
quartel já não existe. Lembras-te da seca que foi segurar aquela mangueira e
regar o casal de namorados para fazer crer que era chuva?
Às vezes lembram-se,
outras limitam-se a esconder-se naquela expressão
É pá…isso já foi há
tanto tempo…
Cumprimento um bêbado
a caminho de casa, contemplo a árvore de Natal das luzes da cidade sobre o rio,
faço o reconhecimento de novos espaços que nunca conheci apesar de viver nesta
cidade desde que nasci. Volto para casa.
Lembramo-nos todos de
muita coisa, ou de coisa nenhuma, a vontade de voltar a fazer foi ficando cada
vez mais pequena, o tempo encolheu e deixou-nos no seu lugar um sujeito
macambúzio sem expressão, um substituto sonolento e mandrião. Sobram as imagens
e os sons, sobram os ângulos da cidade, sobra tanta coisa e não se consegue
aproveitar nada.
Ponho as imagens a
correr e vou selecionando como um funcionário diligente em frente a uma pilha
de documentos. As paisagens, as caras, os sons, está tudo muito bem mas falta
qualquer coisa. A ideia de documentário a surgir e a afogar-se num mar de gente
adormecida, cabeça caída sobre as redes. Os textos sobrevivem às cinco
primeiras linhas, as imagens têm cinco minutos de atenção. E as cabeças saltam
de imediato para o texto seguinte, para o filme que se segue. Sons e imagens
rodam no teclado como papel higiénico no pendurador. Rasga, limpa, deita fora,
e volta tudo a rolar, rasga, limpa, deita fora. Não há paragens, não há
silêncios, mas apenas um frenesim eterno e inconsequente que não consegue reter
nada. Um míssil disparado que não pára, não regista nem consegue comunicar.
Volto às imagens na
tentativa de construir alguma coisa com elas. Tal como com as palavras. Mas
falta sempre qualquer coisa. Naquele rosto, naquela paisagem, naquele
movimento. Sento-me para trás e não consigo afastar-me, não consigo deixar de
tentar juntar “qualquer coisa em forma de assim”, como dizia o O’Neil.
Não são as imagens que
não têm vida…É a vida que se vai esgotando dentro de mim…
Artur
#3 Considerações: Cul-de-Sac
7.
domingo, 19 de setembro de 2021
#2 Considerações: Cul-de-Sac
4.
Tudo isto parecem generalidades a propósito de um livro, mas se tudo é vago, na vida, por que não deveria ser vago, na literatura? Estamos sempre envolvidos em sensações difusas, um supor emocional que não dá paz nem sossego, nem sequer, amiúde, confiança em um tempo melhor, excepto por esse optimismo doido dos sonhadores que acredita sem provas, que arquitecta planos sem evidências, que é teimoso em não aceitar a derrota quando, pela razão, já nada há a fazer. É um fervor de felicidade suposta e lânguida que existe apenas na imaginação e é vivida apenas nela, triste e leda condição virtual que tem o dom de ocupar a vida sem que esta seja vivida. Ainda assim, pretende-se que a escrita seja reacção lúcida a tais devaneios, modo quase telúrico de procurar um caminho, vertendo em palavras o queixume da vida fruste, não entendendo, porém, que esse esforço lúcido é de um realismo paradoxal -- ao entender o sonho cristalizamo-nos na crítica desperta aos estados de imaginosa fuga não vendo, então, que isso é também alienação nossa.
sábado, 18 de setembro de 2021
#1 Considerações: Cul-de-Sac
1.