Assim que se entra na casa está
mesmo à nossa frente a dar-nos a boas vindas. O vulto imenso apresenta-se assim
como guardião daquele espaço, imponente e magnânimo, qual montanha de tecidos
pendurados, pronta para nos acolher. Sabemos vagamente que se trata de um
cabide por deixar ver um ou dois ganchos perdidos da sua constituição e por a
dona da casa (uma grande amiga minha) nos dizer que assim é. E de facto, se o
quisermos perceber a fundo vamos precisar de bastante tempo, tantas são as
utilidades e as histórias que guarda para nos contar. Temos casacos de Inverno,
casacos de Verão, impermeáveis, malas, guarda chuvas, cachecóis, xailes,
camisolas, todos meticulosamente embrenhados numa organização única desafiando
em permanência todas as leis do equilíbrio. Às vezes desconfia-se tratar-se de
uma árvore centenária como a própria casa que por ali foi ficando até aos dias
de hoje teimando em existir muito para além das possibilidades da existência.
As suas profundas raízes rivalizam de importância com as fundações da habitação
não sendo possível a umas existirem sem as outras. Reclamando o seu estatuto de ocupante da casa, o cabide
ali está acompanhando as refeições, intervindo nas conversas, avisando sinais
de proximidade atmosférica. Acaba por ser uma personagem simpática a que nos
habituamos ao longo das visitas, uma personalidade definida com que acabamos
por gostar de conviver. Nas horas de silêncio e contemplação podemos focar-nos
nas suas dimensões enquanto tentamos adivinhar a sua forma original como quem
busca uma alma. Nas horas de tédio imaginamos uma determinada peça e partimos à
aventura a explorar a montanha até a conseguirmos encontrar. Em horas de
solidão estamos perante um interlocutor simpático que nos pode contar várias histórias
conforme a hora do dia ou a época do ano. Trata-se de uma espécie de canivete
suiço adaptado para todas as épocas e para todas as ocasiões. O cabide de casa
desta minha amiga é em si um livro imenso onde podemos ler o tempo cronológico
e avaliar o tempo meteorológico. Um cicerone para o interior da habitação, um
habitante de facto, um mistério coberto de casacos e utilidades, uma peça
fundamental e imprescindível de toda a decoração da casa.
Como um dólmen do Paleolítico ou
um totem no espaço central da aldeia de uma tribo, ele ali está imponente e
acolhedor sempre pronto para uma resposta. Olhando-nos da sua invejável
estatura transforma a nossa reacção numa experiência religiosa. Passamos a
admirá-lo com relativa rapidez e, ao fim de poucas visitas já não conseguimos
perceber a casa sem a sua presença. É o primeiro que cumprimentamos à entrada e
o último de quem nos despedimos e agradecemos a hospitalidade. A magia do seu
mistério é o charme do seu encanto. Todas as casas têm a sua marca pessoal. Esta
tem um cabide…
Artur
2 comentários:
Eu sabia que não serias indiferente a este senhor.
A palavras que dedicaste a este “ser” são MARAVILHOSAS!
Bjs,
Sofia
Obrigado Sofia.
Bjs
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