sábado, 13 de junho de 2020

O MISTERIOSO CABIDE



Assim que se entra na casa está mesmo à nossa frente a dar-nos a boas vindas. O vulto imenso apresenta-se assim como guardião daquele espaço, imponente e magnânimo, qual montanha de tecidos pendurados, pronta para nos acolher. Sabemos vagamente que se trata de um cabide por deixar ver um ou dois ganchos perdidos da sua constituição e por a dona da casa (uma grande amiga minha) nos dizer que assim é. E de facto, se o quisermos perceber a fundo vamos precisar de bastante tempo, tantas são as utilidades e as histórias que guarda para nos contar. Temos casacos de Inverno, casacos de Verão, impermeáveis, malas, guarda chuvas, cachecóis, xailes, camisolas, todos meticulosamente embrenhados numa organização única desafiando em permanência todas as leis do equilíbrio. Às vezes desconfia-se tratar-se de uma árvore centenária como a própria casa que por ali foi ficando até aos dias de hoje teimando em existir muito para além das possibilidades da existência. As suas profundas raízes rivalizam de importância com as fundações da habitação não sendo possível a umas existirem sem as outras. Reclamando  o seu estatuto de ocupante da casa, o cabide ali está acompanhando as refeições, intervindo nas conversas, avisando sinais de proximidade atmosférica. Acaba por ser uma personagem simpática a que nos habituamos ao longo das visitas, uma personalidade definida com que acabamos por gostar de conviver. Nas horas de silêncio e contemplação podemos focar-nos nas suas dimensões enquanto tentamos adivinhar a sua forma original como quem busca uma alma. Nas horas de tédio imaginamos uma determinada peça e partimos à aventura a explorar a montanha até a conseguirmos encontrar. Em horas de solidão estamos perante um interlocutor simpático que nos pode contar várias histórias conforme a hora do dia ou a época do ano. Trata-se de uma espécie de canivete suiço adaptado para todas as épocas e para todas as ocasiões. O cabide de casa desta minha amiga é em si um livro imenso onde podemos ler o tempo cronológico e avaliar o tempo meteorológico. Um cicerone para o interior da habitação, um habitante de facto, um mistério coberto de casacos e utilidades, uma peça fundamental e imprescindível de toda a decoração da casa.
Como um dólmen do Paleolítico ou um totem no espaço central da aldeia de uma tribo, ele ali está imponente e acolhedor sempre pronto para uma resposta. Olhando-nos da sua invejável estatura transforma a nossa reacção numa experiência religiosa. Passamos a admirá-lo com relativa rapidez e, ao fim de poucas visitas já não conseguimos perceber a casa sem a sua presença. É o primeiro que cumprimentamos à entrada e o último de quem nos despedimos e agradecemos a hospitalidade. A magia do seu mistério é o charme do seu encanto. Todas as casas têm a sua marca pessoal. Esta tem um cabide…



Artur

2 comentários:

Sofia Vaz Pinto disse...

Eu sabia que não serias indiferente a este senhor.
A palavras que dedicaste a este “ser” são MARAVILHOSAS!

Bjs,
Sofia

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado Sofia.

Bjs