Acendo um cigarro enquanto
observo o fogo…da lareira, do forno, o fogo em geral. Hipnotizado pelas chamas
sou capaz de estar ali por alguns minutos sem pensar em nada. Como numa espécie
de transe meditativo. Quando os lobos uivam ao longe a Natureza faz uma pausa e
escuta. Surpreende-se, arrepia-se, fica
assustada. Ouve com atenção até terminar e depois volta aquilo que estava a
fazer. Hoje em dia há vários uivos a voar sobre as montanhas, uns por cima dos
outros, em competição para ver quem é mais assustador. Pequenas explosões
transformam-se em fogos gigantescos incontroláveis de intolerância e ódio. De
repente toda a gente se revolta, toda a gente tem uma razão para gritar, partir
um vidro, pisar a opinião do outro. Uns manifestam-se contra o racismo, outros
opinam sobre epidemias, outros ainda avisam que o inferno vem aí aos
trambolhões para nos cair em cima. Só que sempre fomos racistas, ciclicamente
fomos exterminados por doenças e o inferno cai-nos em cima da cabeça todos os
dias. E tudo porque ainda não deixámos de ser ovelhas e obedecer a todas as
instruções do pastor. O mesmo que nos dá o circo, e o futebol e a desgraça dos
outros. O mesmo que nos diz onde e quando devemos manifestar a nossa
indignação. O mesmo que nos vende a falsa roupagem de lobo e nos diz quando nos quer pôr
a uivar. O mesmo que ao fim do dia nos recolhe com a ajuda do cão e nos volta a
trancar dentro da cerca. E assim se vão sucedendo os tempos como actos de uma
mesma peça de teatro que nunca acaba. Tempos que se esmagam contra nós como
ondas zangadas de espuma num paredão indiferente. Uns contra os outros…sempre
uns contra os outros. Nunca com os outros em modo construtivo. Nunca numa
direcção onde o somatório do bem estar de todos se alcança com o esforço de
cada um. Não! Saqueemos as lojas daqueles que nos voltarão a cobrar a ousadia,
vamos caíndo mortos às mãos da vaidade e da ganância de curas milagrosas,
anunciemos as catástrofes todas que ainda estão para vir. E depois, muito mais
contentes com a diversão permitida voltemos ao pasto, ao pastor, ao cão do
pastor, ao fecho da cerca para dormitar no curral das ovelhas, para fazer
exactamente tudo o que sempre fizémos no dia seguinte.
Acendo um cigarro e sinto-me
farto. Sinto-me velho, cada vez mais farto. Do rebanho, do pastor, do cão, de
tudo e de coisa nenhuma.
Falta-me o fôlego, falta-me o tempo, falta-me
a razão. Quando todos uivam acabo por fazer uma pausa. Primeiro surpreendo-me,
às vezes arrepio-me, fico assustado. Depois regresso ao que estava a fazer. E
dessa maneira a morte que nos pintam com traços de medo e afastamento…essa
ideia que só chega no fim…esse desenlace que nos apavora não é mais do que uma
encenação permanente onde o egoísmo e a ganância se juntam na dança que
dançamos todos os dias.
Artur
2 comentários:
Como sempre,muito bom,Artur.
Thanks mate.
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